Eu sou do tempo em que o futebol era um divertimento barato. Jogava-se aos domingos à tarde, o único dia da semana livre de trabalho. Os sócios não pagavam para ir aos jogos. Os campos, tal como os comboios, dividiam-se em três classes - o peão (a pé), as superiores (a segunda classe, atrás das balizas) e as bancadas - todas com lugares expostos ao sol, ao vento e à chuva.
O futebol cresceu como uma espécie de novo ópio do povo e era o desporto favorito dos operários até que a televisão se meteu no assunto e lhe mudou a alma.
A televisão começou por aproveitar a bela campanha dos Magriços no Mundial 66 para se massificar. Milhares de famílias portuguesas aproveitaram a ocasião para comprarem o seu primeiro televisor.
Mais tarde, a explosão, um pouco por toda a Europa, de canais privados de televisão, que na sua voracidade por audiências e novas estrelas se apoderaram deste desporto, fez-se sentir em Portugal quando, em 1991, a SIC usou o futebol na campanha para que os portugueses sintonizassem o terceiro canal nos seus televisores, ao comprar os direitos para a transmissão de jogos entre F.C. Porto, Benfica e Sporting.
O futebol deixou de ser o jogo de domingo à tarde. Uma jornada em que todos os desafios se jogam ao mesmo tempo é um enorme desperdício. Por causa da televisão, passou a haver futebol à sexta à noite, ao sábado à tarde, ao sábado à noite, ao domingo ao fim da tarde, ao domingo à noite e à segunda à noite.
Ao inundarem-no de dinheiro, transformaram o futebol num negócio. O futebol ao vivo deixou de ser um espetáculo barato. Os antigos utentes do peão e da superior foram atirados para o sofá de sua casa ou a mesa de um café com Sport TV.
Agora, o futebol joga-se em estádios modernos, com lugares marcados e protegidos dos rigores dos elementos, onde as empresas alugam camarotes, ao preço de T3 com vistas para o mar, onde os convidados beberricam um copo de vinho branco enquanto apreciam a partida.
A caixa que mudou o Mundo foi a gasolina que alimentou a inflação louca que se apoderou do futebol.
Em 1980, Laurie Cunningham, a vedeta número 1 do Real Madrid, ganhava 55 salários mínimos. Hoje, Ronaldo recebe mensalmente o equivalente a 168 salários mínimos.
O futebol viciou-se nas receitas extraordinárias, em particular nas provenientes da venda dos direitos televisivos. É isso que explica a teimosa irracionalidade do Benfica em pedir 40 milhões de euros pela transmissão de 14 jogos.
O problema é que o dinheiro passou a ser um fator escasso, a publicidade está a mirrar, os patrocinadores a falir ou a apertar o cinto, os canais de televisão estão com os bolsos vazios e os Al Mansour e Abramovich já não chegam para disfarçar a crise, que inevitavelmente acabaria por chegar ao futebol. A bolha começou a rebentar. A maré começou a descer - e é só quando a maré desce que se vê quem anda a nadar nu.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Até simpatizo com o Sporting, provavelmente por causa do equipamento, que fica lindamente em relvados bem tratados (não é o caso do de Alvalade…), em particular nos jogos nocturnos. No género vintage, também acho graça à camisola Stromp, mas esgotam-se aqui os factores de atractividade de um clube que teima em mimetizar o que Portugal tem de pior.
Há coisa de cinco anos, quando conheci José Eduardo Bettencourt, num curso no INSEAD, fiquei com a ideia de que era um óptimo comercial, opinião favorável reforçada quando Horta Osório, o Mourinho da banca, o promoveu a administrador do Santander Totta.
Pena que tenha arruinado a reputação em ano e meio com presidente do Sporting. Perdeu quota de mercado (medida em sócios pagantes e média de assistências em Alvalade) e apesar de, em 18 meses, ter investido 27 milhões de euros em 18 jogadores, não conseguiu um único titulo e aprofundou a estratégia suicida de contratar ex-craques caros e vender, ao desbarato e antes do tempo, as jovens promessas formadas na Academia.
Os cinco directores desportivos (Pedro Barbosa, Sá Pinto, Salema Garção, Costinha e Couceiro) e quatro treinadores (Paulo Bento, Carvalhal, Paulo Sérgio e Couceiro) que desfilaram no seu curto consulado são a prova dos nove de uma gestão errante, cuja incoerência ficou demonstrada no episódio da transformação de João Moutinho de “maçã podre” (Julho) em “profissional fantástico” (Novembro).
Bettencourt é bom nos soundbytes mas carregará para sempre a cruz de ter conferido à eternidade a dimensão do efémero (meio ano depois do “Paulo Bento forever”, o treinador foi despedido) e de sair de cena sem revelar quem é o Herri Batasuna do Sporting.
Neste Outono da dinastia Roquette (inaugurada há 16 anos por Santana Lopes), também não ficam bem na fotografia os sócios e os cinco estarolas que se candidataram a gerir o clube dos cinco violinos.
Seis meses após ter sido eleito com 90% dos votos, Bettencourt já estava a ser fisicamente ameaçado por adeptos, que nitidamente subavaliou ao classificá-los como “uma minoria de cretinos”.
Abrantes Mendes pode pecar por excesso quando afirma que o Sporting é “um clube de totós”, mas arrepia ouvir o provável futuro presidente do clube (etiquetado de “Vale Azevedo de 3ª” por Godinho Lopes) dizer que ex-Pides chegaram a ministros após o 25 de Abril.
Convinha ao país olhar-se ao espelho do Sporting e ver que há três meses, quando da convocação das eleições antecipadas, o clube lutava pela Taça da Liga e Liga Europa, e tinha 28 pontos. No entretanto, ficou fora de todas as competições, só somou mais dez pontos - e está a 30 do meu clube. Vale a pena pensar nisto.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
Jardim Gonçalves, que também fez na vida muitas coisas de aplaudir, costumava dizer que não se devem tratar os filhos todos da mesma maneira, pois são diferentes uns dos outros. Usava esta imagem para explicar porque estruturou a oferta do banco em diversas redes, uma estratégia de segmentação reconhecida como uma das razões do rápido sucesso do BCP, o primeiro banco a perceber que Américo Amorim, o seu motorista e o director financeiro da Corticeira Amorim não podiam ser todos tratados da mesma maneira, pois tinham patrimónios e necessidades diferentes.
Quando contou num livro algumas das histórias da sua passagem dourada pelo FC Porto, José Mourinho declinou de uma forma ainda mais rica a regra de que é errado tratar os filhos todos da mesma maneira.
Conta Mourinho, que chamou Sicrano para uma conversa a dois, antes de o lançar pela primeira vez na equipa, e lhe explicou que não tinha de estar nervoso com a estreia. Mesmo que o jogo lhe corresse mal, era garantido que seria titular no fim-de-semana seguinte.
Já quando se tratou de anunciar a titularidade a Beltrano, o treinador avisou-o de que a estreia era uma oportunidade única. Se ele a desperdiçasse, bem podia pensar em ir tratar de vida , porque no Porto não teria futuro.
Mourinho é bem sucedido porque percebe como funciona a cabeça das pessoas que lidera e é capaz de adaptar a mensagem ao destinatário. Sabia que Sicrano reagia mal à pressão, por isso pô-lo à vontade. Sabia que Beltrano só conseguia elevadas performances sob pressão, por isso tratou de o pôr em tensão.
Os aspectos mais importantes e dramáticos da vida estão condensados num jogo de futebol, que é um compêndio onde se pode aprender a desembrulhar-nos neste mundo em acelerado mudança, em que as dez profissões mais procuradas em 2010 não existiam há seis anos. Pode aprender-se mais com um jogo de futebol do que numa aula de MBA.
Ao longo dos 90 minutos, um avançado raramente tem a bola mais de três minutos, durante os quais tem de decidir num segundo qual a melhor opção -driblar, passar ou rematar.
A rapidez na decisão é fundamental para sobreviver e prosperar num mundo em que se prevê que os actuais estudantes terão dez a 14 empregos diferentes antes de fazerem 38 anos.
Um bom médio não é o que falha menos passes (porque mal recebe a bola faz logo um passe curto, de pouco risco) mas aquele que cria situações de golo ao arriscar passes de ruptura.
Com o céu carregado de nuvens, a única coisa de que devemos temer é de ter medo de decidir, de falhar, e de arriscar. Não é a jogar para o lado que se ganham jogos. Só marca quem chuta à baliza – e não tem medo que o remate saia torto. O mundo não está para cobardes.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
A Espanha está a cair aos bocados mas por cá nós não damos por nada.
Do outro lado da fronteira, a semana entre o Natal e Ano Novo foi fértil em acontecimentos desportivos, mas o radar dos nossos oito diários generalistas (quatro pagos e quatro gratuitos), três diários económicos, três diários desportivos, quatro canais televisivos generalistas e dois de notícias não detectou a movimentação.
De 27 a 29 de Dezembro, os governos autónomos desafiaram Madrid ao promover jogos de futebol com as suas selecções nacionais.
A 27, foi o Andaluzia- Zâmbia e o Galiza-Camarões. No dia seguinte, jogaram-se os Canárias-Angola e Extremadura-Guiné Equatorial. A cereja em cima do bolo foi em San Mamés, o mítico estádio do Athletic de Bilbao, que serviu de cenário ao Euzkadi-Catalunya.
Nada disto foi inocente. Representantes dos governo da Galiza, País Basco e Catalunha aproveitaram a ocasião para assinarem a declaração de San Mamés em que reclamam o reconhecimento internacional das suas «selecções nacionais».
Não façam confusão. O futebol é apenas um pretexto. Estamos na presença de manobras de alta política.
O desporto é um terreno magnífico para exacerbar sentimentos nacionalistas e a Catalunha já tinha feito um belo balão de ensaio quando inscreveu uma selecção que conquistou o Mundial B de hóquei em patins, embaraçando a federação internacional da modalidade, já que se qualificou para disputar com a Espanha o Mundial de primeira categoria.
A Espanha está a desintegrar-se mas nós não damos muito por isso porque os nossos Media têm os olhos virados para outro lado.
Lendo os nossos jornais e vendo as nossas televisões, ficamos muito bem informados sobre o ambiente explosivo que se vive em Pristina (a seguir ao Kosovo declarar a sua independência), completamente documentados sobre a dramática situação no Chade (que obrigouIbriss Deby a declarar o Estado de emergência e a remodelar o ministro da Defesa), e aptos a debater as nuances da política interna paquistanesa, lamentando que os partidos islamistas tenham sido encurralados pelas formações seculares e pelos talibans.
Sabemos todas essas inutilidades. Só não sabemos o que se passa aqui ao lado, na casa do nosso principal parceiro económico, que recebe1/3 das exportações portuguesas, está a desintegrar-se politicamente e a entrar no túnel de um crise muito escura – em Janeiro, 4300 novos desempregados engrossaram diariamente o contingente de 2,3 milhões de pessoas sem trabalho, um valor recorde desde o advento da democracia..
Eu tenho conta no Santander, faço compras no El Corte Inglès, estive quase a comprar um andar construído pela San José, vivo num país em que a TVI (grupo Prisa) é líder nas audiências, mas sei mais do que se passa em Bagdad do que em Madrid. Não tenho a certeza absoluta, mas acho que é a isto que se chama autismo. Já agora e a propósito; a campanha eleitoral em Espanha, em que Zapatero (o tal que Sócrates elegeu como seu melhor amigo) se recandidata, começa 6ª feira..