Os espanhóis têm uma data de coisas adoráveis como o manchego, as plazas mayores, o pulpo à galega, a alegria de viver, Penélope Cruz, Manuel Vasquez Montalban, o Jerez fino, Lluis Llac, Santiago de Compostela, Goya, Almodóvar e o Barcelona - para citar só uma dúzia de exemplos tirados ao acaso de uma lista que seguramente não caberia neste espaço.
Os espanhóis têm coisas que eu adoro, mas outras que nem tanto, como a horrível mania de dobrar os filmes (ninguém no seu perfeito juízo pode ostar de ouvir o De Niro a falar em Castelhano), chamar pantalones vaqueros aos jeans e tratar o Pepe pelo brasileiro Pepe - quando querem elogiar as suas exibições - e por o português Pepe - quando se trata de criticar a sua excessiva dureza.
Os espanhóis são diferentes dos portugueses, pois preferem as coisas deles às dos outros, ao contrário de nós, que achamos sempre a galinha da vizinha mais bonita que a nossa.
A bem dizer, os espanhóis - ou, se quisermos ser mais rigorosos, galegos, castelhanos, bascos, catalães, andaluzes, estremenhos e por aí adiante - também são muito diferentes uns dos outros, e apesar dos quatro séculos em que estivemos de costas voltadas e com as fronteiras fechadas, um andaluz é mais parecido com um algarvio do que com um basco, e um minhoto é mais parecido com um galego do que com um alentejano.
O provérbio "de Espanha nem bom vento nem bom casamento" foi cunhado no tempo em que estivemos de costas voltadas e já deixou de ser verdadeiro, como ficou demonstrado por Saramago, que foi muito feliz com Pilar e ficou em parte a dever o Nobel ao facto de ter sido adotado pelos nossos vizinhos do lado. E são os ventos de Espanha que curam os deliciosos presuntos de pata negra de Barrancos.
A abertura das fronteiras, o Erasmus e a natural osmose das duas economias eliminaram as desconfianças, filhas do desconhecimento, entre os povos ibéricos, agora circunscritas a pequenos grupos que se entretêm a tentar manter vivas causas quixotescas, como a questão de Olivença ou a manutenção do feriado nacional antiespanhol.
Quando precisa de ir a Bruxelas, o presidente da Junta da Extremadura vai a Lisboa apanhar o avião, porque Lisboa (280 km) fica mais perto de Mérida do que de Madrid (320 km). E quando querem viajar para Londres ou Paris, os galegos voam a partir do Porto na Ryanair.
Portugal e Espanha são os dois vizinhos que habitam a Península Ibérica e por isso condenados a entender-se. Hoje, na Alfândega do Porto, há uma reunião de condomínio entre Lisboa e Madrid. É um encontro importante. Mas mais importante que a cimeira é o reforço dos laços estabelecidos entre a Galiza e o Norte, a Extremadura e o Centro.
Temos de construir uma Ibéria multipolar, porque, na UE, os ventos da História sopram no sentido de um regime federalista, em que os poderes concentrados nas capitais vão ser progressivamente distribuídos por Bruxelas e as regiões.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Algures em meados dos anos 50, um congresso médico internacional decretou o fim da degola das amígdalas dos meninos que iam com as mães ao médico queixosos de dores na garganta. Na sequência desta decisão, os portugueses dividem-se entre empregados e desempregados, benfiquistas e anti-benfiquistas, os que preservam as amígdalas e os que foram desprovidos delas.
Esta última divisão coincide com um corte geracional. A esmagadora maioria dos portugueses com mais de meio século de existência não tem amígdalas e cresceu exposta à retórica anti-espanhola que era parte integrante da cultura do Estado Novo.
Na vã tentativa de todos cerrarmos fileiras em torno do chefe (“Portugueses quem manda? Salazar, Salazar, Salazar!”) contra o inimigo externo mais à mão (o mar não se adequava ao efeito) os propagandistas do regime ditatorial agitavam o fantasma da Espanha enquanto enalteciam a padeira de Aljubarrota, alimentavam o folclore de Olivença e dramatizavam numa espécie de nova batalha de S. Mamede cada jogo de hóquei em patins entre as selecções dos dois países ibéricos.
Vítimas deste carpet bombing ideológico, muitos dos portugueses desprovidos de amígdalas estão sinceramente convencidos da bondade do provérbio “De Espanha nem bom vento nem bom casamento” (o que não é verdade porque o excelente pata negra de Barrancos faz a sua cura exposto ao vento quente que sopra do outro lado da raia) - e estou em crer que evitam fazer compras no El Corte Ingles. Esta rançosa desconfiança não é partilhada pelo pessoal mais novo, que tem amígdalas e escolhe Espanha como destino preferido de Erasmus.
Eu não tenho amígdalas mas admiro as gentes que habitam no resto da Península, sejam eles galegos, catalães, andaluzes ou etc. Acho detestável aquela mania de chamarem pantalones vaqueros aos jeans e de dobrarem os filmes (o Marlon Brando a falar espanhol no Padrinho é de um tipo se rebolar no chão a rir), mas invejo-lhes o manchego, Barcelona, Almodovar, a alegria de viver, o Reina Sofia, a Plaza Mayor de Salamanca, o pulpo à feira, o casco velho de Santiago de Compostela, Penelope Cruz, o Guggenheim de Bilbau, os pimentos de Padrón, Lluis Llach e mais uma data de coisas que não cabem aqui.
Para mim, que não tenho amígdalas, o problema na Península Ibérica não se chama Espanha, mas sim Lisboa (e Madrid). E para os que não estão convencidos disso, recomendo a consulta de Economia Mundial: uma perspectiva milenar, de Angus Maddison, onde se prova que, em toda a nossa História, foi durante a União Ibérica que estivemos mais próximos da riqueza média europeia – 85% em 1600, contra 79% em 1500, 34% em 1913, 41% em 1950 e 69% em 1998.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
A Espanha está a cair aos bocados mas por cá nós não damos por nada.
Do outro lado da fronteira, a semana entre o Natal e Ano Novo foi fértil em acontecimentos desportivos, mas o radar dos nossos oito diários generalistas (quatro pagos e quatro gratuitos), três diários económicos, três diários desportivos, quatro canais televisivos generalistas e dois de notícias não detectou a movimentação.
De 27 a 29 de Dezembro, os governos autónomos desafiaram Madrid ao promover jogos de futebol com as suas selecções nacionais.
A 27, foi o Andaluzia- Zâmbia e o Galiza-Camarões. No dia seguinte, jogaram-se os Canárias-Angola e Extremadura-Guiné Equatorial. A cereja em cima do bolo foi em San Mamés, o mítico estádio do Athletic de Bilbao, que serviu de cenário ao Euzkadi-Catalunya.
Nada disto foi inocente. Representantes dos governo da Galiza, País Basco e Catalunha aproveitaram a ocasião para assinarem a declaração de San Mamés em que reclamam o reconhecimento internacional das suas «selecções nacionais».
Não façam confusão. O futebol é apenas um pretexto. Estamos na presença de manobras de alta política.
O desporto é um terreno magnífico para exacerbar sentimentos nacionalistas e a Catalunha já tinha feito um belo balão de ensaio quando inscreveu uma selecção que conquistou o Mundial B de hóquei em patins, embaraçando a federação internacional da modalidade, já que se qualificou para disputar com a Espanha o Mundial de primeira categoria.
A Espanha está a desintegrar-se mas nós não damos muito por isso porque os nossos Media têm os olhos virados para outro lado.
Lendo os nossos jornais e vendo as nossas televisões, ficamos muito bem informados sobre o ambiente explosivo que se vive em Pristina (a seguir ao Kosovo declarar a sua independência), completamente documentados sobre a dramática situação no Chade (que obrigouIbriss Deby a declarar o Estado de emergência e a remodelar o ministro da Defesa), e aptos a debater as nuances da política interna paquistanesa, lamentando que os partidos islamistas tenham sido encurralados pelas formações seculares e pelos talibans.
Sabemos todas essas inutilidades. Só não sabemos o que se passa aqui ao lado, na casa do nosso principal parceiro económico, que recebe1/3 das exportações portuguesas, está a desintegrar-se politicamente e a entrar no túnel de um crise muito escura – em Janeiro, 4300 novos desempregados engrossaram diariamente o contingente de 2,3 milhões de pessoas sem trabalho, um valor recorde desde o advento da democracia..
Eu tenho conta no Santander, faço compras no El Corte Inglès, estive quase a comprar um andar construído pela San José, vivo num país em que a TVI (grupo Prisa) é líder nas audiências, mas sei mais do que se passa em Bagdad do que em Madrid. Não tenho a certeza absoluta, mas acho que é a isto que se chama autismo. Já agora e a propósito; a campanha eleitoral em Espanha, em que Zapatero (o tal que Sócrates elegeu como seu melhor amigo) se recandidata, começa 6ª feira..