O mundo divide-se entre empregados e desempregados, sendo que esta última categoria está a ganhar quota de mercado de uma forma assustadora.
Apesar de tipos bem mais espertos do que eu já terem ganho o Nobel com teses e análises sobre o mercado de trabalho, a verdade é que ele continua muito longe de ser perfeito.
Todos conhecemos desempregados genuinamente empenhados em arranjar trabalho, bem como gente muito bem empregada, cujo emprego é muito mal empregue pois não gosta ou não precisa de trabalhar.
Desde que em 1979 comecei descontar para a Segurança Social como revisor no JN, já fui despedido por quatro vezes, mas consegui sempre evitar o recurso ao subsidio do desemprego – não porque seja um workaholic stakhanovista mas tão só porque precisava de ganhar caroço para pagar a renda de casa, sustentar a família (os filhos custam um dinheirão!) e ainda ficar com algum para livros, filmes, copos e discos.
Se eu pudesse não trabalhava. O problema é que preciso. Eu até gosto de escrever. Mas há uma enorme distância entre o prazer da escrita e ser obrigado a alimentar páginas em branco. Tal como há um abismo entre o prazer que profissionais e amadores retiram do sexo por profissionais e amadores.
Não quer isto dizer que me considere uma puta da escrita. Nada no mundo é a preto e branco. Há uma infinidade de tonalidades de cinzento. Que atire a primeira pedra quem nunca deu uma queca, apesar de não lhe estar a apetecer muito, só para fazer a vontade à/ao parceiro/a.
Num mundo ideal, os empregados que não gostam ou não precisam de trabalhar dariam a vaga aos desempregados que querem trabalhar. O problema é que o mundo está muito longe de ser perfeito. Num mundo perfeito o Taguspark não pagaria 350 mil euros ao Figo por quatro horas de filmagens, mais do que a maioria dos portugueses ganha ao cabo de uma vida de trabalho.
Num mundo perfeito, os donos dos cafés não pagariam uma taxa de IRC superior à da banca, nem o bastonário dos advogados viria a público acusar juízes e procuradores do Ministério Público de pré-combinarem sentenças, transformando os julgamentos em medíocres peças de teatro.
Como o mundo está muito longe de ser perfeito e o desemprego entre os licenciados duplicou na última década (de 83 mil, em 2000, para 190 mil, em 2010) não posso deixar de simpatizar com o grupo 100 000 mil na Avenida da Liberdade contra a Classe Política Corrupta, apesar de me entupirem a caixa de correio e de serem um albergue espanhol que acolhe desde gente que quer transformar num novo D. Sebastião um tipo que criava galinhas em S. Bento, até quem ache que o Michael Jackson foi assassinado pelos Illuminati, passando pelos responsabilizam a Maçonaria pelos males que afligem o mundo.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
Já se sabia que as directas do PSD não iriam aquecer nem arrefecer no que toca à mais importante das reformas de que o país precisa e que continua arrumada a um cano numa gaveta fechada à chave.
Sentindo no ar um leve cheiro a poder, Passos Coelho apressou-se a sossegar os panditas lisboetas e confessou já estar curado do desvio regionalista da sua juventude.
Ferreira Leite continua igual a si mesma. Clareou o cabelo, acrescentou ao discurso um ingrediente social (pelo que diz já mais parece mas um Guterres de saias do que o tradicional Cavaco de saias)mas no essencial continua fiel ao mais retrógado centralismo e declara-se ferozmente anti-Regionalização.
Não é inteligente esperar que os socialistas no poder em Lisboa resolvam abrir mão de poder para o transferir para as regiões.
Quando o maior partido da oposição abdica da retórica regionalista (que abandonaria logo que chegasse ao poder, como a história nos prova) a conclusão óbvia é que não vai ser possível conquistar a Regionalização a bem.
Ora se não for a bem, lá terá de ser a mal. É isso que nos exigem os 100 mil desempregados do distrito do Porto.
Não podemos tolerar que os salários praticados na segunda maior cidade do pais continuem a ser inferiores em 10% à média nacional. Temos de nos revoltar!
«O Porto?! Esqueça o Porto! O Porto não vai a lado nenhum. Quer ser igual a Lisboa. As pessoas do Porto não se entendem umas com as outras e só sabem estar sempre a lamentar-se. Esqueça o Porto!».
Esta frase reproduz aproximadamente a resposta dada por Augusto Mateus ao meu amigo Daniel Deusdado, quando ele introduziu na conversa o tema Porto.
Para os mais distraídos, informo que o Daniel é um militante da causa nortenha e o inventor daqueles que são provavelmente os mais inovadores e frescos produtos portugueses de Media que viram a luz do dia neste século– o Inimigo Público e a Liga dos Últimos.
O encontro com Augusto Mateus foi obviamente em Lisboa, local de peregrinação semanal do Daniel. A isso é obrigado por via dos negócios que mantém com as Produções Fictícias e da necessidade de arranjar trabalho e contratos para a sua produtora de televisão (Farol de Ideias).
Para os mais distraídos, informo que Augusto Mateus, ex-ministro da Economia de Guterres, é um dos mais proeminentes e influentes membros da inteligência socialista – e tem lugar garantido na lista das 500 mais capazes cabeças do nosso país.
«Esqueça o Porto!», o conselho de amigo dado por Mateus ao Daniel, já foi seguido por milhares de quadros nortenhos que ou fizeram as malas e emigraram para a capital – ou então enchem os Alfas na madrugada e manhã de 2ª feira e tardes de 6ª.
Esquecer o Porto foi o que já fez o Governo Sócrates - e não é preciso usar óculos para ver o trágico resultado deste esquecimento.
Quase metade dos 450 mil desempregados oficiais do IEFP (os números que retratam a triste realidade são bem mais cruéis) são no Norte.
Dos 150 mil desempregados sem qualquer espécie de rede social (ou seja deixaram de estar habilitados a receber qualquer tipo de subsídio) a esmagadora maioria (90 mil) são do Norte.
O Vale do Sousa é a zona do país onde se regista a mais elevada taxa de desemprego (11%).
O Norte é a segunda região quando se trata de contribuir para o PIB mas a última no momento da distribuição da riqueza (quem tiver dúvidas faça a fineza de consultar as estatísticas do INE sobre a distribuição regional do PIB).
Os números mostram outra verdade de sangue. Nada está a ser feito para inverter esta tendência. O Porto recebe apenas 1/3 das verbas transferidas do Orçamento de Estado em 2005. As verbas do Pidacc para o distrito caírem em mil milhões de euros. Um bilião a menos!
Se a crise que dilacera o coração do Norte tivesse o epicentro em Lisboa, já teria sido estabelecido o pandemónio. Ninguém conseguiria atravessar o Tejo nos cacilheiros da Transtejo. Os trabalhadores do Metro e da Carris estariam em greve por tempo indeterminado. Os funcionários públicos ficariam em casa. As bandeiras negras seriam hasteadas. E o Governo, aterrorizado, já se teria precipitado em apagar o fogo com dinheiro, comprando Auto-Europas e faraónicas obras públicas que decapitassem a crise.
Numa coisa Augusto Mateus tem razão. Uma parte da culpa por este estado de coisas é nossa. Uma equipa só joga aquilo que a outra a deixa jogar. Não podemos gastar o tempo em lamúrias, como velhas nas salas de espera de um Centro de Saúde, e esperar sentados que o Terreiro do Paço abdique voluntariamente do poder absoluto que concentrou - e se convença que o resto do país não é só paisagem.
Os vistosos sucessos do FC Porto e da Sonae provam que se soubermos ser competentes e profissionais conseguiremos triunfar, apesar de termos de ser duas vezes mais capazes e trabalhadores para superar o vento contra e as armadilhas que nos espalham no caminho.
O problema é que o individualismo inscrito no código genético nortenho é uma característica positiva quando se trata de esgravatar saídas para a crise e de furar vidas (e é o pai da rede de PME que caracteriza o tecido empresarial nortenho) mas é negativo quando se trata de unir forças.
Estamos calhados para nos desenrascarmos. Ao cada um por si. Mas o facto de não estarmos habituados a voar em formação é pernicioso para a causa do Norte.
Para triunfarmos – e isso significa regionalização e um Governo do Norte, com poder e já! – temos de falar a uma só voz. Nenhum exército ganha uma batalha se cada um dos soldados estiver indisciplinadamente entretido a lutar por si e para seu lado.
Segunda e terça feira, a Universidade do Porto promove no Palácio da Bolsa um conclave em que participarão uma centena de personalidades nortenhas, entre as quais se contam Daniel Bessa, Rui Moreira, Sobrinho Simões e Artur Santos Silva.
Seria bom que este conclave fosse o primeiro passo no sentido da criação de um movimento que combata pelo progresso da região. Não faltam generais. O que faz falta é um estado maior coeso e um exército disciplinado.
Usando a imagem do meu amigo Manuel Serrão, o Batalhão Bússola, do Exército da Salvação Nacional, está às ordens – e já abriu as hostilidades.