Eu vou morrer
Vou morrer. Só não sei quando, nem como, sabe-se lá se de uma maneira tão prosaica e inopinada como a falecida colega Marie Colvin, a repórter de guerra do "Sunday Times" que usava uma pala à Moshe Dayan sobre o olho esquerdo e foi desta para melhor a tentar recuperar os sapatos durante um bombardeamento das forças do regime sírio ao centro de Imprensa de Homs.
O Grande Criador, na sua infinita bondade e sabedoria, achou por bem organizar a nossa vida como um thriller, ou seja cheia de suspense e de imprevisto relativamente ao momento do passamento.
Nós, tal como as empresas, nascemos, crescemos, amadurecemos e morremos, sendo que a duração do ciclo da vida se prende não apenas com fatores subjetivos, que podemos gerir, mas também com fatores objetivos, que nos escapam ao controlo - e nos podem levar a perecermos subitamente, vítimas de doença mortal, como um cancro letal, para o ser humano, ou da invenção do computador pessoal, para o fabricante de máquinas de escrever.
Pessoas e empresas podem viver cada dia como se fosse o último, como se não houvesse amanhã, sacrificando a longevidade no altar do prazer e lucro imediatos. Ou podem poupar-se, optando por uma gestão prudente de corpo, alma e recursos, reinvestindo em vez de estar sempre a distribuir pingues dividendos.
Podemos ter uma vida mais longa ou mais breve, mas ninguém, pessoas ou empresa, logrará escapar à Grande Ceifeira. É à luz desta inevitabilidade que temos de pensar a evolução das falências.
Apesar de estar em curso um violento ajustamento das nossas vidas e costumes, a subida das falências acusada pelas estatísticas é relativamente modesta, situando-se em cerca de 2% do universo total de empresas, enquanto que a média nos países desenvolvidos ronda os 8% por ano.
Esta discrepância significa que as 4731 falências registadas em 2011, apesar de serem mais 14% que em 2010, não são necessariamente um motivo de preocupação. O que é dramático é que a lentidão da justiça esteja a retardar o processo natural de regeneração do tecido económico e a atrapalhar o normal funcionamento do mercado, prejudicando concorrentes, fornecedores, credores e trabalhadores (os da Nórdica das Caxinas demoraram mais de 12 anos a receber as indemnizações a que tinham direito).
Aproveito esta reflexão sobre falências para chamar a atenção para as oportunidades de negócio na indústria da morte, um setor onde a
procura é superior à oferta (a escassez de crematórios tem obrigado à deslocação até à Figueira da Foz de cadáveres nortenhos para serem incinerados) e o risco é quase nulo.
Só na ficção de Saramago (o magistral "Intermitências da morte") é que as pessoas deixam de morrer. Na vida real, com o envelhecimento da população, estão a cair como tordos.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias