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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Imbecilmente sublime, disse Marx

Como é hábito na nossa terra, ao mínimo descuido recorro ao calão e tenho especial apreço pelo insulto, uma disciplina elevada à categoria de arte pelo capitão Haddock. Da fabulosa colecção de insultos do velho marinheiro, destaco aqui alguns avulso, como analfabeto diplomado, astronauta de água doce, apache, cataplasma, flibusteiro, protozoário (acho delicioso insinuar que alguém é um ser unicelular, sem funções diferenciadas) e troglodita - um insulto que o professor Marcelo adora usar.

"Sua badalhoca! Não te lavas por baixo", foi o mais espectacular insulto que ouvi, algures nos anos 80, numa briga entre mulheres na Ribeira.

A arte do insulto não é um exclusivo de personagens de banda desenhada ou mulheres arreliadas. Também é declinada por políticos ilustres.

"Vadio grotesco, desajeitadamente manhoso, velhacamente ingénuo, imbecilmente sublime, superstição premeditada, paródia patética, anacronismo inteligentemente estúpido, palhaçada histórico-mundial, hieróglifo indecifrável" foi o comentário escrito por Karl Marx a propósito da esmagadora vitória de Luís Napoleão nas presidenciais francesas de 1848.

Entre nós, o "vá para a puta que o pariu", cuspido a Francisco Sousa Tavares por Raul Rego, e registado no Diário da Assembleia da República de 19 Março 1980, soa cru e brutal, mas a altercação valeu pela resposta do marido de Sophia: "O senhor é um escarro moral".

Um insulto pode ser voluntário e Scut (ou seja, sem consequências), como foi o caso do cabo da GNR que mandou "pró caralho" o sargento que lhe recusou uma troca de turno e foi absolvido pela Relação de Lisboa, que lhe perdoou a virilidade verbal.

Um insulto pode ser involuntário e portajado (ou seja, ter consequências), como está a ser o caso do presidente da República que faltou ao respeito de 9,9 milhões de portugueses ao queixar-se que os dez mil euros que recebe por mês não lhe vão chegar para as despesas.

Cavaco arrependeu-se e ficou desorientado, como se vê pelo facto de ter tentado emendar a mão através de um circunspecto comunicado à Lusa, em vez dos habituais e modernaços posts no Facebook.

Compreende-se que ele queira controlar os danos e virar as atenções para outro lado. Mas, caramba, ele e a sua rapaziada deviam ter aprendido alguma coisa com aquela barraca das escutas a Belém inventadas no Verão de 2010 em benefício do "Público".

Pior que o insulto involuntário é tentar encobri-lo pondo "fontes da Presidência" a jorrar uma intriga de meia-tigela que no fim-de-semana fez as primeiras páginas do "Expresso" ("Cavaco contra Estado mínimo de Passos Coelho") e do "Público" ("Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia"), baseadas naquilo que Marcelo apelidou, com graça, "cavaquistas anónimos".

A um PR exige-se mais profissionalismo e competência. Em tudo. Até nas manobras de intoxicação e contra-informação.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

 

Cum carago!

“Não dá para trocar? Então pró caralho!”. Quando pronunciou estas palavras, às 15h30 de 4 de Agosto 2009, o cabo Rodrigues (nome fictício) da GNR estava longe de imaginar a tinta que iria fazer correr. Apresentara-se no gabinete do 2º sargento Bruno (nome fictício), solicitando-lhe uma troca de serviço, pretensão recusada, o que levou a deitar pela boca fora a frase fatídica.

A PJ militar conduziu o inquérito. O DIAP deduziu a acusação. Rodrigues requereu a abertura de instrução e o juiz deu-lhe razão, arquivando o processo e lamentando as dezenas de horas perdidas com o caso. O MP recorreu para a Relação de Lisboa, que, 14 meses volvidos, apesar de classificar a frase como “ética e socialmente reprovável”, pôs uma pedra em cima do assunto. O juiz relator designa a expressão como “linguagem de caserna” e sinal de “mera virilidade verbal”, concluindo não ter havido intenção de ofender mas “apenas de dar conta da irritação que a recusa lhe tinha causado”.

Provavelmente com louvável intuito de evitar que o pessoal comece a imitar o deputado José Eduardo Martins, que desagradado com um colega lhe disse “vai pró caralho”, em pleno parlamento, a Relação teve o cuidado de traçar uma linha de fronteira neste acórdão histórico: “Dizer a alguém ‘vai para o caralho’ é bem diferente de afirmar perante alguém e num quadro de contrariedade ‘ai o caralho’ ou simplesmente ‘caralho’, como parece ter sucedido na situação em apreço” – sendo que, no primeiro caso, a frase pode ser considerada ofensiva, enquanto no segundo exprime tão só espanto, indignação, impaciência ou irritação.

Posto isto, devo confessar que usei linguagem de caserna ao ler que a assessora da ministra Ana Jorge ganha mais que ela. E que me vieram à cabeça uma série de expressões ética e socialmente reprováveis quando soube que as vendas de carros de luxo sobem em flecha (70% os Porsche, 36% Jaguar, 25% BMW e 23% Mercedes) no ano da explosão da crise, num país em que mais de 40% das pessoas são pobres ou estão no limiar da pobreza.

Quando vi que o Governo teve a desfaçatez de criar uma EP para controlar as grandes obras e as parcerias público-privadas e está num ritmo recorde de 45 novas nomeações por semana, deu-me logo vontade de abusar da minha proverbial virilidade verbal e começar a mandar, a torto e a direito, gente para o carvalho (sem o v), certo de que não estou a ignorar o conselho sábio de  Agustina (“o país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo”), pois sei que, depois da Grécia se regionalizar no próximo Ano Novo, só sobramos nós na UE a teimar manter um centralismo autista, obsoleto e ineficaz - apesar de estarmos a balouçar à beira do abismo.

Jorge Fiel

Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Notícias

A Relação errou: Névoa não é burro

Admiro o capitão Haddock por ter elevado o insulto à categoria de arte. O velho marinheiro, colérico e amigo de entornar o seu copo, é autor da mais fabulosa colecção de insultos da história da humanidade, sem nunca fazer cedências à banalidade pouco imaginativa do calão corrente, tendo elaborado um dicionário onde figuram pérolas como analfabeto diplomado, flibusteiro, astronauta de água doce, cataplasma e bando de bachi-bouzouk (mercenários do exército otomano) – só para citar uma mão cheia de insultos da antologia haddockiana, onde o professor Marcelo foi beber o “troglodita” de que usa e abusa, com uma intenção bem mais ofensiva do que a original (os geógrafos antigos designavam de trogloditas um povo do sul do Egipto).

Também gosto de outra classe de insultos, mais coloridos e directos, categoria em que o mais espectacular que ouvi foi proferido numa zaragata entre duas mulheres, nas imediações da rua Escura, na zona da Sé. “Sua badalhoca, não te lavas por baixo!” foi a acusação que me impressionou ao ponto de, 20 anos depois, ainda se manter, no topo do meu top ten de insultos favoritos.

Mas sei apreciar um tipo de insulto mais fino, escrito a filigrana nas entrelinhas, que escapa escorregadio a mentes mais leves ou distraídas, como o que foi cuspido a Domingos Névoa pelos desembargadores da Relação de Lisboa, na sentença em que o inocentarem da condenação de corrupção que trazia da primeira instância.

Ao fundamentarem a absolvição no facto do vereador Sá Fernandes não ter poderes para fazer o que Névoa lhe pedia, os juízes estão a chamar, por outras palavras, burro, asno e idiota ao empresário bracarense, que se preparava pagar 200 mil euros a um tipo que tinha tanta capacidade como eu ou o leitor para desencalhar o problema que a Bragaparques tinha na  Câmara de Lisboa.

Estou convencido que os juízes estão enganados e o Névoa não é burro como eles pensaram e escreveram. Apesar de não o conhecer pessoalmente, toda a gente me jura que ele é um tipo finório, que sabe perfeitamente de que lado do pão está a manteiga. Não se faz uma fortuna na construção civil a untar as mãos às pessoas erradas.

Mas acredito sinceramente que a sentença da Relação configura um caso de insulto involuntário -  e que o empresário bracarense partilha desta minha opinião e por isso não vai processar os juízes por difamação. Assim como assim, ainda lhe pouparam os cinco mil euros de multa a que o tribunal de primeira instância o condenou para expiar a pena de corrupção de que o julgaram culpado.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias      

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