Entrar de fim-de-semana às 17 horas de 3ª feira
A velhinha chega à peixaria e pergunta: “Tem jaquinzinhos?”. Mal a peixeira disse “Temos sim, minha senhora”, ela fez o pedido: “Então corte-me aí duas postinhas do meio!”.
Pelo conteúdo genuinamente português, esta é minha história preferida do vasto anedotário produzido no nosso país a propósito da crise.
As anedotas que nos desaconselham de tomar café (esse dinheiro dá para comprar uma acção do BCP) ou a dar os 50 cêntimos ao arrumador (com essa moedinha compra uma acção da Sonae SGPS e ainda recebe troco) também têm graça. Mas, para mim, a melhor é mesmo a dos jaquinzinhos.
No dia a dia, somos macambúzios. Quando um espanhol encontra outro na rua e lhe pergunta “como estás?”, recebe como de volta um “de puta madre!”, ou “fenomenal”.
Quando fazemos essa pergunta a um português, arriscámo-nos a que ele nos responde que o colesterol já está controlado, mas as tensões nem por isso e o açúcar não pára de subir.
Somos uns tristes, mas a quantidade e qualidade das graçolas sobre a crise revelam que somos criativos (e a criatividade é uma competência apreciada) e dotados de uma estranha capacidade masoquista para fazer graça com a nossa desgraça.
A nossa criatividade exprime-se ainda através do desenrascanço, a enorme capacidade de improvisar, que é outra competência.
O problema é que, apesar de termos competências invejadas, a riqueza criado por hora trabalhada em Portugal é das mais baixas de toda a UE. E a tendência não é para melhorar. Entre 2001 e 2006, a nossa produtividade cresceu 0,7%, bem abaixo dos 1,3% da média europeia.
Em conversa com a directora de Recursos Humanos da Microsoft Portugal, eleita pelo quarto ano consecutivo a melhor empresa para trabalhar, Teresa Nascimento surpreendeu-me com uma frase arrebatadora:
“Temos vergonha de sermos portugueses. Isso de trabalharmos pior que os outros é tudo uma mentira e uma palermice. Não passa de lixo que nos põe na cabeça quando somos pequenos”.
Teresa documentou esta afirmação com a performance, claramente superior à média das multinacionais em que estão inseridas, de empresas como a sua e a Auto-Europa.
A produtividade dos nossos emigrantes dá-lhe razão. O Luxemburgo, onde 20% da população activa é portuguesa, é o 4º país mais produtivo do Mundo, o que levou Jorge Vasconcelos Sá a fazer umas contas curiosas.
Se os portugueses emigrados no Luxemburgo viessem cá fazer o nosso trabalho, podiam entrar de fim-de-semana às 17 horas de 3ª feira – pois já tinham produzido tanto como nós numa semana de cinco dias. Em alternativa, podiam parar de trabalhar a 15 de Maio.
Se temos competências elogiadas e somos capazes de altos níveis de produtividade, sou forçado a concluir que o defeito está nos chefes, não nos índios. Se calhar, os dinheiros da formação deveriam ser aplicados a ensinar os empresários a liderar.
E se contratamos treinadores de futebol e maestros estrangeiros, por que não importamos políticos e empresários que saibam tirar partido das nossas capacidades para fazer o país andar para a frente?
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias