Vamos arriscar ser felizes?
“Hey Jude" está muito longe de ser uma das minhas canções favoritas dos Beatles. As minhas preferências neste domínio têm variado, com a idade e os humores do momento. Agora estou numa fase em que me apetece ouvir as canções de George Harrison, como "While my guitar gently weeps" (White Album) ou "Here comes the sun" e "Something" (ambas do Abbey Road).
Claro que estou sempre com disposição para ouvir todas as músicas do Sgt Peppers. Mas se me perguntarem neste preciso momento qual é, para mim, a melhor canção dos Beatles, o mais certo era eu responder a "Eleonor Rigby", uma balada curta (2m03s), triste e enigmática, que antes de constar do álbum Revolver (que o Miguel Esteves Cardoso considera o melhor de todos) foi o lado B do single Yelow Submarine, uma canção divertida mas simplória, como sempre foi o seu autor, Ringo Starr, incontestadamente o menos dotado dos Beatles.
Amar "Eleonor Rigby" (atenção que não sou o único, Bill Clinton também a elegeu como a melhor dos Beatles) não me tolda o espírito ao ponto de achar que Paul McCartney devia ter escolhido essa canção estupenda para o encerramento da abertura dos Jogos. Um hino à solidão não seria a música adequada para ser o fecho da abóbada de uma cerimónia épica, de grande arrebatamento e muito fervor patriótico.
No Outono de 1968, "Hey Jude" esteve nove semanas no top britânico. Single mais vendido dos Beatles, foi eleito pela Rolling Stone a oitava melhor canção de todos os tempos. Mas apesar destas credenciais, depois de ter visto na televisão a cerimónia inaugural de Londres 2012 adormeci intrigado a pensar nas razões que levaram McCartney a escolher esta canção para a sua última marcante exibição em público.
Acordei convencido que ele escolheu bem. Hey Jude é uma música inspiradora, fácil de trautear (parece que não, mas o "na na na na na na Hey Jude", ajuda muito) e tem uma letra otimista, que nos convida agirmos para conseguir o que queremos ("you were made to get out and get her", ou seja, deixa-te de merdas e arrisca ser feliz) e a não baixarmos os braços face à adversidade - "take a sad song and make it better", um convite explícito a nunca desistirmos de sermos e fazermos melhor.
Mas acima de tudo, os 7 minutos e 11 segundos de duração de "Hey Jude", um single lançado numa altura em que as rádios se recusavam a passar canções que durassem mais que os canónicos três minutos, são uma enorme lição. Ensinam-nos que há momentos na vida das pessoas e das sociedades em que é preciso ousar romper com as regras estabelecidas, ter a atitude aberta de responder "E por que não?" em vez de "Não" quando nos apresentam sugestões heterodoxas - e nunca temer experimentar soluções novas e diferentes. Como nos avisou o sábio Leonardo da Vinci, não se descobrem terras novas com mapas velhos.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias