Não somos todos iguais
Somos todos diferentes e isso não se esgota nos rapazes terem pilinha e as meninas pipi. Somos diferentes porque reagimos de maneira diversa a um mesmo estímulo. No livro que publicou após ganhar a Champions no Porto, Mourinho faz a prova dos nove desta tese, ao contar como abordou a mesma situação - a estreia na equipa principal - com dois diferentes jogadores.
Pôs à vontade o que ele sabia que lidava mal com o stress ( "Mesmo que o jogo não te corra bem, és titular no próximo") e picou com uma ameaça o que só funcionava sob pressão: "Se deres barraca, nunca mais entras na equipa e no final da época estás na lista de dispensas".
Antes de Mourinho nos ter ensinado que é errado tratar todos os futebolistas da mesma maneira, já tínhamos aprendido com Jardim Gonçalves que os clientes dos bancos são todos diferentes e por isso é asneira tratá-los por igual.
Com cinco filhos, uma catrefada de netos (só Sofia, casada com João Teixeira Duarte, deu-lhe 14), e militante da Opus Dei, Jardim Gonçalves sabia do que falava quando avisou ser injusto tratarmos os filhos por igual, pois eles são diferentes e precisam de tratamento personalizado - e fez desta constatação a alavanca para o sucesso inicial do BCP, baseado na compreensão que não se pode dar o mesmo tratamento a Américo Amorim e a uma "caixa" do Pingo Doce.
Tal como futebolistas, filhos e clientes do banco, os países são todos diferentes. Com as suas 1873 lojas Biedronka de "hard discount", a Jerónimo Martins é um luminoso caso de sucesso na Polónia. Mas ia naufragando quando tentou convencer a irem ao hipermercado uns polacos que viviam em apartamentos pequenos, com uma área média de 40 m2, sem espaço para armazenar as compras do mês.
A maior das riquezas da cultura europeia é a sua diversidade, pelo que é errado tratar todos os países da mesma maneira; Moutinho estava tramado se tratasse da mesma maneira um bávaro e um andaluz.
Para acudir à crise das dívidas soberanas, os bombeiros da troika improvisaram uma receita única para combater o fogo, que aplicaram indistintamente em climas, solos e paisagens tão diversas como a grega, a irlandesa e a portuguesa.
Na sua boa fé, Passos Coelho diz que sabe para onde vamos. O problema é que há cada vez mais gente e estatísticas capazes de jurar que ele está a ir no caminho errado, enganado pelo GPS da troika.
Se calhar chegou a altura para, sem dramatismos e com a Oposição a demonstrar sentido de Estado - resistindo a gritar criancices do tipo "nós tínhamos avisado"-, nos sentarmos à mesa com a troika para produzir um trabalho de alfaiataria, ajustando o programa de ajustamento e substituindo a receita pronto a vestir por um fato feito à medida às idiossincrasias do nosso corpo. É muito diferente a temperatura do sangue que corre na veia dos gregos e do alemães. Os países são todos diferentes. É errado tratá-los todos da mesma maneira.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no JN