Hoje, sexta feira, dia 17 de Abril, era suposto abrir no Batalha o Festival Intercéltico do Porto.
Era suposto abrir, mas não vai abrir porque a Câmara do Porto não confirmou em tempo útil o apoio a este festival, depois de lhe ter reduzido o subsídio em 2008.
O mais antigo festival de música do Porto é a mais recente vítima da política anti-cultural de Rui Rio, fundamentada na célebre graçola de que quando ouve falar em cultura leva logo a mão à carteira.
A cultura precisa de apoio financeiro, mas esse apoio pode muito bem render pingues dividendos. A cidade de Barcelona apoiou fortemente um projecto comercial de Woody Allen e ficou muito satisfeita com o retorno que recebeu em notoriedade do filme Vicky Cristina Barcelona.
O Intercéltico, na música, é um dos ícones da cultura do Porto, tal como o Fantasporto, no cinema, e o Fitei, no teatro. É criminoso deixá-lo cair.
E é preciso ter muita lata para mandar o Gabinete de Comunicação municipal mandar para a agência Lusa um comunicado, em que chama “caçadores de subsídios” aos agentes culturais da cidade.
A SIC Notícias tem na sua grelha um programa de debate de ideias - A Regra do Jogo - onde intervêm António Barreto e José Miguel Júdice e é moderado por António José Teixeira.
Devo dizer que simpatizo com os três cada qual no seu estilo e na sua especialidade.
Por isso vejo.
Concordo umas vezes, discordo com outras e em muitos casos aprendo mas, acima de tudo, gosto da forma lúcida com que vêm o país e olham para nós.
Acho, desde há muito tempo, que se debate pouco em Portugal, pensa-se menos e temos andado pouco disponíveis para ouvir serenamente os outros.
Chama-se a isto Cidadania.
Acho que a nossa cultura democrática ainda está muito deficitária nessa matéria.
Foram anos e anos de ditadura, de censura e de repressão.
A factura é pesada.
Acredito no futuro. A coisa já foi muito pior.
Fiquei triste, até furioso com o António Barreto e com uma expressão que, de forma inocente, mostra como os instalados na capital olham para o resto do país.
Acho mesmo que foi um deslize. Imperdoável.
Digo deslize porque entendo que António Barreto não pensa isso...
Não quero acreditar.
No meio da conversa Barreto tinha de opinar sobre uma matéria que para o caso não interessa.
Disse que não sabia muito bem, não se tinha informado e...veio a bomba.
Tinha estado a semana toda na PROVÍNCIA e por isso não sabia.
E o que é a Província? Eu sei que esteve no Douro... (espero que a fazer mais um daqueles brilhantes documentários para a televisão).
O que é que a província tem a ver com isso?
Não há jornais? Há.
Não há televisão? Há. Até há televisão por cabo.
Não há internet? Há.
Os telemóveis não têm rede? Têm.
Então o que é que faltou ao António Barreto para estar informado?
Nada! Ou talvez tudo e essencialmente tempo.
E a província com isso? Nada!
Ficava-lhe bem ter dito. Imagino eu...
-Estive muito ocupado. Não tive tempo.
Mas veio a desculpa da Província.
Esse local longínquo, longe da civilização, onde tudo falta e nada se sabe.
Et voilá! As artes e a cultura predominam nesta quarta e penúltima prestação da minha declaração de amor em 100 pontos ao Porto, que é imortalizada com um título na língua de Voltaire, Descartes e Laetitia Casta, com o subido objectivo de conferir à lista um suplemento de elevação e «panache».
Para além da arte pública, da arte privada e dos museus, é a hora para falar da clorofila e das vistas. Os cafés, casas de chá, restaurantes e restantes pernículos serão abordados no último acto deste inventário que já vai longo.
ARTE PÚBLICA
61 Anémona
Instalada no espaço aéreo da praça Conde S. Salvador, a porta de entrada em Matosinhos pela beira mar é talvez a mais vistosa obra de arte pública no Porto – e a minha preferida. A autora, a norte-americana JanetEchelman, baptizou-a «She Moves» mas o pessoal rebaptizou-a «anémona» - e fez bem. A enorme rede, de um vermelho acobreado, simboliza a rede de pesca e é, portanto, uma homenagem aos pescadores . As três torres em que a rede assenta evocam as chaminés das fábricas conserveiras de Matosinhos, que nos tempos áureos da indústria foram 50, das quais apenas duas (Pinhais e Ramirez) sobreviveram.
62. Menina Nua
Poucos portuenses sabem o verdadeiro nome desta estátua: «Juventude». É uma fonte decorativa em mármore e pedra lioz. A água brota de quatro bocas em forma de carrancas, uma em cada face do pedestal. Sentada neste, uma figura académica de mulher representando uma alegoria de juventude (o que explica a designação popular). O escultor é Henrique Moreira, nascido em Avintes em 1890 e falecido em 1979; este discipulo de Teixeira Lopes que aprendeu com um santeiro, cursou Belas Artes e ficou conhecido como «o escultor do Porto».
63. Treze a rir uns dos outros
Surpreendente conjunto escultórico do espanhol Juan Muñoz (foram a sua última obra pois morreu, prematuramente, logo a seguir), instalado no Jardim da Cordoaria. Compreende quatro bancadas por onde se distribuem 13 figuras de feições chinesas que compõem grupos de conversadores sorridentes, em posições inesperadas – um deles cai para trás, não se sabe se empurrado ou se desequilibrado pelo riso.
64. Colher de Jardineiro de Oldenburg
Toda a cidade que se preze tem uma escultura gigante da autoria da dupla constituída pelo sueco Claes Oldenburg e o holandês Coosje van Bruggen. Filadélfia tem a Mola de Roupa. Chicago tem a Coluna Bastão. Barcelona tem a Carteira de Fósforos. Tóquio tem a Serra. Colónia tem o Cone de Gelado Caído. Eindhoven tem os Pinos Voadores. O Porto tem a Colher de Jardineiro, uma escultura de dimensões generosas (7,3m x 1,3m x 1,4m), feita de aço inoxidável, alumínio, plástico reforçado com fibra, pintada com esmalte acrílico, que está enterrada no Jardim de Serralves e é visível a quem passa pela avenida Marechal Gomes da Costa.
65. Painel Ribeira Negra
Na base da encosta de Guindais, junto ao início do tabuleiro inferior da ponte D. Luiz, o mestre Júlio Resende desenhou uma intensa dramatização da vida na zona da Ribeira. Produzido em 1985 o painel (40 metros de comprimento por 4,8 m de altura) evoca a densa atmosfera do local.
66. Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular
A primeira pedra deste monumento - instalado no meio do jardim central daRotunda da Boavista - foi lançada pelo rei D. Manuel II, em 1909. A sua construção não foi rápida. Apenas foi concluído e inaugurado 42 anos depois (em 1951), pelo Presidente da Republica Craveiro Lopes. O leão (inglês) a despedaçar a águia (francesa) permite segundas leituras - futebolísticas. Em 1987, era eu chefe de Redacção de «O Comércio do Porto», usei a fotografia dessa escultura para ilustrar a peça referente aos célebres sete a um que o Sporting enfiou ao Benfica.
ARTE PRIVADA
67. Auto-retrato de Aurélia de Souza
Nunca me hei-de cansar de ver da intensidade do olhar, da perturbadora frieza das feições, do ar grave e sério com que a pintora se retrata, fazendo o seu próprio caminho e afastando-se da estética naturalista do «mainstream» da pintura portuguesa da segunda metade do século XIX, onde pontificavam Columbano, Silva Porto e Malhoa. Este auto-retrato está exposto no Museu Nacional Soares dos Reis.
68. O Desterrado
A obra maior do escultor portuense, feita na sua juventude (tinha 24 anos), tem uma história quase tão dramática quanto a do seu autor, que se suicidou com dois tiros na cabeça, aos 42 anos, na sequência de uma profunda depressão. O Desterrado começou a ser esculpido em mármore de Carrara, em Roma (onde Soares dos Reis viveu como bolseiro após ter fugido de Paris por causa da Guerra Franco-Prussiana), e acabou de ser concluída no Porto. O sucesso internacional da obra levou os invejosos a questionarem à boca pequena a sua autoria, calúnia que acabaria por ser completamente desmontada. O Desterrado e,logo a seguir,a Flor Agreste, são as minhas duas obras preferidas de Soares dos Reis. Ambas estão expostas no museu que transporta o seu nome.
69. Fons Vitae
O melhor quadro em exposição no Porto é muito provavelmente o Fons Vitae, uma pintura a óleo sobre madeira de carvalho de dimensão generosa (2m67m x 2m10), que pode ser visto na sede da Misericórdia do Porto. Pintado por volta de 1520,por um anónimo flamengo, retrata um tema raro: uma fonte coroada por um calvário e alimentada pelo sangue de Cristo - «fonte de misericórdia, fonte de vida, fonte da piedade», reza a legenda. No plano superior, Cristo crucificado é ladeado pela mãe e por S. João Evangelista. No nível inferior, terreno, dispõem-se à volta da fonte 32 figuras – no primeiro plano estão o rei D. Manuel, a rainha e os seus oito filhos. O vermelho do sangue de Cristo, impressionante no encher da fonte, prolonga-se nas vestes de S. João Evangelista, do Rei, da Rainha e dos seis infantes.
MUSEUS
70. Museu Nacional Soares dos Reis
O antigo Palácio Carrancas é desde 1940 um museu que tem em exposição permanente a sua colecção, com três núcleos particularmente ricos: escultura de Soares dos Reis, pintura portuguesa dos séculos XIX e primeira metade do século XX (com especial destaque para Henrique Pousão e Veira Portuense), e faiança proveniente das famosas fábricas do Porto e Gaia. Merece ainda referência as colecções de ourivesaria (peças religiosas e civis), de mobiliário, têxteis e vidro.
71. Museu de Arte Contemporânea (Serralves)
A mais valiosa peça da colecção deste museu está em permanente exposição. Trata-se do edifício riscado por Álvaro Siza, com as suas linhas simples e depurados («less is more») e as fabulosas janelas rasgadas. O Porto tem o mais bonito e mais admirado museu do país, que Mário Cláudio olha como «um iate colossal que demanda o Norte da sua navegação». É também o mais visitado.
72. Museu Romântico da Quinta da Macieirinha
Dê largas ao seu «voyeurismo» espreitando como viviam os ricos e poderosos do século XIX com uma visita a este museu, que usa a casa da Quinta da Macieirinha onde Carlos Alberto, rei do Piemonte e da Sardenha, viveu o exílio portuense que consumiu os últimos tempos da sua vida no exílio portuense.
PARQUES E JARDINS
73. Parque da Cidade
Nova Iorque tem o Central Park. Londres tem o Hyde Park. O Porto tem o Parque da Cidade. Nova Iorque e Londres só podem invejar-nos o facto de termos um parque com saída para o mar.O remate da frente marítima, concebido pelo arquitecto catalão Manuel Solà-Morales, foi genial. Se não era possível levar o parque até ao mar, levava-se o mar até ao parque. E assim se fez, sob o patrocínio da Porto 2001. Máquinas desaterraram e deixaram o mar ir até ao parque. Engenhoso, não foi?
74. Jardim Botânico
Ocupa a propriedade da Casa Andersen, onde cresceu Ruben A. e morou Sophia. Quando frequentei a Faculdade de Letras que ficava ali a dois passos, fui muito feliz junto ao precioso e terno laguinho dos nenúfares do Jardim Botânico. O estado de conservação do jardim não é fabuloso, mas vale um passeio.
75. Jardim da Cordoaria
Por obra da Porto 2001, cresceu, transformando-se numa imensa placa verde, reservada a peões e eléctricos, delimitada pelo antigo mercado do Anjo (actualmente ocupado pelo degradado e abandonado ClérigoShopping), Palácio da Justiça, Cadeia da Relação e Faculdade de Ciências. Mas além de crescer mudou de carácter, tornando-se mais poroso (o que não agrada a todos os portuenses) e passou a estar como que riscado por uns inovadores degraus de granito panorâmicos, com 45 cm de altura e 90 cm de profundidade. O coreto mudou de lugar, e o lago sobreviveu à mudança – a árvore da forca não..
76. Parque de Serralves
«Os sonhos de Serralves, e outras virtudes inúmeras lhe assistem, extremam-se naquele bosque de furna com uma lagoa ao fundo, no qual a todo o momento se espera assistir ao comércio do longínquo pintor Gauguin com uma caterva de floridas raparigas, febris de langor polinésio». Este pedaço de prosa de Mário Cláudio é inspirado por um bocado dos 18 hectares de jardins do parque de Serralves, que se desenvolvem em socalcos e cuja organização foi encomendada pelo conde de Vizela ao arquitecto paisagista francês Jacques Gréber. Os jardins desenvolvem-se em socalcos diversificados desde o jardim Art Deco da esplanada da modernista casa cor-de-rosa (projectada por Marques da Silva) até uma quinta onde se cultivam milho, hortaliça e alfazema, passando pelo lago romântico, habitado por patos e cisnes, belos roseirais,relva, sebes, arbustos, camélias, recantos para ler e namorar, milhares de árvores, de espécies vulgares (pinheiros) – ou nem por isso (castanheiros da Índia e cedros do Líbano).
VISTAS
77. Descida da rua de General Torres
Apesar da unanimidade nem sempre ser consensual, todos os portuense convergem num ponto: as mais deslumbrantes vistas do Porto obtêm-se a partir da margem esquerda. Tenho para mim que uma das mais deslumbrantes vistas é a que se obtém quando se desce de automóvel a rua de General Torres em direcção ao tabuleiro de baixo da ponte D. Luís. Aí chegados, andamos um pouco para a esquerda e chegamos ao cais de Gaia onde se obtém uma vista mais alargada do casario que trepa a encosta até à Sé e ao Paço Episcopal, o único edifício que rompa uma escala de presépio.
78. Esplanada do Arrábida Shopping.
Uma panorâmica única da cidade. Um sítio magnífico para passar a manhã. A esplanada do café do último piso do Arrábida Shopping é um sítio magnífico para passar a manhã e o posto de observação privilegiado para uma vista pouco comum – encosta de Massarelos (onde está a Faculdade de Arquitectura), Boavista, Jardins do Palácio. Uma panorâmica única.
79. Jardim do Morro da Serra do Pilar do Porto
É do pequeno muro do jardim do morro da Serra do Pilar que se obtém a vista do postal ilustrado por excelência: a clássica panorâmica do casario da Ribeira, a erguer-se desde o rio até à Sé, no morro da Penaventosa (onde a cidade nasceu).
80. Outras alternativas
Se fizer a marginal de Gaia caminhando no sentido da foz do rio, passando pela vila piscatória da Afurada (onde nasceu Vítor Baía) e indo até ao Cabedelo vai sendo bafejado por fascinantes panorâmicas da zona mais ocidental do Porto – vale a pena leva máquina fotográfica.. Se não tem vertigens, arrisque atravessar a pé a Ponte da Arrábida, abra bem esses olhos e deixe-se deslumbrar. Do lado do Porto experimente edifícios altos, como os últimos andares do Hotel D. Henrique e da Cooperativa dos Pedreiros (onde está o restaurante Portucale) e do parque de estacionamento do Via Catarina. E se procura um ambiente mais intimista, faça o favor de ir até ao miradouro de Santa Catarina (à direita de quem sobe as Condominhas vindo do Largo do Calém).