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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Por uma chuva democrática

Os putos recusam-se a andar de guarda-chuva. Eu compreendo-os perfeitamente. É muito chato andar com uma das mãos ocupada por um chuço, esteja ele aberto ou fechado. Depois ainda há as contrariedades laterais. Não sei como é convosco, mas eu, se calhar de entrar num café ou loja e à saída não estar a chover, é garantido que me esqueço dele lá dentro. Mais. Se o arrumo no bengaleiro é certo e sabido que quando voltar para o pegar ele não vai estar lá - há sempre alguém que fez de conta que o levou por engano e a melhor hipótese é que esse alguém tenha deixado um com duas varas partidas.

O problema é que quem anda à chuva molha-se - e passar um dia como os pés molhados e a roupa a secar colada ao corpo é ainda mais chato que a maçada de andar a passear um guarda-chuva, ainda por cima correndo o enorme risco de o perdermos ou de ele ser roubado ou trocado.

A minha política em relação ao uso do guarda-chuva é muito simples. Só o levo comigo se estiver a chover no momento em que saio de casa, do carro ou do jornal. Senão arrisco. Sei que não é prudente, mas tenho confiança no mercado, que funciona pior no Porto do que em Lisboa, onde basta caírem umas gotinhas para aparecer logo gente a vender guarda-chuvas em todos os acessos ao metro, mesmo que se trate de um dia de verão que que amanheceu com um sol radioso.

Como todos sabemos, a chuva forma-se nas nuvens, pelo que não nos podemos espantar que, de há três anos a esta parte, esteja a chover com tanta e crescente intensidade no nosso país e que cada dia que passa o céu esteja mais ameaçador e pejado por nuvens ainda mais negras.

O grande drama é que a chuva não molha a todos por igual. Há pessoas - estou a referir-me, por exemplo, a desempregados de longa duração e reformados com pensões baixas - que desgraçadamente têm sido atingidas por um temporal de chuva e vento tão inclemente que já lhes deu cabo do guarda-chuva. Por isso estão a tremer, enregeladas e molhadas até aos ossos.

Há outros, como eu - estou a falar dos que ainda têm trabalho e salário -, que têm sido mais felizes, pois só apanham aquela chuva de molha-todos, que se consegue suportar bem se usarmos gabardina comprida e um daqueles chapéus impermeáveis que são muito baratos nas lojas dos chineses.

Tudo leva a crer que Passos Coelho não é cego, nem surdo, não confunde determinação com intransigência e aprendeu com Mário Soares que só os burros não mudam de ideias. Só falta demonstrar que não é mudo e anunciar que errou no dossiê TSU.

Mas, por favor, não façam confusão. A tempestade pode passar, mas o mau tempo continuará. Se com toda esta austeridade em 15 meses o Governo só conseguiu cortar 1,5% no défice orçamental, vai ter de chover muito para que em 24 meses seja possível abater mais 4%

Para que possamos suportar estoicamente a chuva é urgente que ela seja democrática e atinja todos por igual - em particular os privilegiados que são useiros e vezeiros em passar pelo intervalo da chuva.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Um país parecido com o Sporting

As contas do último exercício do Sporting deixaram-me muito preocupado com o futuro do país, porque o PEC confeccionado por Sócrates para trazer o défice orçamental de volta para baixo dos 3%  copia o modelo do plano traçado pela direcção leonina para pôr em ordem as finanças do clube.

Para endireitar as contas do Sporting, a direcção sacrificou o investimento, atirando o clube para um grave recessão, com as receitas e os resultados desportivos em queda livre. Os resultados do PEC leonino são tão devastadores como as visões do Inferno de Hieronimus Bosch.

No curto espaço de um ano, o prejuízo subiu de 8,6 milhões para 14,8 milhões de euros, o passivo assumido do grupo Sporting já vai nos 310 milhões e as receitas despenharam-se para 22,7 milhões, reduzindo-se em dez milhões. E é mais provável o Clark Kent e Super Homem aparecerem juntos do que as coisas melhorarem. Na próxima época não há Champions e não se perspectiva nenhum jackpot no capítulo das transferências. Mesmo bem vendidos, Moutinho, Veloso e Izmailov renderão menos do que o Benfica vai encaixar com a venda do Di Maria. É a catástrofe iminente sem meios para a esconjurar.

Ao olhar para o Sporting confirmamos que Joseph Stiglitz, Nobel da Economia, estava carregado de razão quando nos avisou que Portugal precisa de investir, pondo todas as fichas no crescimento e não na austeridade, lembrando que desde a Grande Depressão se sabe que o caminho que está a ser seguido é desastroso.

Ao ver o director financeiro do Sporting, José Filipe Nobre Guedes de chapéu na mão, a mendigar ao BCP e BES que aceitem renegociar 55 milhões da dívida (transformando-os em obrigações convertíveis) para retirar o clube da falência técnica, Teixeira dos Santos está a ter um flashforward da figurinha que vai fazer dentro de poucos meses para conseguir refinanciar a divida portuguesa e evitar que a República entre em incumprimento.

Agora é tarde, Inês é morta, mas tenho muita pena que antes de cozinharem um PEC igual ao do Sporting, o benfiquista Sócrates não se tivesse aconselhado com Luís Filipe Vieira (que arriscou elevar o passivo em 38 milhões, mas ganhou o campeonato, valorizou extraordinariamente os seus activos e comprou a entrada na Liga dos Campeões) e que o portista Teixeira dos Santos não tivesse consultado Pinto da Costa, para aprender como é que ele conseguiu fechar o exercício de 2009 com 10,7 milhões de lucro e ganhar três em cada quatro campeonatos nunca deixando de investir – e mesmo assim tem o passivo mais baixo dos três grandes. Tenho muita pena que Portugal esteja cada vez mais parecido com o Sporting.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

Eu estava a ressonar durante o blackout

O Froiz subiu de 5,95 para 7,90 euros o preço do quilo do rolo da carne picada recheada com queijo e chouriço, em linha com aumentos superiores a 30% verificados no bife. Tenho pensado muito nas razões deste aumento e até já me passou pela cabeça escrever ao Dear Economist, do Financial Times, para saber o que é que o Tim Harford pensa sobre o assunto.

A melhor explicação que arranjei para a brutal inflação do custo da matéria prima do meu assado dominical foi a da que a pessoa que marca os preços das carnes na rede galega de supermercados foi uma das vítimas do flash forward e teve uma visão muito cor de rosa do estado da nossa economia a 21 de Abril de 2010.

Passo a dar o contexto, para acautelar o caso, altamente improvável, de não ser umas das 12 milhões de pessoas que não perdem um episódio de FlashForward. A intriga desta série televisiva (AXN, 4ª feira, 22h25) baseia-se num desmaio global ocorrido às 11 da manhã (Pacific Standard Time) do passado 6 de Outubro, com a duração de 2m17s, durante o qual a generalidade das pessoas abriu uma janela no futuro e teve uma visão da sua vida a 21 de Abril de 2010.

Não sei se fui vítima deste blackout, o que até se compreende porque às 11h00 em Los Angeles são três da manhã no Porto e eu, a essa hora, tenho o hábito de estar a dormir. Não tive nenhuma visão do futuro, que fundamente uma atitude mais optimista ou pessimista na compra de prendas de Natal. Mas sei que o marcador do preço das carnes do Froiz não foi o único a ter uma visão encorajadora durante os 137 segundos em que perdeu a consciência.

Os bancos voltaram a abrir a torneira do crédito à habitação e o preço das das casas voltou logo a subir. A Brisa prevê, para 2010, um aumento de 3,6% no tráfego das auto-estradas. E, apesar da tradicional correcção de Outubro, os indicadores anualizados do Euronext Lisbon dizem que o champanhe está de regresso à bolsa.

Apesar desta euforia, eu (que, como estava ressonar durante o blackout, não faço a mínima do que vai acontecer na Primavera) continuo bastante preocupado com o Inverno da nossa economia revelado pelas previsões de Outono da Comissão Europeia de que Portugal vai ter crescimentos microscópicos do PIB (0,3% em 2010, e 1%, em 2011), dos mais baixos da UE e do Mundo, depois de este ano termos perdido a riqueza que demoramos quatro anos a construir.

Eu não sou daqueles que olham para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único, mas não consigo deixar de enrugar a testa quando vejo o Estado a gastar mais de metade do PIB e os escândalos a sucederem-se, ameaçando tolher o Governo numa altura em que, mais que nunca, o país precisa de governo.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

Falta de mimo e de atenção

Passei a semana a arrumar em 283 caixas de cartão os últimos 20 anos de vida. Mudei de casa na 5ª feira, o que faz de mim um activo militante da retoma.

À minha escala, trata-se um contributo para a criação de emprego e riqueza superior à dos grandes investimentos públicos (TGV e aeroporto de Lisboa) e mais virtuoso, pois não agravará a dramática situação dos défices externo e orçamental (não é por minha causa que o IVA está em queda livre).

O dinheiro é o sangue da economia e eu não tenho feito outra coisa senão activar a sua circulação.

Comprei um andar dos anos 60 a um agricultor de Resende, que vai reinvestir o encaixe num empreendimento imobiliário, ou seja o dinheiro pago vai continuar a circular.

A Luísa, a menina que intermediou o negócio, anda a fazer o 12º ano nas Novas Oportunidades, o quer dizer que a comissão ficou em boas mãos e eleva ainda mais o carácter generoso do gesto patriótico de comprar um apartamento num momento em que toda a gente está tentar adivinhar quando é que isto bate no fundo para voltar a arejar as suas notas.

Nas obras na casa nova estiveram envolvidos trolhas, picheleiros, carpinteiros, pintores e electricistas, o que mitigou o desemprego que flagela a construção civil. Animei ainda sectores tradicionais da nossa indústria portuguesa, como a de cerâmica, aglomerados de madeira e papeleira.

Provavelmente nem toda a riqueza gerada se vai reflectir no PIB de 2009 (não juro que a generosa rapaziada que fez a mudança vá declarar o rendimento ao Fisco), mas há que contabilizar os efeitos indirectos. Para voltar a arrendar o apartamento que ocupei nos últimos 20 anos, a ex-senhoria vai mandar fazer cozinha e casas de banho novas.

A mudança absorveu toda a minha atenção durante esta semana, fazendo-me esquecer os outros problemas que me afligem. Reparei apenas que a crise foi substituída pela gripe mexicana como cabeça de cartaz dos noticiários.

Enquanto desempacotava as caixas, pensei que às vezes há males que vêm por bem, e que não é impossível que se a gripe suína se transformar mesmo numa pandemia (e não apenas um ameaço como a gripe das aves), não é impossível que um dia destes despertemos para o facto da crise ter acabado, por falta de mimo e de atenção.

Jorge Fiel

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Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

Mais escovas de dentes do que telemóveis

Nunca andei no judo ou no karaté. Excluindo snooker e matrequilhos, a natação foi a única actividade desportiva em que me envolvi mais ou menos a sério. Mas sei que uma das primeiras regras que os mestres das artes marciais ensinam é a de que não se deve resistir à força do adversário, mas antes tirar partido dela -  e não se deve temer a queda.

O pedacinho de sabedoria dos cinturões negros que nos avisa que é sempre da queda que nasce alguma coisa, é primo direito da teoria, formulada por Schumpeter, de que a destruição criativa é não só inevitável como ainda necessária para fundar um novo e diferente período de crescimento.

Como não sou daqueles tipos que olham para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único, tenho descoberto sinais bastante encorajadores em muitas notícias da crise.

Fiquei muito satisfeito em saber que há menos 30 mil carros a circularem diariamente nas ruas de Lisboa, o que corresponde a uma diminuição de 7% no trânsito. A queda de 9% no movimento na A1 (menos 8 500 automóveis por dia) é uma má notícia para a Brisa mas uma boa notícia para quem está preocupado com o futuro do planeta. Quero acreditar que, quando a noite passar, as pessoas que agora estão a deixar o carro na garagem continuarão a usar os transportes públicos.

Fiquei muito satisfeito em saber que as restrições ao crédito à habitação estão a fomentar o mercado de arrendamento. Ou seja, que a crise está a ser mais eficaz que Lei das Rendas na urgente tarefa de devolver ao mercado habitacional português a racionalidade e equilíbrio perdidos.

Fiquei muito satisfeito em saber que, pela primeira vez, caiu a venda de telemóveis e que a poupança dos portugueses aumentou 14%. Parece-me que 14,5 milhões de telemóveis são suficientes para dez milhões de portugueses e sonho com o dia em que voltarão a haver mais escovas de dentes nos copos da casa de banho do que telemóveis nos bolsos. 

Quando o sol voltar a nascer, espero que as pessoas não percam os bons hábitos forjados nestes tempos sombrios. E rezo para que o Estado, que por causa da crise está perder 9,5 milhões de euros/dia de receita fiscal, aproveite a oportunidade para emagrecer e se habituar a viver com menos.

Jorge Fiel

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Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

A imaginação ao poder!

O que mais me custou durante os quatro meses que estive em Mafra não foi a patrulha das 24 horas non stop, fazer o rappel e o slide, andar no pórtico ou ter passado completamente encharcado a semana de campo, no Sobral de Monte Agraço.

O que mais me custou durante a recruta e a especialidade não foi habituar-me a obedecer sem pensar, as marchas/corridas até à Ericeira ou ser acordado a meio de noites mal dormidas e ter de arranjar tempo e concentração para me iniciar nos cálculos do tiro curvo (morteiro) e tenso (canhão 90 e LGFs).

O que mais me custou durante a minha estadia na ala do Convento ocupada pela Escola Prática de Infantaria não foram tão pouco as brincadeiras irresponsáveis com granadas ofensivas que custaram o braço e ouvido direitos ao aspirante instrutor, a duas semanas dele passar à peluda.

O que mais me custou fazer na tropa foi o salto no escuro. Eu explico. Totalmente equipados (mochila, capacete, cantil cheio e G3) saltávamos para o escuro, numa noite de Inverno e sem estrelas, na Tapada de Mafra.

Não víamos nada. Népias. Sabíamos que iríamos aterrar, mas não fazíamos a mínima ideia de como armar o salto ou flectir as pernas, porque a terra firme tanto podia estar à distância de 30 centímetros ou de dois metros. Acho que todos temos medo de mergulhar no desconhecido.

Peço desculpa por me alongar com esta história. Nós, homens, não nos conseguimos calar quando começamos a recordar episódios da tropa. Mas a verdade é que esta ideia do salto no escuro é a imagem mais aproximada da situação que vivemos.

Sabemos que o inevitável processo em curso de destruição de riqueza vai acabar um dia, mas não sabemos quando, nem até que ponto os governos vão conseguir controlar os danos.

“Vou ter de apagar a tabuada que aprendi e usei até ao ano passado”, confessou, num curioso misto de lucidez e candura, Berardo, um dos protagonistas da festa que acabou em tragédia.

Joe tem razão. Temos de admitir que 2 + 2 possam já não ser 4. Temos de aceitar que vamos ter de usar uma nova gramática na construção do um novo modelo de vida que vai nascer nos escombros do velho.

As velhas receitas não servem no combate a novos problemas, da mesma maneira que os antibióticos eram eficazes no combate à Sida.

A resposta não está em tentar descobrir variantes dos convencionais 4x4x2 ou 4x3x3 das teorias económicas. Os novos e atribulados tempos exigem novas e arrojadas soluções e o fim dos dogmas - que, como dizia Mao, são menos úteis que a bosta de boi, pois esta ao menos serve de estrume.

Uma nova elite vai ter de emergir-se e afirmar uma cultura desprovida do medo do fracasso. Como nos veio cá lembrar Kjell Nordstrom, “aceitar socialmente o falhanço é essencial, por que falhar é a chave da inovação”.

Afinal, a chave do sucesso foi inventada há quase 41 anos e esteve escrita nos muros de Paris: “A imaginação ao poder”.

A inovação e a criatividade são as únicas ferramentas que nos permitirão sair do buraco em que vamos cair quando aterrarmos do salto que estamos a dar no escuro.

Jorge Fiel

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O caso do banco bom e do leão que era surdo

O velho caçador profissional andava preocupado. Começavam a faltar-lhe a mão firme, o olhar certeiro e o nervo de aço que o tinham feito famoso de costa a costa,  com centenas de peças de caça grossa – hipopótamos, leões, elefantes, etc – abatidas.

Eram muitas mais as vezes que falhava do que as que acertava no alvo. Atrapalhava-se no momento de suspender a respiração e premir o gatilho - essa é que era essa!

O caçador sentia que perdera o dom da caça e preparava-se para acabar com a carreira, quando partilhou o seu drama com um amigo, que o aconselhou a consultar um feiticeiro, que ouvira dizer ser capaz de milagres.

O feiticeiro deu ao caçador uma flauta. Quando estivesse na presença de uma peça que quisesse abater, o que tinha a fazer era tocar a flauta mágica que encantaria e paralisaria o animal. Com a presa imobilizada, seria fácil acertar-lhe.

Foi a medo que o caçador experimentou a flauta do feiticeiro. Mas logo constatou que o remédio tinha tanto de simples como de eficaz.

Prosseguiu a sua auspiciosa carreira, até que um trágico dia avistou um leão, trocaram um olhar e, debalde, começou a tocar na flauta. O leão não parou. Tocou com mais energia - mas nada. O caçador morreu estraçalhado pelo rei da selva.

O triste fim do velho caçador foi presenciado em silêncio por um bando de macacos, prudentemente resguardados nos galhos de uma alta árvore. O silêncio foi quebrado pelo sábio comentário do macaco velho: “Eu não vos disse que ele se ia ver aflito quando encontrasse um leão surdo?”.

Desde que a 15 de Setembro de 2008, as autoridades americanas deixaram cair o Lehman Brothers (permitindo assim que evoluísse para um enfarte no sistema financeiro a crise da hipertensão provocada pelo subprime), que vivemos um ponto de viragem no processo de expansão do crédito iniciado após a II Guerra Mundial, que se tornou explosivo a partir dos anos 80.

A economia mundial vive, em pânico, uma situação nova e perigosa, marcada pela contracção do crédito, liquidação de activos e destruição de riqueza, em dimensões nunca enfrentados por qualquer governante, político, banqueiro ou empresário em funções. 

As velhas receitas, que tão bom resultado deram em crises passadas, não servem para atacar esta crise nova. Não vale a pena tocar a flauta, porque a economia ensurdeceu.

O doente (a economia) está nos Cuidados Intensivos. Não é preciso ser um dr. House para perceber que é urgente que o sangue (dinheiro) chegue ao coração (as empresas) do moribundo.

O problema é que as veias (bancos) estão entupidas e o sangue que injectamos perde-se pelo caminho -  não chega às empresas.

O melhor é fazer um bypass. Parar a aposta na banca velha – não vale a pena tentar aliviá-la arrumando num banco mau as toneladas de lixo que ela acumulou.

O que há a fazer é canalizar todos os recursos disponíveis para uma injecção de sangue no coração, administrada através de um banco novo – e bom!

PS. Agradeço ao meu amigo Antas Teles ter-me contado esta magnífica história do leão surdo

 

Jorge Fiel

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Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Notícias

 

Vou passar a comprar “O Jogo”

O chefe Nuvem Sentada era já bastante velho quando morreu, no final do Verão, deixando os destinos da nação Comanche nas mãos do neto, Língua Irrequieta, um jovem desempoeirado mas inexperiente.

Só quando o Outono já ia alto, e o Conselho de Velhos lhe perguntou se os membros da tribo deviam começar a cortar lenha, é que Língua Irrequieta se apercebeu que decidir sobre o aprovisionamento de madeira fazia parte das suas novas funções. Disse-lhes que sim, que começassem a cortar.

Quando, passados 15 dias, voltou a ser confrontado com a mesma questão, já estava habilitado a decidir com base em informações. Telefonara para o Instituto de Metereologia que lhe falara de um Inverno com grandes massas de ar frio. Foi rápido na resposta: os irmãos deviam continuar a agir como valentes lenhadores.

Duas semanas depois, os velhos perguntaram de novo: “O grande chefe acha mesmo que o Inverno vai ser assim tão frio que a lenha já cortada não chegará para nos aquecer?”. Lingua Irrequieta disse que sim: Que sempre era melhor que, no final do Inverno, sobrasse lenha do que se faltasse. Mas ligou para a Metereologia, a saber se se confirmava que o Inverno ia ser anormalmente frio.

“Tudo leva a crer que sim, meu amigo. Os sacanas dos índios continuam a a cortar lenha como doidos!”, declarou-lhe o cientista.

Esta anedota dos índios, que me foi contada pelo meu amigo Antas Teles, ajuda-nos a perceber o processo de formação de um pensamento único em circuito fechado.

As causas produzem efeitos, que se transformam em causas nesta sociedade em que a informação se propaga a uma velocidade supersónica.

Alberto da Ponte contou noutro dia um episódio revelador de como se reproduz numa perigosa espiral esta “crise que só se vive uma vez na vida”  - que Basílio Horta compara a um “tremor de terra”, enquanto Ricardo Salgado fala de uma “tempestade”  (curioso que ambos atirem para a Natureza as culpas de uma situação que é da responsabilidade da ganância humana).

Um amigo médico, sportinguista como ele, contou ao CEO da Centralcer que, apesar de não sido afectado pela crise, deixara de comprar dois diários desportivos: “Por causa da crise, passei a comprar só um”.

Neste momento, em que o medo – o medo de consumir, o medo de decidir e o medo de falhar – se espalhou como uma epidemia e está instalado, vale a pena relembrar as sábias palavras de Roosevelt (que tirou os EUA da Grande Depressão), no primeiro discurso presidencial:

“Esta Nação, aguentará como aguentou, ressuscitará e prosperará. Por isso, antes de mais, deixem-me afirmar a minha firme convicção de que a única coisa que devemos ter medo é do próprio medo – do terror sem nome, irracional, injustificado, que paralisa os esforços para converter a retirada num avanço”.

Eu, que não comprava qualquer jornal desportivo, decidi que vou passar a comprar “O Jogo” todos os dias. Fico à espera que os meus amigos e conhecidos pensem o seguinte: “ Se o fonas do Fiel, que toma nota num papel de todas as despesas que faz, voltou a consumir, já podemos voltar a jantar fora pelo menos uma vez por semana…!”.

Jorge Fiel  

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A lenda d'el rei D. Sebastião

 

A Lenda d’el Rei D. Sebastião, do Quarteto 1111, liderado por José Cid, foi a primeira e única canção portuguesa passada pelo mítico programa Em Órbita, do Rádio Clube Português, excepção prévia e solenemente fundamentada por Cândido Mota, num texto de 860 palavras (quase o dobro das que leva esta crónica).

A história do rei D.Sebastião é curta, porque ele morreu novo (24 anos), mas também longa, porque originou um substantivo (o sebastianismo). “A morte deu-lhe vida ilimitada”, resumiu o Padre António Vieira.

Feito rei em idade de ainda usar fraldas (aos três anos), D. Sebastião deixou-se entusiasmar pelas façanhas dos seus antepassados, cantadas por Luís Vaz de Camões que, nos Lusíadas, celebra O Desejado como “maravilha fatal da nossa idade/ dada por Deus, que todo o mande/para do Mundo a Deus dar parte grande”.

O rei moço levou a sério estes versos e para cumprir o seu destino de “dar a Deus parte grande do Mundo” desatou a contratar mercenários por toda a Europa, e a endividar-se junto dos cristãos novos, para ir ao norte de África conquistar Larache.

Alertado pela sua rede de espionagem dos preparativos da expedição e temente do poderio português, o sultão Mulei Maluco enviou emissários a Lisboa oferecendo Larache. D. Sebastião recusou. Não queria receber Larache, mas sim conquistá-la.

Com a expedição já no mar, o rei cometeu um novo erro fatal, ao desembarcar em Arzila e optar por atacar Larache por terra, em campo aberto.  O desastre de Alcácer Quibir não teria existido se tivesse mantido o plano inicial e atacasse Larache por mar, usando a poderosa armada de 500 embarcações. 

D. Sebastião já estava em Arzila quando declinou uma nova e tentadora proposta do sultão, que em troca da paz, lhe oferecia as praças de Larache, Tetuão e Santa Cruz do Cabo de Guer – e disponibilidade para o confirmar como Imperador de Marrocos.

No fim desta semana, em que tomou posse o 44º presidente dos Estados Unidos e se completaram 445 anos sobre a data de nascimento do 16º rei de Portugal, ocorreu-me que a trágica e breve vida de D.Sebastião encerra ensinamentos que podem ajudar  a desembrulharmo-nos desta crise “que só se vive uma vez na vida”.

A primeira lição, é que há um desfasamento temporal entre o declínio de um império e a percepção desse mesmo declínio. Em 1578, apesar de já estar em queda livre, o Império Português ainda era temido pelo sultão que estava disposto a pagar caro pela paz.

Se os EUA ainda fossem a potência capaz de liderar o turn around do Mundo, o Manchester United não andava na Índia à procura de um patrocinador que substitua a norte-americana AIG, que Bush nacionalizou para a salvar da falência.

A segunda lição é que a crença messiânica num salvador é um erro infantil neste mundo pós-americano, em que a hora é de partilhar decisões - e não de impô-las.

Num mundo em que a chave passou a ser saber ouvir, é insensato acreditar em soluções providenciais e, nestas manhãs de nevoeiro, ir para a praia esperar um novo D. Sebastião. Já não há milagres.

Jorge Fiel

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E que tal misturar Prozac na água da torneira?

Estou a ficar deprimido. Teria preferido que o choque frontal com a crise que só se vive uma vez na vida tivesse ocorrido quando eu era bebé de berço ou (quando muito) adolescente inconsciente - e não agora no dealbar do Outono da minha existência.

Toda esta retórica da crise já começa a cheirar mal. Pior até que a fábrica de Cacia da Portucel. E só nos puxa para baixo. A mim ninguém me tira que a culpa disto tudo é dos economistas.

Como diz a velha piada, quando o nosso vizinho perde o emprego, temos um abrandamento económico. Quando somos nós a perder o emprego, temos uma recessão. Mas quando um economista perde o dele, temos uma depressão.

Para vos ser franco não estou com pena nenhuma deles. Os economistas que não souberam prever a chegada desta crise, filha de graves falhas de ética e de expectativas infundadas, bem merecem perder o emprego deles.

Estou farto de andar pela rua a tropeçar em novos Velhos do Restelo, com braços e olhos em baixo, disfarçados de cassandras catastrofistas a preverem o naufrágio iminente nas águas traiçoeiras do Cabo das Tormentas. Precisamos tanto de mais discursos derrotistas como de uma dor de dentes.

Como dizia o Zeca Afonso, o que faz falta é animar a malta. O que faz falta são lideres que nos entusiasmem e convençam de que somos capazes de comer o Adamastor ao pequeno almoço e de transformar o Cabo das Tormentas no da Boa Esperança.

“Quando se avança contra o impossível, ele recua”, disse Paulo Teixeira Pinto. Precisamos de ouvir mais frases optimistas como estas – e de aprender com o apelo à acção e inconformismo lançado por Marx na 11ª tese sobre Feuerbach: “Até agora os filósofos encarregaram-se de interpretar o mundo. Trata-se agora de o transformar”.

Não adianta dramatizar mais. É preciso ser realista e objectivo, restaurar a confiança, ajudar pessoas e empresas a viver com a incerteza e saber conduzi-las um novo ciclo de prosperidade.

Há 50 anos, as empresas eram 70% de tangíveis e 30% de intangíveis. A proporção inverteu-se e por isso a psicologia e a motivação são mais importantes do que dinheiro.

Portugal precisa de uma injecção de adrenalina e quem tem de a dar é José Sócrates.

Se eu fosse o primeiro ministro, telefonava a Artur Jorge e perguntava-lhe o que é que ele disse ao jogadores no intervalo da final da Taça dos Campeões Europeus em Viena, quando o FC Porto perdia 1-0 com o Bayern de Munique. 

Se eu fosse o primeiro ministro, ia a Washington à posse de Obama e a aproveitava para perceber como é que ele conseguiu convencer os americanos que podiam vencer.

Se eu fosse o primeiro ministro falava verdade aos portugueses, dizia-lhes que é preciso trabalhar mais e melhor, mas se o fizermos a crise não passa de um tigre de papel.

Bom, se nada disto der resultado, Sócrates pode sempre recorrer ao plano B e misturar Prozac na água da torneira.

(arrisquei esta sugestão depois de saber que Richard Branson implementou o fun como um valor corporativo da Virgin e de ler que o psicólogo espanhol Eduardo Jauregui defende que o bom humor aumenta a produtividade).

Jorge Fiel

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