Zé Cariocas e Peninhas
Há de tudo nas empresas. Gente competente, que se empenha em merecer o seu salário, gosta de fazer tudo bem à primeira e está sempre disponível para ajudar o colega do lado. Mas também há gente intriguista, que deixa um rasto de discórdia por onde passa, tal como o Tullius Detritus, o personagem da Zaragata, uma das mais deliciosas aventuras do Astérix e Obélix.
Há também Zés Cariocas, que não se poupam a trabalhos para fugir do trabalho. Há ainda Peninhas, muito bem intencionados - mas que definitivamente não nasceram para trabalhar.
Uma das maiores injustiças do Mundo reside no facto de haver gente empregada que detesta ou não sabe trabalhar e pessoas de-sempregadas que gostam, sabem e precisam de trabalhar. Num mundo perfeito, os primeiros davam a vaga aos segundos e toda a gente viveria feliz.
Nas redacções, há uma espécie de criminosos, muito temida por editores e directores, vulgarmente conhecidos como assassinos de notícias, que por norma escapam impunes devido à sua habilidade e à natureza do delito. Trata-se de jornalistas a quem se entrega uma informação prometedora, bem embrulhada e acompanhada dos números de telemóvel de contactos a fazer, e cometem a proeza de liquidar a notícia a sangue-frio.
No caso concreto dos Peninhas (bem intencionados mas incapazes), o meu primo Fernando, que é gestor e percebe muito mais disto do que eu, garante que a empresa lucra mais se eles estiverem quietos do que a desenvolverem esforços patéticos para se tornarem úteis.
A partir desta teoria do Fernando dei um passo e cheguei à conclusão que uma empresa ganha quando os seus Tullius Detritus, Peninhas e Zé Cariocas fazem greve. Não só não estorvam como ainda por cima deixam de receber. Vai daí, se quiserem prejudicar mesmo o patrão, o que eles têm a fazer nos dias de greve é comparecerem como habitualmente no local de trabalho.
Vem esta reflexão a propósito das greves no sector público de transportes que - perdoem-me a franqueza - me parecem uma rematada idiotice.
Quando o pessoal da STCP, Carris, Metro de Lisboa ou Transtejo faz greve, os principais prejudicados são os trabalhadores que compram o passe e dependem em exclusivo dos transportes públicos. Quando o pessoal da CP faz greve numa sexta-feira, os principais beneficiários são a Brisa e a Galp - e quem mais perde é o país e o planeta.
A greve é um direito intocável, mas está velha e perdeu a eficácia. Até para se manifestar a indignação é preciso ser criativo. Mais tarde ou mais cedo (quanto mais cedo melhor) todos teremos de perceber que não se tira sangue das pedras - e que parar de escavar é a regra número um para quem está metido num buraco.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias