Dantes, sempre que não conseguia escapar a um casamento ou funeral, ficava enrascado na hora de apresentar cumprimentos. Desejar felicidades ou entregar condolências sempre me pareceu um estereotipo frio – e eu sentia que tinha que dar mais. Se estava metido naquela encrenca era porque laços afectivos me ligavam aos noivos, morto, ou seus familiares.
Cheguei a ensaiar, sem sucesso, fórmulas prefabricadas para pronunciar nesse momento, que só deixou de ser, para mim, um doloroso transe quando fiz a sensacional descoberta de que afinal não é preciso dizer nada. A táctica consiste em deixar-nos ficar para o fim da fila e, chegada a nossa vez, actuar de uma das maneiras que passo a pormenorizar.
No casório, há que afivelar o ar mais feliz do Mundo, olhar, olhos nos olhos, a noiva e o noivo, e abraçá-los enquanto lhes murmuramos aos ouvidos uma frase estúpida, do estilo “Vais ver que o Ramires não vale a ponta de um corno” - dita de forma ininteligível.
No velório, há que compor um ar sombrio, baixar o olhar e aplicar um abraço, breve mas apertado, enquanto se murmura ao ouvido dos familiares do falecido uma frase a despropósito, do estilo “O barco para o Seixal apanha-se no Cais do Sodré” - pronunciada de forma arrastada.
O método está testado e é 100%eficaz. Naquela situação, as pessoas ouvem o que querem ouvir e traduzirão as frases despropositadas por outras, adequadas à circunstância.
Pode ficar tranquilo. Não passará pela cabeça de ninguém que está a aproveitar aquele momento solene para expressar a sua opinião sobre o mais caro reforço do Benfica ou prestar informações sobre os transportes fluviais no Tejo.
Ora o que é válido para casamentos e funerais também se aplica aos programas eleitorais dos partidos. Sem tirar, nem pôr.
Manuela Ferreira Leite tem toda a razão quando diz que os programas são uma inutilidade, porque quase ninguém os lê (diz ela) – e ninguém no seu perfeito juízo acredita no que lá vem escrito (digo eu). O pessoal dana-se é por saber as maroteiras que ela faz na confecção das listas.
Eu até estou disposto a acreditar que os políticos estão a ser sinceros quando fazem as promessas. Que Durão não mentiu de propósito quando jurou não aumentar os impostos . Que Sócrates acreditava que ia mesmo lançar a Ota e o TGV.
O problema não é o que eles dizem, mas sim o que os eleitores querem ouvir – e isso depende mais da credibilidade de quem diz do que das palavras que lhe saem da boca.
O problema é que vai haver drama se os políticos não escutarem o que um eleitor exigente escreveu num muro do Campo Alegre (Porto). “Queremos mentiras novas!”. E boas, já agora – acrescento eu.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
Eu não dava para médico. Não gosto de ver sangue. Fico muito incomodado com a presença da doença e o cheiro da morte. Evito visitar doentes. Fujo de hospitais e enterros. O ideal era que a minha presença só fosse requerida em mais um funeral: o meu, porque a minha falta de comparência inviabilizaria a cerimónia.
Compreendem, por isso, quanto me está a custar passar estes dias antes da passagem do ano. Toda a gente em que tropeço, no mail, shopping ou telemóvel, remata com o desejo de um Bom Ano Novo (nunca sei se cínico, sentido ou apenas maquinal) a mais negra das previsões sobre os tempos que se avizinham.
Sinto-me no meio dos preparativos para um gigantesco funeral. Ligo o televisor e vejo, arrepiado, que os financeiros já se começaram a suicidar. Sintonizo o rádio e estremeço ao ouvir o ministro das Finanças a classificar a “crise” como a mais preocupante desde que vivemos em democracia. Abro o jornal e leio, apavorado, a previsão de que 2009 “vai ser um ano trágico, histórico e com consequências terríveis”, feita pelo presidente da CIP.
Sou um veterano de três recessões (84, 93 e 03). E não sou pessimista ao ponto de olhar para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único. Mas fui contagiado pelo ambiente de funeral e já me passou pela cabeça formular apenas um desejo na 4ª feira à meia noite: que me seja permitido hibernar, como os ursos, durante o longo Inverno da crise, e despertar apenas quando já fosse Primavera e tudo de mau estivesse passado.
Depois pensei melhor, e reparei que o desejo de hibernar, como os ursos, é uma versão descafeinada da condenável atitude das avestruzes. Não vou enterrar a cabeça na areia.
O Voltaire aconselhou-nos a não insultar o futuro tentando prevê-lo. Mas todos os economistas e políticos, analistas e polítólogos são unânimes em considerar que 2009 vai ser tenebroso. Se calhar, usaram todos a mesma bola de cristal.
Para me animar, repito o meu novo mantra – “o futuro já não é o que era” -e recordo que, apesar da sua imensa sabedoria e visão estratégica, nenhum destes gurus conseguiu descortinar a chegada desta crise que nos está a consumir. Também me iniciei nas artes da adivinhação e tentandoler o futuro nas folhas do chá Montagne de Jade, da Mariage Fréres, que me deram no Natal.
Li na folhas deste estupendo chá verde que Sócrates vai tentar empurrar com a barriga (que já se começa a notar desde que deixou de fumar) as consequências gravosas da crise, pelo menos até Outubro.
E apesar de saber que puxar é melhor do que empurrar, fiquei um pouco mais aliviado, pois as costas folgam enquanto o pau vai e vêm.
Mas o que me reconfortou mesmo, foi recordar a minha frase preferida sobre previsões, cunhada por José Ferreira Machado, um economista da Nova de Lisboa: “Fazer previsões é como conduzir um carro com os olhos vendados e a seguir as instruções de quem está a olhar para a estrada pelo vidro de trás”.
Como a unanimidade nem sempre é consensual, desejo a todos um 2009 fabuloso!