Não gasto mais de quatro euros por garrafa de vinho para consumo doméstico, um tecto generoso já que compreende pomadas tão boas como o Evel, Esteva, Altano ou Kopke.
Quando me apetece variar, fazendo incursões noutras regiões que não o Douro, tenho um truque para reduzir o risco, que consiste em seguir fielmente as recomendações da Revista de Vinhos, dirigida pelo meu velho e bom amigo Luís Lopes, que conheci quando ele ainda navegava nas áreas da informática (era o director da revista Cérebro) e escolhia Pasmados quando queria impressionar a moça com quem estava a jantar.
Nos meus safaris pelas prateleiras das garrafeiras, sempre que tropeço num vinho com o selo da Revista de Vinhos a recomendá-lo como boa compra, não hesito, a garrafa vai direitinha para o cesto – e devo dizer-vos que não recordo nenhuma desilusão.
O Jorge Leitão Ramos é a minha Revista de Vinhos para o cinema. Ainda eu nem sequer sonhava em ser jornalista do Expresso (onde tive o privilégio de o conhecer e trabalhar com ele) e já tinha descoberto que o meu gosto cinematográfico estava sintonizado com o dele. Um quarto de século volvido, nunca me arrependi de ter seguido as recomendações do Jorge.
A coisa também pode funcionar ao contrário. Quando o Francisco Ferreira (colega de Leitão Ramos no painel de críticos de cinema do Expresso) se abandona em elogios a um filme o mais certo é que eu não vá gostar dele – e juro que isso nada tem a ver com o facto dele ser um benfiquista furioso e nunca mais me ter devolvido o CD duplo Rock em Stock (com uma colectânea de músicas desse mítico programa radiofónico, escolhidas por Luís Filipe Barros, que creio ser sportinguista) que em má hora lhe emprestei.
Na música também estou apetrechado com uma equipa selecta de lideres de opinião que integra o Galopim (olá Nuno!) e o João Lisboa (a quem devo a preciosidade de me ter apresentado a Aimee Mann). E na literatura, justiça lhe seja feita, o Luís Coelho (aka Luis M. Faria) nunca me deixou ficar mal com os livros que aconselhou.
Vêm estes desabafos a propósito de quão difícil é uma pessoa desembrulhar-se nestes tempos exponenciais, em que só em 2010 foi produzida mais informação nova do que no resto da história da Humanidade.
Para evitar sermos afogados por esta overdose de informação, para não naufragarmos num mundo em que o factor escasso é a atenção humana, é crucial saber onde estão os pontos de referência para a nossa navegação, distinguir o essencial do acessório, ser implacável a sacrificar o urgente ao prioritário, e seleccionar com perícia onde se devem aplicar recursos (tempo e dinheiro) cada vez menos abundantes. A esta arte, cada vez mais difícil, chama-se governo.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
Sou uma ilha rodeada de cabos por todos os lados. Para o meu dia fluir sem solavancos, preciso de ter uma tomada eléctrica por perto e os seguintes cabos de alimentação à mão de semear:
1. o do telemóvel;
2. os do computador portátil;
3. o que carrega o iPod;
4. o da bateria da máquina fotográfica;
5. o que faz o download das fotos da máquina para o computador;
6. o que faz o download dos ficheiros do gravador para o computador.
Desprovido destes cabos e de electricidade, a minha vida pode a qualquer momento transformar-se num inferno. E o grave é que não sou o único.
Mas o pior cabo dos nossos trabalhos não é esta terrível dependência de gadgets tecnológicos (inventados para nos facilitar a vida mas que acabaram por nos escravizar), mas sim o deplorável facto de estarmos nas mãos de um Governo que não faz a mínima ideia do que anda a fazer e tem uma noção de ética tão firme como uma teia de aranha cansada.
Com os céus internacionais tão carregados de nuvens, sinto-me aterrorizado por ser governado por um conjunto de gente que até pode ser bem-intencionada (já estive mais convencido disso, mas, no entretanto, o vermezinho da duvida pôs uma enfiada de ovos e sentou- -se em cima deles), mas é aflitivamente incapaz de impedir o País de caminhar para uma catástrofe de proporções bíblicas.
O que posso eu pensar da competência de um governo que no espaço de um ano aumenta os funcionários públicos em 2,9% e depois lhes reduz os salários em pelo menos 5%?
O que posso eu pensar da seriedade de um governo que no espaço de um ano desce o IVA de 21% para 20% para agora o aumentar para 23%?
O que posso eu pensar da credibilidade de um governo que no espaço de um ano divulga sucessivamente quatro diferentes valores para o défice: 2,9%, 4%, 7,9% e 9,4%?
O que posso eu pensar da honestidade de um governo que com a casa a arder dá-se ao luxo de gastar 400 milhões de euros a comprar a paz com os professores e deixa a despesa corrente do Estado aumentar quase 5% nos primeiros oito meses do ano?
O que posso eu pensar da coerência de um Governo que ganha duas legislativas jurando que o TGV e o novo aeroporto são essenciais para relançar o País na senda da prosperidade e que, sete anos depois, deixa cair estas obras, com excepção do TGV Lisboa-Madrid?
Citando o sábio Frei Fernando Ventura (em que eu seguramente votaria se ele se candidatasse a PR), não podemos continuar a responder a desafios novos com soluções velhas - é tempo de despedirmos os profissionais da política e colocar profissionais na política.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
Tenho várias dúvidas sobre a acção do dr. Rui Rio à frente da Câmara do Porto, mas não tantas como alguns que se comprazem a dizer que tudo o que faz é ma feito.
O discurso de ontem, comemorativo dos seis anos que leva na presidência da autarquia, tee algumas mensagens importanters. Uma delas foi o sublinhar dos 13.4 milhões de euros que o Governo tinha preparados para comprar os terrenos para o futuro Hospital de Todos os Santos na capital. É a única "largesse" financeira conhecida no Ministério da Saúde nos últimos tempos e passou despercebida a todos os comentadores.
Acrescento a essa nota, outra: os 45 milhões que, segundo Rio, estão previstos no Orçamento de Estado para a reabilitação da frente ribeirinha de Lisboa. Um tema, este da zona rineirinha, que, recorde-se, deu rande polémica na campanha eleitoral da capital. Até António Costa confessou que não sabia quais eram os planos que havia.
Por mim, escrevi em tempos não suspeitos que Costa só aceitou ir para a Câmara comum envelope seguro garantido pelo amigo Sócrates. Não me enganei, embora reconheça que não era preciso ser o Sherlock Holmes para ter essa intuição.
Mesmo com todos os erros que Rui Rio cometeu, nomeadamente em relação ao FC Porto em que foi infelicíssimo, apesar de tudo acho que no país não há muitos Rui Rios. Não tem medo de dizer as coisas, nem tem medo de ir para a frente com as suas ideias. Mesmo quando elas não são boas, claro.