Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Daniel Sá

 

Daniel Sá, 35 anos, é o director do IPAM do Porto e de Aveiro, onde é responsável por mais de 70 professores e 1 100 estudantes. Não foi na escola que aprendeu a liderar e a ter espírito de equipa, mas sim no voleibol, onde envergou durante uma dúzia de anos a camisola do Leixões, com a braçadeira de capitão, e se sagrou por três vezes vice-campeão nacional. “Não era o homem que sou hoje se não tivesse tido esta vivência desportiva”, confessa o professor, que ocupava em campo a posição 4, na entrada da rede, um lugar que exige muita leitura de jogo, poder de ataque e uma enorme agilidade. “Era o jogador que mais bolas batia - um autêntico bombardeiro para todo o serviço”

 

Apesar de ser um jogo de juniores, o pavilhão da Luz estava quase cheio de benfiquistas que vinham de assistir no Estádio a uma vitória da equipa de futebol. Estamos em meados dos anos 90 e joga-se a meia-final do campeonato nacional de voleibol. A equipa da casa ganha por 2-0 e no terceiro set vence por 13-4. Está dois pontos da final!

Nuno Soares, o treinador do Leixões, pede um desconto de tempo. Explica aos jogadores que nada está perdido e apela ao seu orgulho. “Foi um momento vibrante. Nós estávamos firmemente convencidos que éramos melhores que o Benfica. E todos compreendemos que não fazia sentido perder com uma equipa inferior”, recorda Daniel Sá, o capitão da equipa.

Voltaram para o campo e ainda foram a tempo de inverter o resultado. O treinador tinha razão. Nas duas horas seguintes, conquistaram o acesso à final (que viriam a perder com a Académica de São Mamede) ganhando três sets e uma enorme lição de vida.

Daniel, 35 anos e 1m91, não tem dúvidas. Não foi na escola que aprendeu a superar as dificuldades que são o pão nosso de cada dia na vida empresarial. Foi na dúzia de anos em que jogou voleibol no pavilhão (com a camisola do Leixões) ou na praia.

“Não era o homem que sou se não tivesse tido esta vivência desportiva. Foi o voleibol e não a escola que me deu o espírito de equipa e de liderança e me ensinou ética”, afirma o director de duas (Porto e Aveiro) das quatro escolas do Instituto Português de Administração Marketing (IPAM), onde é responsável por mais de 1 100 alunos e 70 professores.

Curiosamente, naquele que foi o momento mais mágico da sua carreira (a reviravolta do jogo da meia final no Pavilhão da Luz) Daniel defrontava o clube do seu coração. Apesar de ter nascido e crescido em Matosinhos, ele é benfiquista, tal como o pai, que veio de Viseu para trabalhar como técnico na área de segurança da refinaria da Petrogal em Leça da Palmeira – sendo que a outra metade da família (a mãe, professora primária, e o irmão Carlos, cinco anos mais velho) torcem pelo Sporting. Os Sás não são uma família típica do Porto.

Foi quando acabou a primária, na escola nº2 de Matosinhos, que o voleibol entrou na sua vida. Ele era um miúdo alto para a idade que apesar de ser doido por desporto não o podia praticar como atleta pois o médico diagnosticara-lhe um sopro no coração. Tinha dez anos quando o sopro deixou de ser sinais de vida. Autorizado a fazer desporto, não descansou enquanto não foi com o pai bater à porta do Pavilhão Siza Vieira a perguntar o que era preciso para começar a jogar voleibol no Leixões. Estávamos em 1985, nas vésperas de Portugal entrar na CEE e da década cavaquista de prosperidade oleada pela chuva de dinheiro de Bruxelas.

Debutou nos minis, enquanto fazia o ciclo na António Nobre. Só treinava duas vezes por semana e competia muito pouco –  apenas uns torneios amigáveis por altura da Páscoa ou Carnaval..Não foi um caso de amor à primeira vista. “A princípio não gostei muito. As bolas eram duras e andava sempre com os braços e punhos doridos por causa da manchete, a posição baixa de defesa em que se usa a parte interior dos braços”, diz.

Chegado aos iniciados, começou a entusiasmar-se, o que é natural. Passou a competir regularmente – quase todos os fins de semana havia jogo. E como o Leixões tinha uma boa equipa, conseguiam, com uma perna às costas, o apuramento para as fases sinais, o que era sinónimo de grandes pândegas nas viagens para Lisboa, Funchal ou Ponta Delgada.

Jogava voleibol e estudava na ES Augusto Gomes quando, no 10º ano, chegou a hora de começar a fazer escolhas. “Tinha uma grande curiosidade pelo mundo das empresas. O meu pai levava para casa tudo quanto havia de jornais e revistas e eu gostava muito de ler na Exame os negócios e estratégias. Por isso, optei pela área de Economia”, conta.

Influenciado por um amigo, quando acabou o 12º ano ainda se inscreveu no curso de Relações Internacionais da Universidade do Minho. Mas não chegou a ir para Braga. Decidiu quedar-se por Matosinhos e estudar Marketing no IPAM.

O primeiro dinheiro ganhou-o durante o estágio curricular do curso, cumprido na Electro-Rayd, uma empresa de iluminação com duas vertentes na sua actividade (grossista de material eléctrico e retalhista de sistemas luxuosos de iluminação), onde confirmou que tinha jeito para o marketing. Achou que não fazia sentido ter a mesma marca para as duas actividades e sugeriu aos patrões que mudassem o nome da loja na baixa do Porto (rua da Trindade) para Traço de Luz.

Ia com as pernas a tremer pelo atrevimento -  por isso ficou como um sino quando viu que os patrões agarravam a sua ideia com ambas as mãos. Após o estágio, ficou lá a trabalhar durante um ano, passando a estudar à noite e a despertar e inveja dos colegas por ganhar 100 contos/mês na Electro-Rayd, que o habilitaram a comprar em segunda mão o seu primeiro carro, um Clio cinzento que ele volta e meia ainda vê a circular nas ruas de Matosinhos. “Toda a gente dizia que eu era um tipo com sorte”, conta.

A trabalhar durante o dia e a estudar à noite, começou a escassear o tempo para o voleibol de pavilhão, onde se demorou doze anos e foi três vezes vice-campeão nacional, duas como júnior e uma como juvenil, perdendo duas finais com a Académica de São Mamede e uma com o Castelo da Maia, sempre na posição 4, na entrada da rede, um lugar que exige muita leitura de jogo, poder de ataque e uma enorme agilidade  “É o jogador que mais bolas bate. Eu era um autêntico bombardeiro para todo o serviço”..

Não aqueceu o lugar na equipa sénior, não só pela falta de tempo mas também porque já tinha percebido que não ia ser um João Brenha, um Miguel Maia ou um Carlos Filipe, o seu ídolo nacional, já que o internacional será sempre o norte-americano Karch Kiraly  - “Foi o jogador mais inteligente que vi no voleibol” - e que jogou até aos 45 anos na praia.

Pois foi a partir da praia que nasceu a sua primeira incursão empresarial. Daniel estava na primeira linha quando o volei de praia começou a entrar na moda. Durante o Verão andava numa roda viva, sempre fora – só parava em casa para trocar de roupa. Começou a reparar que os torneios eram mal organizados e não se ficou pela observação. Resolveu agir, em conjunto Pedro Vieira, seu parceiro de dupla e voleibolista do Leixões.

Criaram uma empresa, baptizada Oxigénio, que além de organizar torneios de volei de praia, que vendiam às Câmaras Municipais, e de arranjar patrocínios, também promovia outras iniciativas na área desportiva, como convenções de fitness. “Ganhamos uns dinheiros”, confessa Daniel, que mais tarde venderia o negócio.

Despediu-se da Electro-Rayd quando Gonçalo Caetano Alves, um dos fundadores do IPAM, o desafiou a ser o director de marketing do Aveiro Basket, a primeira SAD do nosso basquetebol, com uma equipa profissional onde se fundiam os escalões seniores do Esgueira, Beira Mar e Galitos.

Nem olhou para trás. O projecto era ambicioso e ele foi a correr atrás do sonho de um casamento perfeito entre as duas das coisas que mais amava – o desporto e o marketing. “Era uma coisa muito vanguardista para a época. Para começar, meti-me num carro e fui sozinho para a Catalunha onde visitei três clubes (Barcelona, Manresa e Badalona) e me abasteci de ideias para atrair patrocínios e espectadores. A liga espanhola estava muito à frente e obrigava a assistências médias mínimas, na casa das cinco mil pessoas”, relata.

A estreia do Aveiro Basket e dele foram boas. A equipa fez um bom percurso na Europa. Cá dentro apenas tombou frente à Ovarense nas meias finais dos play off. Ele inovou, atraindo patrocínios com as novidades trazidas de Espanha – venda de bilhetes de época e introduzindo animação antes e durante os jogos. No final da época saiu apenas porque lhe surgiu um desafio ainda maior (mais transmissões televisivas, mais espectadores): ir dirigir o marketing da equipa de futebol do Beira Mar, treinada por António Sousa, que acabara de subir à primeira divisão.

Após a viragem do século, resolveu mudou de vida. Depois de passagens pelo retalho de material desportivo (a cadeia Intersport, concorrente da Sportzone) e os patrocínios e eventos da Optimus), passou a dedicar-se a 100% à vida académica.

Uma visita aos Orlando Magic (equipa da NBA que tem como director geral Alex Martins, um descendente de transmontanos) e a leitura de Sports Marketing, de William Sutton, inspiraram-no a escrever um livro sobre marketing desportivo e a iniciar uma especialização nesta área, criando, no âmbito do IPAM, um grupo de investigação (GEMD-Grupo de Estudos de Marketing Desportivo”).

O livro, Marketing para Desporto/Um jogo empresarial, escrito em 1999 a meias com o irmão Carlos, foi muito bem recebido. A primeira edição (já vai na terceira), de mil exemplares, esgotou-se enquanto o Diabo esfregava um olho, e começaram a chover telefonemas de todo o lado, de clubes e associações, interessados em aprender a captar patrocinadores e venderem mais bilhetes para os espectáculos que organizavam.

“Dizíamos que era o melhor livro português sobre marketing desportivo, o que só podia ser verdade, porque era o único”, graceja Daniel, que no entretanto, também em regime de co-autoria com o irmão, escreveu um novo livro sobre o assunto (Sports marketing/As novas regras do jogo) e a partir do ano 2003 se dedicou a tempo inteiro ao ensino e investigação.

No mestrado, concluído em 2004, descobriu que os adeptos do Sporting encaravam como positivo, e uma nova importante fonte de financiamento do clube, o aumento dos patrocinadores, mas muitos deles estavam erradamente convencidos que sabiam qual era o patrocinador principal da equipa de futebol – metade responderam que era o BES, que ocupava a parte de trás das camisolas, e não a PT, que estava na frente. Moral da história: não basta patrocinar, é preciso activar o patrocínio.

No doutoramento, que está a fazer na Universidade Juan Carlos, em Madrid, Daniel investiga as razões que levam os adeptos do Benfica a a acorrerem ao Estádio da Luz. Uma tarefa ao alcance de um benfiquista, que há 15 anos, com a camisola do Leixões, liderou uma fantástica reviravolta da sua equipa nas meias-finais do campeonato nacional júnior de voleibol.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

 

Tiago Ribeiro

 

Tiago Ribeiro, 36 anos, é responsável pela SAD do Estoril Praia e director da operação europeia da Traffic, um grupo brasileiro presente em todas as esferas do negócio futebol. Antigo basquetebolista, fanático pelo Palmeiras e neto de um agricultor transmontano, nasceu em S. Paulo, viveu em Oxford (onde se tornou fluente em inglês). Regressou ao Brasil para cursar Direito na Pontifícia, após o que voltou à Europa para fazer um mestrado e trabalhar em Paris. Agora, este nómada deitou âncora em Cascais onde tem uma missão: levar os canarinhos do Estoril de volta à primeira divisão 

 

Foi preciso verificar-se um estranho alinhamento daqueles acasos em que a vida é fértil para que Tiago Ribeiro (adepto doente do Palmeiras, advogado formado na Pontifícia de S. Paulo e pós graduado em Direito Desportivo em Paris), esteja instalado num gabinete junto ao Estádio António Coimbra da Mota, a comandar a SAD do Estoril na viagem de regresso à primeira liga – onde ele quer desembarcar já na próxima época.

Uma espécie de “cherchez la femme” de pernas para o ar (trocou a namorada parisiense por uma paulista), um casamento com o império Traffic Sports adiado mas finalmente realizado, e uma tragédia familiar são os principais ingredientes da história que deu uma volta de quase 360º na vida deste brasileiro nómada, cujas raízes transmontanas lhe dão o direito a usar o passaporte português.

Há exactamente sete anos, Tiago estava finalmente confortavelmente instalado no sofá da vida. Tinha 29 anos, habitava em Paris, tinha uma namorada francesa, com quem passava fins-de-semana na neve, e um emprego novinho em folha e excitante no Comité Organizador dos Mundiais de Atletismo de 2003 - quando o telefone lhe deu a maldita notícia: a irmã morrera prematuramente, com 24 anos, num acidente de viação.

Antes de atravessar o Atlântico para se juntar à família em S. Paulo, foi só marcar a passagem aérea e fazer as malas. Este regresso ao Brasil, acabou por determinar o resto da sua vida. Num jantar, conheceu a irmã da namorada do seu melhor amigo e foi coup de foudre. Nunca mais se largaram. Ele ainda voltou para Paris, onde se demorou apenas o tempo indispensável para romper com a fiancée francesa, empacotar os seus activos, despedir-se do emprego e apresentar a monografia final do mestrado em Direito Desportivo.

Tiago nasceu em 1974, numa família de origens mistas (portuguesa e italiana), que sempre honrou a costela lusitana  (na Páscoa havia sempre na mesa alheiras e bacalhau com fartura) que tem a origem directa no avô, José Lobo Ribeiro, um agricultor de Nogueira, Trás os Montes, que aos 16 anos resolveu deitar para trás da costas a miserável escravidão da terra e aventurar-se a fazer fortuna no país da árvore das patacas.

Como nove em cada dez portugueses emigrados no Brasil, o avô abriu uma padaria, início de um negócio que rapidamente prosperou, alargando-se ao fabrico de farelo, macarrão e outras pastas, talvez por influência da italiana com que casou. “A padaria do avô chamava-se O Garoto e era famosa em S. Paulo, pois foi a primeira a fazer entrega ao domicílio”, recorda o neto, que cresceu num lar onde as simpatias clubisticas se dividiam simetricamente entre o Corinthians e o Palmeiras.

Neste campo ele puxou ao pai, José Luis Franchini Ribeiro, que está agora aposentado após ter sido director da Globo durante mais de 30 anos. “Eu era fanático pelo Palmeiras. Chegou a ser doença, ao ponto de perder o sono e doer a barriga”, recorda o primeiro responsável pela SAD do Estoril Praia e director geral da Traffic Sports Europe, que em 1999 viajou até ao outro lado do mundo para assistir, no Estádio Olímpico de Tóquio, à derrota por 1-0 (golo de Roy Keane, aos 35 minutos) do seu Palmeiras, treinado por Scolari, frente a um Manchester United de Alex Ferguson, onde brilhavam David Beckham e Ryan Giggs.

O ponta de lança Jorginho, alcunhado de Cantinflas, foi um dos ídolos maiores de uma infância e adolescência marcadas pela míngua de títulos do seu Verdão, que depois de ter ganho o título paulista em 1976, tinha ele dois anos, só voltou a triunfar em 93, mas logo em dose dupla (foi bicampeão. “O Corinthians de Rivelino era muito forte”, reconhece, desfiando de seguida o nome de alguns dos craques do Palmeiras que lhe ficaram tatuados na memória – Evair, Edmundo, César Sampaio ….

Adorava desporto, mas não se contentou em ser apenas torcedor. Como era alto em criança, foi atraído pelo basquetebol, jogando a pivô em dois times: o Apolo Sports e o Cotia, até que aos 18 anos parou o crescimento e o seu 1m85 se revelou curto demais não só para a posição que ocupava em campo mas até mesmo para a modalidade.

Além disso, o basquetebol no Brasil não pagava e ele tinha de pensar no futuro. Influenciado pelas fitas de Indiana Jones, ainda sonhou tornar-se arqueólogo, devaneio que cedo esqueceu.

À sua decisão de ir para Direito não foi estranho o avô materno, ex-secretário de Estado de Jânio Quadros e uma figura marcante que lutou em 1932 na Revolução Paulista e integrou o Corpo Expedicionário Brasileiro que durante a II Guerra Mundial se cobriu de glória em Itália, em duras batalhas como Monte Casino.

Antes de começar o curso de Direito na Pontifícia Universidade de S. Paulo (PUC), houve tempo para se revelar o seu feitio nómada. Atravessou pela primeira vez o Atlântico, demorando-se quatro meses em Oxford.

Assim que se sentiu fluente em inglês, pegou na mochila, atravessou o canal da Mancha e vagabundeou pela Europa num périplo que o trouxe pela primeira vez a uma Lisboa (onde se aboletou em casa de Mário Prata, um amigo do pai da Globo que andava por cá a escrever novelas para a SIC) que em 1992 vivia as delícias da abertura do mercado único europeu e a prosperidade cavaquista financiada pelo Euromilhões de Bruxelas.

Apesar de não ser marrão (“Nunca fui muito de estudar, mas aprendo rápido e sempre fui bom de argumentação”), fez o curso com uma perna às costas, enquanto ganhava experiência, levando petições e trazendo formulários, e uns magros trocos (“o que eu ganhava não dava para pagar o estacionamento”) trabalhando em part time em escritórios de advogados.

Concluído o curso, em 1997, inscreveu-se na Ordem e começou a exercer num pequeno escritório artesanal, que sobrevivia de avenças de restaurantes e supermercados, numa rotina que lhe desagradava e apenas aguentou durante um ano e pico.

Na passagem do milénio já o encontramos em Paris a fazer um curso de especialização na área do Direito, parcialmente financiado por aulas de português que dava a quadros da Renault destacados para montarem uma fábrica de automóveis no Brasil – e por uns ganchos em feiras.

O primeiro clique decisivo na sua cabeça deu-se durante uma prova oral do curso. Ao vê-lo indeciso, a hesitar muito antes de lhe responder à pergunta sobre o que iria fazer a seguir, o professor colocou-lhe uma nova questão: “De que é que gosta?”.

A resposta era simples. Tiago ama o desporto. “Sou aquele tipo que se às três da manhã estiver a fazer zapping e tropeçar num torneio de badminton fica a assistir até ao fim”, explica. O passo seguinte foi conseguir ser o único estrangeiro a ser admitido no melhor mestrado de Direito e Economia do Desporto existente em França– que estava a concluir quando recebeu a notícia brutal da morte da irmã.

A readaptação ao Brasil não foi fácil. O pai proporcionou-lhe um almoço no Pandorô, em S. Paulo, com J.Hawilla, o dono da Traffic (que já era a principal empresa de marketing desportivo do Brasil, se bem que ainda não se dedicasse à transferência de futebolistas nem fosse proprietária de clubes) e seu velho amigo dos gloriosos tempos da Rede Globo. Mas a refeição não acabou a rimar com contratação.

Tiago estudou a legislação e regulamentação desportiva brasileira, antes de se lançar numa aventura empresarial, em parceria com o amigo Dinis Oliveira, a Usina do Esporte, firma que apostou no agenciamento de jovens futebolistas, mas cuja maior sucesso foi negociar a entrega a um tubarão dos direitos que tinha sobre Márcio Azevedo.

“O agenciamento de jogadores é uma área muito complicada no Brasil. Ou se tem dinheiro para investir ou se chafurda na lama”, declara Tiago, que era fluente em espanhol, italiano, francês e inglês, conhecia de cor a legislação e regulamentos desportivos de diversos países – mas não tinha os bolsos suficientemente fundos nem estava disposto a sujar-se na lama.

Farto de dar com os burrinhos na água, em 2007, o ano que nasceu o seu filho Leonardo, decidiu que era a hora de dar um basta. Estava já com a água pelo nariz, quando um amigo o levou para uma empresa do grupo Traffic, onde as suas qualidades eram necessárias e apreciadas. 

Não chegou a aquecer o lugar no Brasil. O grupo fundado por J. Hawilla, que já tinha um pé nos Estados Unidos (onde é dono do Miami FC), queria estabelecer em Portugal uma testa de ponte para a sua actividade na Europa e quem melhor que Tiago, neto de um transmontano, para enviar com esta missão para este lado do Atlântico?

A Traffic ainda olhou para o Boavista e para o Belenenses, antes de decidir apostar as suas fichas no Estoril. A desvantagem de estar na 2º liga era compensada pelo facto de se tratar de uma SAD controlada por uma empresa (a João Lagos) e não por um clube ou município.

Tiago Ribeiro entrou com cuidado, fazendo um contrato de gestão da equipa de futebol durante duas épocas, com opção de compra. Os primeiros tempos foram complicados. “O ano passado iniciamos a pré-época com cinco jogadores…”, recorda. Apesar da época de estreia ter sido atribulada (o Estoril acabou em 11º mas esteve em riscos de descer), a Traffic resolveu exercer a opção de compra.

Esta época, o início está a ser bem mais risonho. Sob o comando de Vinicius Eutrópio (que enquanto técnico passou pelo Atlético Paranense, Fluminense, Ituano e Grémio Prudente) e reforçado por futebolistas da carteira da Traffic (como Paulo Sérgio, ex-Flamengo, Jefferson, ex-Palmeiras, ou Tony Taylor, ex-Miami), o Estoril Praia está no 2º lugar da Liga Orangina ao cabo de quatro jornadas.

“Viemos para ficar. Ainda há muito trabalho a fazer. Temos de estabelecer boas relações com o clube e começar a absorver jogadores da sua formação. Este ano estamos com uma assistência média de 600 pessoas, que é o dobro do ano passado, mas cada jogo ainda é prejuízo. Não temos o apoio da autarquia e estamos a estabelecer os laços com a comunidade. Mas não desistiremos. Viemos para ficar”, diz a concluir este paulista que se declara português, faz questão de notar que o Estoril joga com tantos portugueses como o Benfica e não tem mais brasileiros que o Braga ou o Maritimo – e está convencido que no final da época o seu Estoril está de regresso aos grandes.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

Francisco Albariño Horta

Francisco Albariño Horta, 31 anos, é o director delegado para Portugal da X-TB, uma broker online com base em Varsóvia que se publicita nos monolugares de Fórmula 1 da McLaren. Antigo campeão nacional de vela, em Optimist, com duas participações em Europeus de Laser, foi sem motor que ele aprendeu a desembrulhar-se no mar encapelado dos mercados financeiros, evitando andar à deriva e navegando aos ziguezagues até encontrar o rumo certo. “A vida é uma sucessão de regatas duras. O mar, com ondas grandes e ventos fortes é como os mercados”, afirma este financeiro com uma costela galega, que passou pelo bancos Best e Carregosa e diz que a vela é como um jogo de xadrez, só que com parte física 

 

O drama dele foi a falta de peso. Francisco tinha 18 anos e pesava 72 quilos. O ideal era que andasse na casa dos 80 quilos – até 85 kg estaria bem. Ser leve demais afastou-o de uma boa classificação nos Europeus de Laser, que em 1997 foram disputados ao largo de Cascais, com muito vento. “Pesava pouco para o barco. O corpo serve de alavanca para o barco andar a direito contra o vento, que é onde se decidem as regatas”, explica, simulando com o corpo o movimento, o director para Portugal da broker online X-TB, que acaba de se instalar no nosso país.

Francisco Albariño Horta, 31 anos, tem agora o peso que lhe fez falta quando era jovem velejador, um peso literal que agora lhe dará muito jeito para se desembrulhar no mar encapelado dos mercados financeiros, evitando andar à deriva e navegando aos ziguezages contra o vento até apanhar o rumo certo. A vida é uma sucessão de duras regatas.

O nome do meio denuncia-lhe a origem galega. A família do lado da mãe é originária de Ponteeareas. Os Albariños partiram de uma Galiza que era pobre para outras partes do Mundo em demanda de mais felicidade, que é como quem diz dinheiro e bem estar. Um ramo aventurou-se a atravessar o Atlântico rumo a sul, fixando-se no Chile. Francisco visita com alguma regularidade os primos e tios chilenos, cuja prosperidade pode ser medida pela diversidade dos seus negócios: entre outras coisas, são donos de quintas com cavalos, um colégio com dez mil alunos, uma fábrica de velas de cera, uma panificadora, bem como de extensas plantações de mirtilhos, amoras e framboesas.

O avô de Francisco viajou menos. Desceu das rias galegas até à de Aveiro, com uma filha de 12 anos, e deitou âncora na Costa Nova onde se estabeleceu com um hotel e interesses no comércio de mariscos. Quando ele nasceu, já a mãe completara o curso de Engenharia Electrónica em Coimbra, que usou para se tornar professora de Matemática.

Vivendo na Costa Nova, Francisco aprendeu ao mesmo tempo a arte de juntar letras, operar somas e subtracções e fazer um pequeno Optimist navegar. Tinha seis anos exactos quando recebeu um troféu, feito de lata de conservas de sardinha, que premiava a sua precoce estreia no mundo da vela.

O primeiro barco foi um Freitas, era assim que se chamavam o tipo de barco da classe Optimist, made in Portugal e totalmente manufacturado em madeira, que o acompanhou durante dois anos, até ser substituído por um outro, de fabrico dinamarquês. Ao sábados de manhã, quando os colegas iam para a catequese (ele frequentou um colégio de freiras), o jovem Francisco dirigia-se ao Clube de Vela da Costa Nova. Passava os fins de semana a velejar, em regime intenso, das dez até ao fim da tarde. Ao futebol nunca ligou muito, apesar de se declarar sportinguista, como o pai, obediência que manteve mesmo depois de ganhar consciência futebolística. “Não sou muito de ir ao estádio, mas lembro-me de gostar muito do Balakov e de ter visto na televisão o jogo em que perdemos o título ao sermos derrotados por 6-3 pelo Benfica”.

Toda a família se entusiasmava com as suas proezas marítimas. O avô galego não perdia uma regata. O padrasto (fotógrafo e cameraman profissional, que lhe meteu o vício da fotografia) incentivava-o. E quando ele, em 1991, completou 12 anos, o pai perdeu o amor a 300 e tal contos – e comprou-lhe um competitivo Winner dinamarquês, que o encheu de orgulho.

“O que é preciso para se ser bom na vela? Têm de se reunir um conjunto de factores físicos e mentais. Temos de ter abdominais e mãos fortes para aguentar e conseguir ter bons desempenhos em regatas com ventos fortes. As mãos calejadas denunciam um velejador. Para estar em forma, eu corria regularmente e fazia ginásio. Depois há a parte mental e táctica. A vela é como um jogo de xadrez com parte física, em que temos de ter em atenção as probabilidades. E para além da meteorologia, também é muito importante a afinação do barco, muitas das vezes feita e corrigida em andamento”, explica.

A primeira grande e boa recordação que guarda dos tempos da vela, data dos 14 anos - foi a vitória, em 1993, no campeonato nacional Optimist, classe B, em Cascais. No ano seguinte, passou à classe A, e depois, quando completou 15 anos, mudou para um Laser e começou a treinar sozinho. Teve uma entrada auspiciosa nesta classe olímpica, onde logo se sagrou logo vice-campeão nacional júnior e conseguiu o apuramento para os campeonatos europeus disputados ao largo da ilha de Wight. Passar 15 dias no estrangeiro, a velejar ao lado dos melhores de Europa, foi um sonho tornado realidade para um miúdo de 17 anos apaixonado pela vela.

Em 1996, no Europeu de Laser, obteve uma classificação meritória (56º entre 140 participantes) que lhe deu o estatuto de alta competição, beneficio nada negligenciável para um estudante em idade de ir para a faculdade. “Podia entrar no curso que quisesse, Medicina de Lisboa, Economia do Porto, etc. Era só escolher”, conta. Acabou por não tirar partido desta prerrogativa. Desde o 9º ano que tinha a ideia de fazer Economia, porque lhe interessavam os mercados. Quando acabou o secundário, feito num colégio em Albergaria, preferiu inscrever-se no curso de Economia da Católica, não tirando partido da boleia que a vela lhe podia dar. “Foi a qualidade do ensino que me levou a decidir-me pela Católica, onde achava que teria melhor acompanhamento”, conta.

Trocou Albergaria pelo Porto, instalando-se com uns amigos num apartamento na Fernão de Magalhães, onde vivia e estudava durante a semana. Quando chegava a sexta-feira ia até Campanhã apanhar o comboio para Aveiro, de onde só regressava ao domingo. O horário das viagens aos fim-de-semana flexibilizava-se sempre que a mãe lhe emprestava o carro dele – o seu primeiro automóvel, um Ford Focus, comprou-o em 2001.

O interesse precoce pelos mercados foi-se aguçando durante o curso, e manifestava-se ao aplicar na compra de acções os trocos que conseguia poupar da semanada. Recorda com agrado alguns investimentos, como o feito no papel da PT Multimédia; “ Lembro-me que dei a ordem de compra no BCP da Foz. Chegaram a subir 10% ao dia. Abriram a 11 euros e a cotação foi até aos 150 euros”.

A vela começou a ser sacrificada no altar dos estudos. Após o brilharete nos Europeus de 96, na costa inglesa, seguiu-se uma presença bem mais apagada nos Europeus de 97 em Cascais. A história podia ter sido outra se não tivesse falhado o apuramento para os Jogos Olímpicos de Atlanta (1996). Mas a verdade é assim que trocou a Costa Nova pelo Porto (e o Colégio em Albergaria pelo curso de Economia da Católica), a vela começou a perder importância na sua escala de prioridades. “Ainda tentei conciliar as duas coisas. Ao nível da competição, a vela já era bastante profissional. Não era com treino de fim-de-semana que conseguiria manter-me a um bom nível”, afirma Francisco que não deixou de andar no mar, começando a fazer windsurf – e depois (a partir de 2003) kitesurf. 

Acabado o curso, em 2003, o serviço de carreiras da Católica encaminhou-o para o escritório no Porto do Banco Best (Grupo Espírito Santo), um 10º andar do edifício da Tranquilidade, ali bem ao lado do Palácio de Cristal, onde ganhou o seu primeiro dinheiro como personal advisor, enquanto desfrutava de uma bela vista sobre a cidade. Descreve como um choque a entrada na vida profissional. “Não tinha tempo para nada! Enquanto andamos na faculdade há sempre tempo para tudo”, constata.

Demorou-se dois anos e meio no Best, até o professor Ricardo Valente o desafiar a ser consultor financeiro na Personal Value, um family office que tinha 25 milhões de euros de activos sob gestão e que em 2008 foi incorporado no Banco Carregosa – e Francisco trocou a casa da Foz, com jardim à volta, da Personal Value, pela sala de corretagem da sede do Carregosa, num prédio da avenida da Boavista.

Estava posto em sossego no charme do Carregosa - com sofás Chesterfield coçados por mais de um século de uso e salas com as paredes pintadas -, quando recebeu, no final do mês de Maio, um telefonema de um head hunter a desinquietá-lo. Estaria ele interessado em abrir a operação em Portugal da X-Trade Broker, uma corretora online fundada em 2002 em Varsóvia que abreviou a razão social para X-TB a partir do momento em que passou a patrocinar a McLaren (o espaço publicitário num Fórmula 1 é tão raro como caro)?

Francisco gostou das cartas postas em cima da mesa e foi a jogo. O ser fluente em castelhano lubrificou as conversas mantidas em Madrid com o responsável da X-TB em Espanha, o que levou a mudar de emprego e de cidade (a broker tem a sua sede no 9º andar do Atrium Saldanha, onde ele tem um gabinete com vista para a avenida da República) e a investir as férias no trabalho de constituição da sociedade, obtendo os registos e autorizações necessárias para começar a operar neste Outono – a tempo de cumprir os objectivos fixados para este ano (20 mil transacções, no valor global de 7,5 milhões de euros).

“O objectivo final é sermos líderes. Mas ficaremos satisfeitos se chegarmos ao fim do próximo ano com uma carteira de dois mil clientes”, quantifica Francisco, que trocou os ventos da praia da Barra, na Costa Nova, pelas ondas do Guincho, em Cascais, onde testa os seus limites com fazendo kitesurf, um desporto mais radical e que proporciona mais emoção como a vela. “O mar com ondas grandes e ventos fortes é como os mercados”, conclui.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

José Augusto Silva

José Augusto Silva, 41 anos, é o director geral e maior accionista da Seara.com, que concebeu e mantém os sites de companhias como a Galp, Sonae, Unicer, Ikea, Rar, Serralves, Auto-Sueco, ou Fidelidade-Mundial.  Antigo médio do Sport Clube Rio Tinto, resume numa frase o que há de comum no dia a dia do desporto e do trabalho: “Em ambos os casos temos de estar muito concentrados para não falhar e fazer sempre o melhor que conseguimos e sabemos. Não podemos nunca desistir ou dar uma lance como perdido”, explica este engenheiro que joga golfe e futebol de praia em Matosinhos,  modalidade onde ganhou a alcunha de panzer    

 

Podia ter sido médico, se não lhe tivessem faltado dois valores na média. Podia ter sido futebolista se não tivesse sido operado a uma hérnia discal, quando era um promissor médio centro do Sport Rio Tinto. Podia ter sido só engenheiro se não tivesse tido a irrequietude de fazer um MBA. Esta é a história resumida de um filho de uma doméstica e de um polícia, que nasceu no Marco de Canaveses dois dias antes de Neil Armstrong alunar e dar o pequeno passo para um homem mas um grande salto para a humanidade.

A infância de Zé Augusto foi ainda mais movimentada do que tem sido a sua vida adulta. Como o pai, após ter feito a tropa em Angola, se candidatou com sucesso um lugar na PSP de Silva Porto, ele ainda bebé atravessou o Equador e deu os primeiros passos em África, onde viveu até que em 1975 o deflagrar da guerra civil obrigou a família Silva a regressar à pressa ao Puto. O ruído constante das ambulâncias e de rajadas de metralhadora é a recordação mais forte que ele guarda destes tempos conturbados.

Regressou em 1975, com seis anos, a tempo de deixar de ser analfabeto na escola primária da Carreira, mesmo ali juntinha ao campo do Sport Clube Rio Tinto. Uma tentação nova, já que em casa, ninguém ligava à bola, o que justifica, na sua opinião, o facto de se ter tornado benfiquista. “Como acontece sempre com os miúdos, inclinei-me para o clube que ganhava mais vezes”, explica Zé Augusto. O seu primeiro ídolo foi Nené, mas recorda também com saudade Mats Magnusson (“era um jogador fabuloso”).

O seu jeito para a bola começou a evidenciar-se nas grandes jogatanas que faziam na Preparatória Ramalho Ortigão, onde foi colega de Cabral (defesa esquerda que após ter feito a formação no FC Porto alinhou como sénior no Marítimo) e alinhava sempre do meio campo para a frente.

Como toda a gente elogiava o seu trato de bola, aos onze anos ambicionou ir às captações do Boavista, mas o pai não o deixou, cortando-lhe cerce ao vasas ao argumentar que, no futuro, ele não iria viver da bola mas sim do que aprendesse nos livros.

O sonho de ser futebolista permaneceu em banho maria, enquanto continuava os estudos, com bom aproveitamento, no ES Cerco do Porto (“Aquilo era dureza a sério”, recorda), e dava nas vistas nos torneios inter-escola.

Até que aos 16 anos, sem dizer nada aos pais, foi com mais dois amigos de infância prestar provas ao Sport Clube de Rio Tinto. A boa notícia foi que ficaram todos. A má é que, como era menor, para ser inscrito na AF do Porto precisava de uma assinatura de um dos pais. Zé Augusto acolheu-se debaixo das saias da mãe, que assumiu essa responsabilidade e o protegeu da ira paterna.

“Ainda arranjei uma discussão lá em casa”, lamenta. Fez apenas uma época como júnior, no Sport Rio Tinto, clube que guardava  uma promessa na sua equipa juvenil (Nelson) e tinha como grande rival o Atlético local, onde brilhava Pedro Barbosa.

Aos domingos de manhã acordava cedo, pois era dia de jogo. Treinava três vezes por semana, à noite, depois dos seniores. A equipa era boa e fizeram uma época razoável. “O nosso grande problema era a deficiente preparação física. No jogo, na Constituição, contra o FC Porto A, onde alinhavam o Baía, Secretário, Domingos, Jorge Couto e Cabral, aguentamos o zero a zero até à meia hora. Depois fomo-nos abaixo das pernas e perdemos 17-1”, recorda Zé Augusto, lembrando de seguida a derrota honrosa , por 5-2, sofrida em casa, contra o FC Porto B.

Uma hérnia discal, diagnosticada na pré-época, atirou-o para a mesa de operações da Ordem da Trindade e obrigou-o a abster-se, durante um ano, de toda a prática desportiva, o que equivaleu a pôr ponto final ao sonho de ser futebolista profissional.

Tinha 21 anos e lembrou-se das palavras proferidas dez anos antes pelo pai, quando o proibiu de ir aos treinos de captação do Boavista. Como era dos estudos e não da bola que iria viver, o melhor que ele tinha mesmo a fazer era agarrar-se aos livros e focar a sua atenção no curso de Engenharia.

Na hora de preencher a candidatura à Universidade, só escreveu dois cursos. Mas não ficou triste por ter falhado a entrada em Medicina. Gostou do curso de Electrotecnia e Telecomunicações, feito na Faculdade de Engenharia do Porto, na rua dos Bragas, enquanto assegurava o dinheiro de bolso, para os copos e sapatilhas, dando explicações de Matemática e Física, em Valongo. O primeiro computador comprou-o quando tinha 19 anos e passou do 2º para o 3º ano. Custou-lhe 365 contos e tinha um mega de RAM e 20 mega de disco.

O tema escolhido para o projecto de fim de curso - Fibra óptica nas redes de acesso de telecomunicações – abriu-lhe as portas do primeiro emprego como engenheiro, no departamento de planeamento e desenvolvimento de redes dos TLP, que viriam a dar origem à PT.

Os TLP proporcionaram-lhe não só uma boa entrada no mercado do trabalho, mas também o regresso ao futebol, na variante de salão, tornando-se rapidamente um dos esteios da equipa da empresa, entre 1993 e 1996.  

A Expo 98 proporcionou-lhe um primeiro salto na sua carreira. Em 1996 concorreu para um lugar de supervisor técnico da empresa autónoma que a PT estava a formar para fornecer serviços durante a exposição, e disse sim quando, a dado passo do concurso, lhe perguntaram se não queria ser comercial. “Foi a decisão mais acertada da minha vida”, garante Zé Augusto que ficou responsável por uma verdadeira salada russa de clientes: países árabes, nórdicos, Benelux, Rússia, Coreia do Sul, Unicer, Swatch e bares da Praça Sony. 

“Foi um período fabuloso. Nunca aprendi, trabalhei e me diverti tanto como durante esse ano e meio”, diz, recordando com saudades esses tempos em que andava sempre a fazer de McGyver, de alicate na mão e a dar cabo.

No final da Expo retornou ao Porto, para gestor comercial sénior da PT. Mas no dia a seguir a ter feito 30 anos, já o vemos na Sonae, o novo player privado que queria aproveitar a liberalização das telecomunicações fixas, onde passou dois anos “de grande pressão, mas muito gratificantes, onde ganhei resiliência”, antes de aceitar ser director comercial da Oni, onde se demorou cinco anos, durante os quais fez o MBA (na Católica)– e ficou com vontade de dar um novo salto e passar a dirigir uma empresa de forma global.

Esta oportunidade foi-lhe proporcionada em 2006, por um convite de Miguel Monteiro para assumir o comando da Seara.com. Apaixonou-se pela indústria web, ao ponto de, no início deste ano, se ter transformado em empresário ao liderar o Management Buy Out desta empresa que factura 1,7 milhões de euros e conta na sua carteira de clientes com a Galp, Sonae, Unicer, Ikea, Serralves, Fidelidade-Mundial, Rar e Auto-Sueco.

Zé Augusto não tem dúvidas em garantir que foi o futebol que lhe deu o arcaboiço necessário para aguentar a dureza e desafios de um percurso profissional sempre a subir, uma vida em que só se deita quando sente que o dever está cumprido: “ Quando é preciso fazer, faz-se. Se é preciso não dormir, não se dorme".

“Como jogador de futebol, tecnicamente era médio mais. As minhas principais qualidades eram ser persistente, nunca desistir ou dar um lance como perdido, e estar sempre a movimentar-me. Corria durante o jogo todo. Não gosto de estar parado”, esclarece o director geral da Seara.com, que há 15 anos joga soccer beach aos domingos de manhã na praia de Matosinhos,  onde ganhou o direito à alcunha de Panzer.

Nas empresas e no desporto, o objectivo é o mesmo: ganhar. E, como nota Zé Augusto, ganhar é o somatório de pequenas vitórias – recuperar uma bola, fintar o adversário, marcar um golo. “Num jogo de equipa, a receita para ganhar é simples: temos de olhar para as pessoas e identificar os pontos fortes de cada uma, para tirar partido deles em benefício de todo”. 

Está afastado dos areais desde que foi operado ao joelho, por causa de uma ruptura do ligamento cruzado anterior, sofrida num jogo de futebol de salão em que alinhava com a camisola verde da Seara.com. Mas garante que o regresso está para breve. “Fui operado precisamente para poder continuar a jogar futebol de praia”, garante este jogador coriáceo.

No blogue que funciona como caderneta de cromos (ou, se preferirem, de livro de curso) do torneio de soccer beach, as suas características são elogiadas nos seguintes termos: “Arrebata a maneira garbosa como se entrega aos despiques na zona central do terreno. Não dá uma bola por perdida, sabe usar o porte atlético, é concentrado e evita cometer infracções”.

Há oito anos, acrescentou ao futebol (variantes salão e praia) o golfe modalidade onde se viciou e tem um handicap de 16,2. “Não é menor porque tenho de trabalhar, pois o handicap é igual ao número de dias úteis que trabalhamos por mês”, diz, na galhofa, não escondendo o orgulho por ter ganho em 2007 ao Taça Skeffington, o mais antigo torneio da modalidade disputado ininterruptamente (joga-se desde 1981) a nível mundial.

“O apaixonante no golfe é que dependemos apenas de nós – e não dos adversários. Lutamos contra nós e contra o campo. O que está em causa é a nossa capacidade de concentração e repetição. No Oporto Golfe já fiz o par em todos os buracos mas nunca o consegui numa só volta. O desafio é esse. A memória e a repetição da excelência”, afirma José Augusto Silva, um empresário que resume numa frase o que há de comum no dia a dia do desporto e do trabalho: “Em ambos os casos temos de estar muito concentrados para não falhar e fazer sempre o melhor que conseguimos e sabemos”.  

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

Raquel Sampaio

 

Raquel Sampaio, 29 anos, é professora de Relações Públicas e a produtora artística da Academai das Emoções, empresa espeializada em acções de motivação e team building, que integra ilusionistas, maestros e bailarinas no seu corpo de formadores. “Ajudamos um grupo a chegar a equipa”, explica esta fanática por desporto, que durante seis anos correu com a camisola amarela do Jovens Unidos Num Ideal, um clube da sua terra (Guimarães). “Foi o atletismo que me fez crescer. Ganhei capacidade de sofrimento e disciplina”, afirma esta mulher que faz musculação e já foi bailarina e instrutora de fitness. “O que o nosso corpo diz é muito importante e deve ser trabalhado. O corpo fala tanto como a boca”, explica

 

Ela é uma falsa alta. Mede 1m65 - mas parece muito maior. Engana porque anda sempre em cima de saltos altos e é muito magra. Agora, que faz musculação, pesa 55 quilos, mas quando corria tinha menos dez quilos. Era uma lingrinhas. À partida para as provas, não eram nem uma nem duas, mas muitas as pessoas que olhavam para ela, levezinha e um pedaço de gente como a Rosa Mota, e apontavam: “Quem vai ganhar é aquela”.

Ao longo dos seis anos que correu por pistas, estradas e a corta mato, com a camisola amarela do JUNI (Jovens Unidos por um Ideal) vestida, Raquel, 29 anos, ganhou umas provas e perdeu outras. A princípio, na sua primeira época, não estava ainda com a cabeça a 100% sintonizada no atletismo. Apesar de miúda, não abandonou logo os hábitos de fumar, beber uns copos e sair à noite. Mas, logo no 2º ano, após ter feito os mínimos para os Nacionais, na prova dos 1500 metros, começou a ganhar o gosto pelas vitórias e numa mais deixou de lutar por elas. Sempre e muito.

“Comecei a adorar ganhar provas e a gostar de ver atletismo na televisão, que antes considerava uma seca”, explica Raquel, que nasceu e cresceu em Guimarães (onde ainda mantém o centro de gravidade) filha do matrimónio entre uma funcionária pública e um operador de máquinas, uma família de benfiquistas, o que reconhece ser uma anormalidade na cidade berço: “98% dos vimaranenses são vitorianos!”.

Irrequieta, na primária fartava-se de andar a correr de um lado para o outro, mas curiosamente, quando chegou ao secundário, feito na Francisco de Holanda, a primeira modalidade que praticou como federada foi o voleibol, em Fermentões, por influência de umas amigas e vizinhas. Treinava três a quatro vezes por semana, mas o jogo não apaixonava. Ao fim de uma época desistiu.

O atletismo a sério veio por acaso. Sempre que havia corta-matos escolares ela participava e era sempre das primeiras a chegar à meta. Um dia, ficou em segundo e a que ganhou, que era federada e corria pelo JUNI, perguntou-lhe se ela não queria entrar no atletismo. Ela disse que sim, mas não estava muito convencida. Na primeira época, faltou a alguns treinos e levava uma vida pouco regrada. “Tinha jeito, mas não gostava muito”, confessa. Foi uma questão de tempo até se apaixonar pela modalidade, onde logo se revelou uma atleta polivalente, que entregava bons tempos e resultados nos três pisos (tartan, estrada e corta-mato) e em distâncias variadas, que iam dos 400 até aos 3000 metros.

O ponto de viragem foi quando fez os mínimos para os Nacionais, disputados em Mafra, proeza que deu direito a entrevista de página, com fotografia, num jornal de Guimarães, o que além de encher de orgulho a família Sampaio também lhe inchou o ego e levou a meter-se em brios.

Rapidamente se transformou numa das estrelas do JUNI, um clube pequeno, com não mais de uma dúzia e meia de atletas, treinados por dois homens, o senhor Salvador (que também andou pelo ciclismo) e o chefe Gaspar (assim chamado por ser graduado nos Escuteiros), cuja coroa de glória era terem sido colegas de Carlos Lopes, a glória máxima do nosso atletismo, que pôs a Portuguesa a ser tocada no Estádio Olímpico de Los Angeles.

“Os treinadores, em especial o chefe Gaspar, diziam que eu tinha qualidade, os meus pais adoravam que eu corresse, os resultados começaram a aparecer, e eu entusiasmei-me. Cortei nos cigarros, nos copos e nas saídas à noite”, explica Raquel, que se demorou seis anos pelo atletismo, treinando todos os dias, nas praias, dunas, serra, pinhais, pista ou estrada, apenas com uma folga por semana –  às 19h00, de 2ª a 6ª,  aos sábados à tarde e a ao domingo de manhã.

Ficou eternamente grata ao atletismo, por a ter ajudado a crescer. “Ganhei capacidade de sofrimento, disciplina e responsabilidade”, refere, acrescentando que apesar da corrida ser um desporto iminentemente individual, também aprendeu a trabalhar em equipa - nos treinos e nas provas em que havia também pontuação por clubes.

Confessa que às vezes lhe custava um bocado sair de casa, principalmente no Inverno, quando no início do treino já era noite. A chuva não a incomodava-a. “Correr à chuva até sabe bem. No Verão era mais fácil sair de casa, mas o treino era mais duro. É muito desgastante correr com muito calor”.

O amor pelo atletismo era tanto, que um dia teve de ser a mãe a impor-se proibindo-a de sair da cama, pois  apesar de engripada e com 39º graus de febre, ela teimava em levantar-se para ir treinar. “Nesse dia, treinávamos em pista que era o meu piso favorito. “, recorda, acrescentando que por essa altura já estava completamente viciada na modalidade – não queria falhar, só pensava em ganhar.       

Foi contemporânea de Fernanda Ribeiro e Manuela Machado, mas também de Jessica Augusto. Desistiu do atletismo devido à conjugação no espaço e no tempo de uma data de acontecimentos, pouco depois de ter ultrapassado o ponto de viragem da promoção de júnior a sénior, uma passagem em que uma atleta habituada a ganhar começa a perder e tem de aprender a aceitar a derrota e não desistir. “O atletismo é muito duro. Para se vencer é preciso ser muito forte, não só fisicamente mas também de cabeça. Metade do sucesso é a cabeça. Veja-se o caso do Mamede, que falhou tantas vezes apesar de ser fisicamente mais forte que o Lopes”, exemplifica.

Para começar foram os estudos. Acabado o secundário, foi para a Escola Superior de Educação de Bragança estudar Animação e Produção Artística (o curso que era o seu plano B accionado mal falhou a primeira opção, que era fazer Design de Comunicação, em Coimbra). Depois foi a operação aos pés que a obrigou a parar precisamente na altura em que o FC Porto começava a namorá-la – e a fez andar nove meses de canadianas. Como se isto não bastasse, apareceram-lhe duas novas nova paixões: a musculação e a dança.

Ainda andava de canadianas quando começou a frequentar o ginásio, que nunca mais deixou. Quando recomeçou a andar pelo seu próprio pé, envolveu-se na dança e foi bailarina de diferentes géneros, do clássico à salsa, passando pelo hip hop e o funk (“gosto de ritmos africanos”, confessa). Por fim tirou um curso de instrutora de fitness.

“Tenho saudades do atletismo. Arrependo-me de ter desistido. Mas agora, com 29 anos, já é tarde para voltar”, diz Raquel, que divide o tempo entre a sua actividade de professora (à 2ª e 3ª feira dá aulas de Relações Públicas na Escola Tecnológica e Profissional da Zona do Pinhal, em Leiria) e de produtora artística da Academia das Emoções, empresa especializada em acções de motivação e team building, que integra ilusionistas, maestros e bailarinas no corpo de formadores porque o seu conceito base consiste em usar a arte para trabalhar e fortalecer o espírito de equipa.

“Ajudamos um grupo a chegar a equipa”, sintetiza Raquel, que a nosso pedido resumiu o programa tipo de uma das suas sessões, que em média duram quatro horas e se dirigem a quadros de primeira linha de grandes empresas.

Para começar, deitam-se todos de costas no chão, de preferência em círculo, olhos fechados e mão dada com a pessoa do lado. Depois, ela pede-lhes para pensarem em coisas positivas enquanto ouvem, durante três minutos, uma voz agradável e profunda, a dizer palavras como Amor, Sucesso e Criatividade. A seguir é a massagem colectiva. À vez, cada um dos membros do grupo (idealmente constituído por 18 pessoas), vai para o meio e, com os olhos vendados, é massajado da cabeça aos pés pelos outros, ao som de Mr Jones (“Shalalalalala, uh huh…Yeah), dos Counting Crows.

Cada massagem dura apenas um minuto. “As pessoas gostam. Querem mais, mas não pode ser”, “As pessoas têm medo do toque. Não compreendem a importância de um bom aperto de mão ou de um abraço forte na hora certa”, explica Raquel, que trabalha o poder de comunicação corporal dos outros com a credibilidade que lhe advém do seu próprio corpo, magro mas com a musculação bem definida, resultado de milhares de horas no ginásio e na dança.

Quebrado o gelo com a massagem, a sessão team building prossegue com exercícios de improvisação que promovam o riso, em que o pessoal abandona definitivamente a pose de quadro superior de uma empresa de telecomunicações ou seguradora, e entrega-se a brincadeiras em que imita a reacção de animais como o elefante, crocodilo ou leão. O objectivo é a risota.

Fazer um andar esquisito (mancar, andar à Charlot…) e transformá-lo num passo de dança, ajuda a ultrapassar o medo do ridículo. E o número de dobrar o jornal estimula a criatividade e põe as pessoas a desempenhar papéis em que nunca se viram. A coisa passa-se assim. É colocada no chão uma folha de jornal. O grupo divide-se em pares, que, à vez, têm de aguentar três segundos com os pés em cima da folha - que se vai dobrando e ficando mais pequena até haver um vencedor. Há truques para se ir longe nesta competição, como pôr-se às cavalitas (ou ao colo…) do outro. E nada impede os mais espertos de arrastarem a folha do jornal para junto à parede… 

Raquel adaptou os três andamentos do desporto  - ouvir e assimilar os ensinamentos do treinador, ser bom a executá-los, apreciar a performance e aproveitar as criticas para a melhorar – à coreografia empresarial dos seus workshops. “Primeiro cria-se, depois executa-se, por fim avalia-se. O que o nosso corpo diz é muito importante e deve ser trabalhado. O corpo fala tanto como a boca”, garante Raquel, que fez rádio em Bragança (“gostava de um dia trabalhar a voz”) e adora os anos 80. “A música puxa-me para cima”, conclui a ex-atleta, que cita Maria Gadu e Lauryn Hill, como duas das suas preferências musicais no momento.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

 

Manuel Serrão

 

Manuel Serrão, 51 anos, é um empresário com negócios nos mundos têxtil, moda e eventos, que cuja cara, portismo e envergadura se tornaram familiares da esmagadora maioria dos portugueses devido às suas participações nas Noites da Má Língua e nos Donos da Bola. Mas poucos saberão que esteve quase a morrer de fome à nascença e ostenta um longo curriculum de desportista: foi campeão nacional de basquetebol pelo FC Porto, na categoria de iniciados, fundou e foi o capitão da Dragões 85/O Comércio do Porto, equipa afastada pelo Freixieiro nas meias finais da 1ª Taça de Portugal em futsal, e durante 14 anos jogou squash. Finalmente, aos 47 anos o joelho direito obrigou-o a converter-se ao golfe, desporto que compara ao sexo e adjectiva de tântrico: “pode demorar-se mais, mas chega-se lá na mesma”

 

 

Quem é Manuel Serrão? Um notório portista, irredutível defensor do Norte face ao centralismo lisboeta e um bom garfo que sabe apreciar as coisas boas desta vida. Acertou se respondeu assim, por estas ou outras palavras. Mas sabe mesmo o que é que ele faz para ganhar a vida? Após um momento de hesitação, uma larga minoria de leitores responderá empresário e/ou jornalista – o que também está certo, apesar de um pouco vago. O que muito poucos saberão é que tem sido, ao longo de mais de meio século de existência, um aplicado desportista, ao ponto de ter sido campeão nacional de basquetebol pelo clube que enche o seu coração, um entusiasmo que lhe deve ter sido pegado quando ainda era bebé e andava ao colo de um vizinho que vendia fogões, chamado Jorge Nuno Pinto da Costa.

Manuel José de Valadares Souto Pinto Serrão é um rapaz de Paranhos, que veio ao Mundo na Ordem do Carmo. A Trindade não caiu, mas os dias seguintes à sua vinda ao mundo, a 8 de Julho de 1959, não lhe foram muito venturosos, já que definhava a olhos vistos e manifestava um feitio irascível. Valeu-lhe o arguto diagnóstico do pai, catedrático de Anatomia Patológica e conselheiro do Vaticano.

“O que o rapaz tem é fome”, declarou Daniel Serrão. Não conseguia mamar bem no peito da mãe, professora de Educação Física e portista militante, à diferença do marido, que nunca ligou a futebóis; “Tem a mania que é do Sporting, mas nem gosta nem percebe de futebol”, esclarece o filho. Deram-lhe de comer como remédio e o bebé Manuel (que abriu caminho a uma ninhada global de seis filhos) medrou até se tornar no forte rapagão que todos conhecem, com 1m85 de altura, pé 43 e uma data de peso.

Aprendeu a desembrulhar-se com as palavras e os números entre a escola da Azenha, na rua de S. Tomé (Porto), e o Colégio da Avé Maria, em Lisboa, onde fez a 2ª e a 3ª classe, com os tios Fernando e Manuel a tomarem conta dele, enquanto o pai Daniel cumpria em Luanda o serviço militar obrigatório, como capitão médico.

Foi a asma que o atirou para o desporto. Os médicos das Termas de Vizela, recomendaram-lhe a prática desportiva. Como aos onze anos ele já era alto (1m70) inscreveram-no no mini-basquete do CDUP, onde se demorou dois anos, distinguindo-se não só por ser o mais alto da equipa mas também pela habilidade com que encestava, dote a que a que não eram estranhas as horas passadas a treinar em casa na tabela que o pai instalara no jardim, ainda hoje usada frequentemente pelas suas sobrinhas.

Andava no liceu D. Manuel II e tinha acabado de completar 14 anos quando trocou o CDUP pelos iniciados do FC Porto, treinados por Zulmiro Matos, onde fez amizade com Manuel Queiroz (director do i,) que viria a ser colega na Redacção de O Comércio do Porto. Estávamos em 1973, a cidade vivia a euforia do basquetebol, provocada pela equipa dirigida pelo fantástico jogador norte-americano Dale Dover (onde Fernando Gomes, actual presidente da Liga de Clubes, era o base), e o jovem Manuel conquistava o título de campeão nacional na categoria de iniciados, após ter deixado para trás, na poule final, Barreirense, Vasco da Gama e Ginásio Figueirense.

A política interrompeu-lhe uma carreira promissora no basquete. Trocou a luta nas tabelas pela luta partidária e no tórrido ano de 1975 fez-se notar quandoa irrequietude da sua militância na Juventude Centrista (de que era dirigente regional) foi premiada com uma prisão pelo Copcon, efectuada por ordens do brigadeiro Corvacho, à porta do António Nobre, o único liceu do Porto, onde, graças ao seu trabalho político, a direcção da Associação de Estudantes não era controlada pela esquerda. Devolveram-no ao mundo livre oito horas depois, quando se convenceram que o perigoso detido era menor – em questões de idade.

Além da prisão e da experiência de ter passado uma noite sitiado no Palácio de Cristal (quando da realização do Congresso do CDS, cercado por uma multidão de manifestantes de esquerda, de que eu fazia parte) a política deixou-lhe mais impressões digitais na vida. Chegada a hora de escolher o curso, optou pelo Direito. “Era o curso da maioria dos políticos”, explica Manuel, que se inscreveu no recém-criado curso da Católica, em Lisboa, onde esteve emigrado seis anos (os cinco da ordem, mais o propedêutico), instalado no Colégio Pio XII, onde foi colega de Fernando Seara, o autarca que ambiciona trocar a presidência da Câmara de Sintra pela da Federação Portuguesa de Futebol.

No Pio XII, todos os santos dias jogava cartas e futebol de cinco. Além disso, namorou compulsivamente, fez turismo, muita praia e vigarizou o Benfica ao usar um cartão se sócio correspondente para ir ver todos os jogos que queria. A Costa da Caparica e as bichas na ponte sobre o Tejo eram os locais predilectos de estudo.

Regressou ao Porto já doutor, em 1983, e logo começou a tratar da vida já que a tropa não o quis, estribando a desfeita na miopia do mancebo (4,5 diopterias no olho direito e 3,5 no esquerdo). Estagiou ano e meio no escritório de João Lopes Cardoso, onde tratou do único caso da sua vida: o divórcio de José Carlos Sousa (actual jornalista de A Bola), pelo qual nada cobrou – ganhando apenas o direito a ser convidado para o segundo casamento do amigo, que não primou pela fartura (o facto do noivo repetente ser judeu praticante ajuda a explicar a frugalidade da boda).

 “Não tinha a mínima dúvida de que não ia seguir a advocacia”, refere Serrão, acrescentando ter gostado do curso de Direito, apesar de a meio ter encarado a hipótese de mudar para Gestão de Empresas, o que só não fez porque lhe faltou a lata para por o assunto à consideração dos pais.

A opção de ingressar na vida artística, como jornalista de “O Comércio do Porto”, compreende-se por sempre ter gostado de escrever. Demorou-se apenas três anos pelo que era o mais antigo diário do país, tempo suficiente para chefiar uma secção desportiva recheada de nomes que se tornariam conhecidos - como Juca Magalhães (director de Informação da TVI), João Bonzinho, José Carlos Sousa, José Carlos Teixeira (todos na Bola), Jorge Barbosa (Record) e Adalberto Ramos (O Jogo) -, e para, em 1986, cobrir as mais célebres de todas as presidenciais (na 1º volta acompanhou Soares e na 2ª volta Freitas).

Durante estes três anos liderou a criação de uma equipa de futebol de salão, baptizada Dragões 85/”O Comércio do Porto”, que disputou o primeiro campeonato nacional e Taça de Portugal em futsal. “Fomos derrotados na meia final da Taça pelo Freixieiro”, recorda o sólido defesa de uma equipa que integrava, entre outros, Luís Amorim (empresário e sobrinho de Américo), Francisco Souto (administrador da Sogrape), Luis Jorge Pinto (gerente da Petúlia e filho de Ilídio Pinto) e Joaquim Jorge (Clube dos Pensadores).

“Comecei a jogar à frente e depois fui recuando até defesa central. Era um falso lento. Não é que fosse o Speedy Gonzalez, mas mexia-me”, auto-analisa Manuel Serrão que pendurou as botas aos 31 anos (em 1990), após ter sido expulso por Paulo Paraty, num jogo do Torneio Vitalis, disputado nos Maristas, por ter aproveitado a molhada de um canto para aplicar uma cotovelada num adversário que estava farto de lhe dar porrada.

1987 foi, para ele, um ano preenchido. Em Viena, o FC Porto atingia a glória. No Alto da Lixa, ele celebrou o primeiro dos seus casamentos. Na Bolsa fartou-se de ganhar dinheiro. Aproveitou este ano de todas as mudanças, para trocar de emprego e debutar na Exponor uma bem sucedida carreira de organizador de feiras e desfiles de moda (como o Portugal Fashion), que prosseguiu no Gabinete Portex até se tornar empresário neste ramo – o que não o coibiu de regressar ao jornalismo, como cronista e pela via do éter, primeiro aos microfones da Rádio Nova, como comentador desportivo, depois na TSF, com as Crónicas de Escárnio e Maldizer, a antecâmara das famosas noites da Má Língua, na SIC, que o catapultaram para o espaço e a celebridade.

Aos 33 anos, iniciou-se no squash, modalidade que praticou ininterruptamente durante 14 anos, no Solverde da Granja, até que o menisco externo do joelho direito o obrigou a parar. “Eu tinha decidido que aos 50 anos iria começar a jogar golfe. Antecipei três anos essa mudança”, conta. Aos 47 anos, teve a primeira lição no Clube do Fojo, que lhe desfez todas as dúvidas relativamente à nova modalidade: “Da primeira vez que fui ao campo vi logo que era para ficar”. De então para cá não deve ter passado uma semana sem ele dar umas tacadas.

É sócio de três clubes (Estela, Oporto e Viseu) e entre os seus companheiros habituais de golfe conta-se um punhado de amigos, como Costa Lima (BPI), António Souza Cardoso (antigo director geral da ANJE e seu sócio na HOP, empresa que organiza eventos) e Eurico Castro Alves (Entidade Reguladora da Saúde). Mantém uma contabilidade em aberto com o director de informação da TVI, um duelo que reconhece estar renhido, “principalmente desde que o Juca passou a ter lições particulares com o Joaquim Oliveira”.

Passando em revista o seu percurso desportivo, o empresário consegue identificar com detalhe o que cada uma das modalidades que praticou contribuíram para a sua formação e carácter:

“O basquetebol foi a iniciação ao desporto, fundamental para a minha saúde numa fase em que ficava sem respirar depois de dar duas corridas. E deu-me também a enorme alegria de poder jogar e ser campeão com a camisola do meu clube. O futebol representou a amizade, a solidariedade, o trabalho em grupo. Permitiu-me ainda fazer o tirocínio como gestor, e ganhar traquejo de organização, pois era eu que tratava de tudo; era jogador, mas também o capitão da equipa, chefe de departamento e quase o roupeiro. O squash foi o desabafo, a libertação da adrenalina e da tensão acumuladas ao longo do dia. Ao fim de 45 minutos de jogo eu já não queria bater em ninguém. Devo ao squash nunca ter tomado calmantes e nunca ter andado à pancada com ninguém. O golfe é diferente, dá prazer sem ser violento. É um desporto tântrico – pode demorar-se mais, mas chega-se lá na mesma”, conclui este portista e empresário que 51 anos depois continua com fome. Fome de comer bem e beber melhor. Mas também, e acima de tudo, com uma grande fome de vida, amor, divertimento e prazer, um hedonista perfeito, proprietário de um grande coração – e tensões baixas, como convém.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

Pinto Brasil

Manuel Machado Pinto Brasil, 52 anos, é um serralheiro mecânico que construiu com as suas mãos um grupo empresarial na área da metalomecânica, que factura 20 milhões de euros/ano e emprega 260 pessoas em empresas espalhados por Portugal, Espanha, Tunísia, Roménia e Marrocos. Antigo extremo esquerdo dos Piratas de Creixomil, redescobriu aos 40 anos os benefícios do desporto. “O que de mais importante o karaté me deu não foi a força muscular mas a flexibilidade de corpo e espírito. Agora tenho outra dinâmica. Passei a encarar o dia-a-dia com outra segurança e aprendi a ser mais tolerante e analítico. Dantes irritava-me com muito mais facilidade”, explica o empresário que tem duas metas na vida: ganhar o cinto negro (o que vai acontecer dentro de dez meses) e ser presidente do Vitória de Guimarães

  

Nunca se saberá ao certo se Machado, extremo esquerdo dos Piratas de Creixomil em meados da década de 70, se poderia ter tornado um verdadeiro craque, com direito a figurar nas cadernetas que compendiavam os cromos dos futebolistas de todas as equipas da I Divisão. A verdade é que o próprio, apesar de declarar que em miúdo tinha jeito para a bola, confessa que não tinha pé esquerdo.

Por mais de uma vez as suas capacidades com a bola nos pés foram escrutinadas pelo senhor Barreira, nos treinos de captação do Vitória de Guimarães, mas nunca o destino quis que ele fosse escolhido.  “Se calhar a culpa foi minha. Era muito orgulhoso. Queria logo ser tratado como um jogador de futebol, como uma vedeta que não era. Não queria ficar à experiência. Ou entrava logo ou acabava-se”, reconhece agora, com a sabedoria acumulada ao longo de 52 anos de vida e de sete no dojo (local de treino) do karaté shotokan.

Não seria a sua habilidade de pés, mas antes a de mãos (e cabeça) que viria a libertar do anonimato este rapaz impulsivo, nascido em Creixomil, Guimarães, no ano de 1958, o mais novo (e único varão) dos três filhos do matrimónio entre uma doméstica e o senhor Silvino, dono da mercearia da freguesia, onde ele, ainda gaiato, se habituou a estar ao balcão, treinando as contas de cabeça para ser rápido nos trocos.

Atravessou a adolescência a ver ou a jogar futebol. “De manhã, tínhamos aulas. À tarde ou jogávamos à bola ou fazíamos asneiras”, conta Manel, que no final da primária foi tirar o curso de serralheiro mecânico na Escola Comercial e Industrial de Guimarães. Ao fim de semana, jogava pelos Piratas de Creixomil, nos torneios inter-freguesias, e ia ver jogar os craques do seu clube, pela mão do padrinho, António Fernandes, sócio nº 7 do Vitória de Guimarães e empresário da Fábrica de Cutelaria 85 Inox, um dos orgulhos de Creixomil.

“Sou do tempo do campo da Amorosa, onde ainda se faziam corridas de galgos. Quem ganhava quase sempre era o galgo do Silva, que era guarda redes do Vitória”, conta, enquanto recorre à memória para fazer desfilar os ídolos da sua juventude: Mendes, “o pontapé de canhão”, Almiro, Tito, Joaquim Jorge, Rui Rodrigues, Custódio Pinto, Blanker, Jorge Gonçalves, etc.

A mania de ser independente (“sou aquilo que os americanos chamam um self made man”, declara) levou-o a começar a trabalhar aos 15 anos, ainda antes de acabar o curso de serralheiro, na Laranjeiro & Oliveira, pequena metalomecânica que fabricava máquinas para a indústria têxtil. Não lhe pagavam muito (debutou a ganhar 20 escudos por semana), mas o essencial é que foi lá que aprendeu a arte – e isso é que era o importante para ele naquela fase da vida.

Continuou a dar uns pontapés na bola, na modalidade de futebol de salão, alinhando por diferentes equipas (Campelos, Riba d’Ave e Taipas) em torneios aqui e ali pontuados por episódios caricatos como aquele em que logo aos dois ou três minutos de jogo, um colega de equipa levou com uma bolada na barriga e, acto contínuo, deitou a carga toda ao mar, tornando o recinto impraticável. “Antes de irmos para o jogo, em Riba d’Ave, a mãe dele insistira em que ele comesse uma enorme malga de leite com sopas, para lhe dar forças”, explica Manel.

Durante os seis anos que trabalhou no Laranjeiro, jogou a bola, namorou, amealhou dinheiro para comprar o primeiro carro (um Fiat 127 azul escuro que logo tratou de kitar, confeccionando um volante de competição e enfeitando a frente com uma data de faróis claramente supranumerários) e tornou-se muito bom na arte de serralheiro industrial, sem que isso tenha implicado matar-se a trabalhar.

Quando os amigos se metiam com ele, acusando-o de não fazer nada, ele respondia-lhes: “Um dia destes, quando eu me lembrar, vós ides ver o que é trabalhar!”. Cumpriu esta promessa, em 1979, quando fez 21 anos. Deixou a bola, desistiu de uma tentativa de aprender karaté, despediu-se da Laranjeiro (“Não era aquilo que eu queria, não era uma empresa onde eu pudesse projectar o meu futuro”) e começou a trabalhar por conta própria fornecendo assistência técnica à Marquil, uma empresa de cutelaria das Taipas.

Casou, alugou um anexo em S. João da Ponte, a freguesia da mulher (que lhe deu quatro filhos: a Andreia, 28 anos, directora de Recursos Humanos do grupo, o António Manuel 25, que se prepara para fazer um mestrado em Engenharia Mecânica, o Pedro, 18, que vai para Engenharia Mecânica, e a Adriana que como ainda só tem 12 ainda não decidiu se o seu futuro passará ou não pela metalomecânica) e começou a fazer trabalhos de serralharia para fora.

“Sempre achei que tinha potencial para ir longe”, diz o empresário que trazia inscrita no seu código genético uma costela industrial. “O meu avô materno tinha sido industrial e fez questão que eu tivesse o nome dele: Manuel Machado”, acrescenta este homem com que responde por vários nome: é Manel para os amigos, senhor Machado nas fábricas e Pinto Brasil no mundo dos negócios - o apelido que usa na razão social da holding do grupo e na candidatura que protagonizou à presidência do Vitória de Guimarães.

Começou sozinho, a fazer uns trabalhos mecânicos para a Krumberg & Schubert. Satisfeitos com a capacidade e qualidade deste seu fornecedor, os alemães rapidamente trataram de o introduzir no admirável mundo das cablagens eléctricas para automóveis. “Ainda fiz máquinas para a indústria de calçado, mas eles às vezes esqueciam-se de pagar e eu especializei-me nos automóveis”, explica.

Em 30 anos, construiu, a partir do anexo em S. João da Ponte, um grupo empresarial na área da metalomecânica, que factura 20 milhões de euros/ano a fabricar máquinas para os fornecedores da indústria automóvel e aeronáutica,  empregando 260 pessoas nas fábricas que tem em Portugal (Guimarães, Mindelo e S. João da Madeira), Tunísia, Espanha, Marrocos e Roménia. “Estou onde estão os meus clientes. Em 24 horas, tenho de ser capaz de por uma pessoa em qualquer parte do mundo a resolver qualquer problema”, conta Pinto Brasil, que anda entusiasmadíssimo com os negócios que faz no Irão: “Pagam adiantado, são profissionais e não incomodam ninguém”.

O lançamento das bases do seu grupo absorveu-lhe toda a energia, deixando sem tempo para cuidar do físico, até que, aos 40 anos, a roupa começar a deixar de lhe servir despertou-o para a necessidade de voltar a praticar desporto. Vagabundeou por diferentes modalidades - fez piscinas, andou de bicicleta, experimentou a canoagem, iniciou-se no jujutsu -, até descobrir que o que ele queria mesmo era retomar o karaté, a arte marcial começara a aprender, de forma incipiente em Creixomil, quando tinha 20 anos, e que abandonou para se lançar na sua aventura empresarial.

Ao longo dos últimos sete anos, faz três treinos semanais intensos, de duas horas, no dojo da rua 5 de Outubro (Porto) da Federação Portuguesa de Karaté Shotokan, o que lhe permitiu progredir do cinto branco inicial até ao castanho, de 1º kyu, que espera substituir pelo preto, dentro de dez meses, quando fizer as provas para uma próxima graduação.

Manel começou tarde, mas adora o seu desporto. “Para quem passa a dia a liderar os outros, faz bem chegar ao fim do dia e ser comandado”, diz, acrescentando que o mais importante que o karaté lhe deu não foi a força muscular, mas a flexibilidade de corpo e de espírito. “Passei a encarar o dia a dia com outra segurança. O karaté ensinou-me a ver as pessoas e as coisas de outra maneira, a ser mais tolerante e analítico. Ganhei uma outra dinâmica e forma de estar. Dantes irritava-me muito mais facilmente”, sintetiza este empresário que tem em curso dois investimentos, no valor global de dez milhões de euros, na flexibilização da actividade do grupo Pinto Brasil.

Para se manter a favor dos ventos que sopram e reduzir a sua exposição à indústria automóvel, apostou no fabrico de componentes para a indústria de energia renováveis, está a investir numa nova fábrica, em Serzedelo, Guimarães, e a negociar com a Câmara de Ribeira de Pena a instalação de uma unidade industrial neste concelho transmontano.

No karaté e nos negócios, trabalha com metas a um ano –  ganhar o cinturão negro e ter a nova fábrica vimaranense em operação. Mas na terceira frente da sua vida, o horizonte é mais dilatado. “Claro que, quando chegar a hora, vou voltar a candidatar-me à presidência do Vitória”, diz Pinto Brasil, que recolheu 32% dos votos nas últimas eleições a que se apresentou “para que quem lá está não pudesse continuar a dizer que só se recandidatava porque não havia mais ninguém disponível para tomar conta do clube”.

“O Guimarães sempre foi mais forte que o Braga, que está na posição em que está porque fez o que eu queria fazer no Vitória, que é profissionalizar a gestão. Nesta altura, no futebol já não há espaço para amadorismos”, remata o antigo extremo-esquerdo dos Piratas de Creixomil, um serralheiro mecânico que soube construir com as suas mãos um grupo empresarial, e que sonha ser cinto negro no karaté e presidente do seu clube.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

César Pratas

César Pratas, 74 anos, é um dos maiores especialistas portugueses em Direito Penal Económico.  Foi como nadador  do Clube Naval de Setúbal, durante a adolescência, que se iniciou a sua paixão pelo mar que o tem acompanhado ao longo da vida. Skipper do veleiro de 43 pés Post-Scriptum, tem limpado quase todas as regatas disputadas da difícil baía de Sesimbra. “Velejar é como navegar na vida. É preciso estar sempre a manobrar em função do vento. Bolinamos se vamos contra o vento. Ou à popa se o temos a favor. Normalmente as provas, tal como a vida, são disputadas contra o vento”, filosofa o advogado, que garante que em 2011 participará na Regata do Rei de Espanha, na baía de Cadiz

 

Este ano muito provavelmente não vai dar, porque tem entre mãos um processo complicado relativo a um acidente com uma ponte que caiu nas Caldas da Rainha. Mas para o ano não falha. César Pratas, 74 anos, será o skipper do seu Post-Scriptum, um veleiro de 43 pés da classe Grand Soleil, na regata do rei de Espanha que anualmente se disputa na baía de Cadiz.

“Estou ansioso por participar. Sinto que ainda tenho muito para aprender sobre a navegação no Mediterrâneo”, confessa o advogado, especialista em Direito Penal Económico, possuidor da carta de patrão de alto mar, que o habilita a fazer navegação oceânica. “O maior gozo que tive foi uma viagem que fizemos há dois anos, entre Lagos e Cadiz. Durante as 16 horas que ela durou apanhamos as condições ideias. Foi uma navegação perfeita”, recorda no seu escritório decorado com motivos náuticos, no 1º andar do 211 da rua Castilho, junto à Penitenciária, no alto do Parque Eduardo VII.

César trabalha em Lisboa, mas vive em Sesimbra, onde tem o barco. Entre ele e o mar há uma longa história de amor. Nasceu em Setúbal, no ano em que a Espanha se dividiu em duas, quarto filho do matrimónio entre uma doméstica e um ferroviário. Viveu na foz do Sado até ir para a faculdade, com excepção de um curto período em que o pai esteva destacado pela CP na estação das Caldas da Rainha.

Aos sete anos ficou órfão de pai, pelo que a mãe viu-se na contingência de dizer sim pela quarta vez, casando-se com um funcionário da União Eléctrica Portuguesa. Oriundo de uma família apenas remediada, cedo teve de arranjar uns ganchos que lhe garantissem uns tostões, escrevendo para os jornais, enquanto estudava na Escola Comercial.

As professoras protestavam ser uma pena se aquele rapaz tão esperto, que espraiava a qualidade da poesia e prosa na página literária do Setubalense (que ele também coordenava), não continuasse os estudos na Universidade. César deu ouvidos a uma dela, que o aconselhou seguir Direito. Quando concluiu o curso comercial, fez o liceu num par de anos. No primeiro, arrumou o 1º e 2º ciclo (o equivalente ao antigo 5º ano). No segundo, completou o 7º ano e fez o exame de admissão ao que era então o mais afamado curso de Direito do país.

O mar e o desporto são uma constante que o acompanha ao longo da vida. Ainda a Europa estava posta a ferro e fogo por Hitler e já ele debutava como atleta da natação do Clube Naval de Setúbal. À mingua de piscina, treinos e provas eram sempre nas águas frias do mar, que ditavam uma época de apenas dez meses – com dois (Dezembro e Janeiro) de defeso.

“Não era nem mau, nem bom. Era um nadador do meio da tabela”, recorda César, que, mais de meio século volvido, ainda estremece quando se lembra do frio que rapava durante as longas travessias da baía. Apesar de, regra geral, a água estar muito fria, ele aguentou estoicamente durante quase dez anos a condição de nadador do Clube Naval de Setúbal, que além de o ter ajudado a enrijecer as carnes ainda lhe proporcionou uma iniciação à arte da vela.

Aprendeu a velejar num sniper do clube, e aproveitava os fins de semana para praticar. “Velejar é como navegar na vida. É preciso estar sempre a manobrar em função do vento. Bolinamos se vamos contra o vento. Ou à popa se o temos a favor. Normalmente as provas, tal como a vida, são disputadas contra o vento”, filosofa o advogado.

Além de estudar, nadar e velejar, atravessou a adolescência adestrando a escrita, em textos literários para o Setubalense e reportagens para o Distrito de Setúbal, apetrechando a bagagem cultural com um sábio programa de leituras (os Maias, de Eça, e Cartas a um Poeta, de Rilke, foram dois dos livros que mais o marcaram), e cultivando na escola do cineclubismo um espírito oposicionista ao regime salazarista, alimentado em longos serões no Café Esperança (agora reconvertido em McDonald’s).

Começou o curso em Coimbra, mas rapidamente se mudou, instalando-se num quarto alugado em Lisboa, atraído pelo magneto da agitada vida literária e cultural da capital. No tempo que o Direito lhe deixava livre, frequentava assiduamente o nº 20 da rua da Escola Politécnica, onde estava sedeada a Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE), presidida pelo” impressionante” Aquilino Ribeiro, onde privou com José Saramago e a então sua mulher Isabel da Nóbrega, Ary dos Santos e outros nomes grandes da nossa literatura. “Nunca me esquecerei das conversas no CaféE Monte Carlo, noite dentro, com o David Mourão Ferreira”.

O jovem César prometia fazer carreira nas letras. Ferreira de Castro atribui-lhe uma bolsa, quando presidiu à SPE. Os três primeiros livros de poesia – Antemanhã, Boletim Meteorológico e Tratado de Geometria do Espaço – foram bem acolhidos nos cafés onde ele parava, o Aviz, Gelo, Brasileira. E a 4º obra, Post Scriptum (o nome que deu aos seus dois veleiros), recebeu o reconhecimento dos seus pares, ao ser distinguido, em 1962,  com o Prémio Revelação da SPE.

Membro da Comissão de Juventude da Candidatura Presidencial de Humberto Delgado, teve a oportunidade de presenciar, na qualidade de correspondente na capital do Notícias de Setúbal, à célebre conferência de imprensa, em que, questionado por um jornalista espanhol sobre o que faria a Salazar se fosse eleito, o general sem medo respondeu: “Obviamente demito-o!”

A sua passagem pelos anos 60 foi adequadamente atribulada, como convinha a esta década agitada. Em 62 viveu a crise académica que fez Jorge Sampaio emergir do anonimato e levou à demissão de Marcelo Caetano do lugar de reitor da Universidade de Lisboa. Em 64 interrompeu Direito e, com a ajuda de uma bolsa, foi estudar para Lausanne, de onde trouxe um diploma em Sociologia e um francês desenferrujado.

Em 69, o ano em que completou a idade com que morreu Jesus Cristo, despediu-se da edição com a publicação do seu último livro de poesias (Sismógrafo): Acabou o curso e dedicou-se a tempo inteiro à profissão. Primeiro no Ministério Público, depois no Contencioso da Petrosul (até à nacionalização da empresa), finalmente como advogado com escritório de porta aberta.

“Ser advogado implica levar uma vida de estudo permanente, ainda para mais num país como o nosso, muito abundante em produção legislativa. Para estar actualizado é preciso estar sempre atento às novas leis e não deixar nunca de ler acórdãos. E nos dias de hoje tratasse ainda de uma profissão mais exigente. Dantes, pressupunha-se que se era bom para se ter conseguido ser médico ou advogado. Ou, o mercado exige que se faça a prova quod est demonstratum de que se é mesmo bom ”, diz, explicando por que deixou de publicar.

Trocou a poesia pela prosa jurídica, mas manteve o amor pelas coisas do mar. Mal pôde, comprou um terreno em Sampaio (entre Sesimbra e Azeitão), ao pé do mar, e encomendou um veleiro da classe Janneau, de 37 pés, que baptizou com o nome do livro que valeu o Prémio Revelação da Sociedade Portuguesa de Escritores, e onde o filho único, que lhe herdou nome, profissão e paixão, aprendeu a velejar.

César Medalha Prata, o filho, tem 31 anos e depois de ter jogado râguebi no CDUL e FCT, aprendeu as manhas no mar na Baía de Sesimbra, onde no espaço de três/quatro milhas se apanham todas as mareações possíveis. “A vela é um desporto apaixonante porque exige uma entrega total. É preciso conhecer o barco, os ventos e as correntes para poder espremer o suminho todo do veleiro e conseguir o melhor aproveitamento das velas”, diz.

“A vela é importantíssima porque me dá tranquilidade e força para o trabalho. É muito bom ter o barco aproado, sentir o mar e o vento e ter o espírito ocupado com outras coisas para além do Direito”, afirma o pai, que tal como o filho, é federado na Federação Portuguesa de Vela e apesar de ainda não ter ganho a regata D.Carlos e D.Amélia, tem no papo já muitas vitórias – este ano, das regatas organizadas pelo Clube Naval de Sesimbra, o Post Scriptum, veleiro de 43 pés da classe Grand Soleil da família Pratas, só não ganhou uma (ficou em 2º).

“Uma das coisas fundamentais na vela é ter uma noção forte da hierarquia a bordo. Há um a mandar e a obediência tem de ser total. Dentro do barco, o skipper é Deus. Se manda virar de bordo ou de vela, mesmo que não se esteja de acordo, faz-se o que ele manda. Não há espaço para discussão”, explica o Pratas filho.

A dedicação extrema que ambos exigem é o grande ponto de contacto que o pai detecta entre a vela e o Direito. “A coisa mais parecida com o Direito é o xadrez. O trabalho do advogado é solitário. No xadrez, o bom jogador é aquele que é capaz de ver algumas jogadas à frente e de antecipar as jogadas da outra parte. No mar temos de saber antecipar as condições meteorológicas”, conclui o Pratas pai, chamando ainda a atenção para outra grande diferença entre o mar e os tribunais: “No final das regatas, vencedor e vencidos vamos todos confraternizar. Num processo judiciário quem perde fica mal disposto e não vai almoçar com o colega que o derrotou…”.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

Joaquim Moutinho

 Joaquim Moutinho, 58 anos, é dono de lojas de marcas como a Hugo Boss e a Max Mara, de que é o representante para Portugal. Durante 15 anos, celebrizou-se e correndo em pista, terra e asfalto, ao volante de carros míticos como o Renault 5 GT Turbo, Porsche Aurora e Opel Commodore GSE. Vencedor do Rali de Portugal, campeão nacional de ralis e de velocidade, foi nas corridas que aprendeu a não baixar os braços e ir buscar forças aonde não sabia que tinha para enfrentar com sucesso, no início da sua vida empresarial, duas crises graves (a dos incobráveis e a cambial), que lhe levaram 1, 3 milhões. “Neste mundo em mutação rápida, a vida no mundo dos negócios é cada vez mais aparecida com um rali cheio de nevoeiro e lama, em que não vemos nada à frente e não sabemos o que vai acontecer a seguir”, diz

 

 

Para celebrar a entrada na Faculdade de Economia e o 18º aniversário de Joaquim, o mais velho dos seus três filhos, o pai decidiu-se a oferecer-lhe uma bomba, o Datsun 1600 SSS, arranjado a bom preço pois, como empresário de plásticos e napas, era fornecedor do Entreposto, que montava em Setúbal os carros da famosa marca japonesa.

Mas ele, que acabara de tirar a carta e desde pequenino era vidrado em automóveis, declinou a oferta generosa. Agradecia muito, mas preferia um carro mais modesto, em segunda mão, e até já tinha um em vista: o Datsun 1200 posto à venda por Teresa Gil da Silva.

O pai fez-lhe a vontade (“Se é esse o carro que queres, seja...”) convencido de que ele estava a ser burro. Só mais tarde se aperceberia de que este estranho comportamento do filho foi o momento fundador de uma extraordinária carreira de piloto de automóveis, que se sagrou campeão nacional de ralis e de velocidade, e triunfou no Rali de Portugal.

Joaquim Moutinho, 58 anos, recorda este episódio numa sala do número 15 da rua das Condominhas, junto ao Largo do Calém e ao rio Douro, onde bate o coração do seu grupo empresarial, que factura mais de dez milhões de euros/ano, e onde convivem lojas da Hugo Boss com a representação e lojas de outras marcas de vestuário, como a Max Mara.

Ele sonhava correr no Campeonato de Promoção (como se chamava na época à competição para iniciados) de ralis e nos troféus. E o Datsun 1200 apesar de menos potente que o 1600 SSS, já vinha com roll-bar e corta circuitos, ou seja preparado para competir sem ser necessário gastar dinheiro que ele não tinha.

Manuel dos Santos Júnior viveu na ignorância da secreta ambição do filho até que numa sexta feira à noite, algures na Primavera de 1972, estava calmamente a ler jornal no sofá junto à lareira, na casa onde moravam, na rua Alexandre Braga, e Joaquim, com um ar comprometido, lhe interrompeu a leitura anunciando: “Pai, vou-me deitar mais cedo, porque amanhã vou entrar numa prova”.

“Vais entrar numa prova? Que prova?”, interrogou o pai, homem duro, deixando escorregar o jornal para o chão. Era o Rali do Académico, que começava com umas voltas ao Estádio do Lima, para estabelecer a ordem de partida, e se disputava em classificativas nocturnas que terminavam no alto de Santa Luzia em Viana do Castelo – a prova de estreia de Joaquim que para todo o resto da vida usaria o apelido da mãe (Lucinda Moutinho), porque, quando preencheu a papelada para tirar a licença desportiva, no ACP, em Gonçalo Cristóvão, não reparou no pedido para sublinhar os dois nomes porque queria ser conhecido. No entretanto, apareceu o Joaquim Santos que leu as letras pequeninas e ele ficou Joaquim Moutinho para todo o sempre.

Dificilmente o Rali do Académico podia ter corrido melhor. Nas voltas ao Lima, fez o 12º tempo, imediatamente à frente do seu amigo Pedro Meireles, um veterano que já andava nos ralis há quase um ano e meio, e que por isso partiu um minuto atrás, o que se viria a revelar uma bênção para Joaquim.

“O carro tinha a suspensão preparada para rampas e pista, No asfalto tudo bem. Mas na primeira classificativa em terra, em Orbacém, a traseira estava sempre a bater na terra. A princípio isso não incomodou. O que importava era que o carro andasse e virasse. Aqueles Datsun nem com um martelo partiam. Mas não demorou muito até o Meireles nos apanhar. Encostamos para o deixar passar a uma velocidade louca”, recorda.

Edgar Fortes, o navegador, fechou as notas, e disse a Joaquim: “Ou vamos atrás dele, ou vamos para casa”. Foram atrás de Meireles. Para o seguir, tiveram de andar à maluca. “Ele vai-se matar”, gritou Edgar ao ver como o carro da frente entrava numa direita lenta. “É impossível andar assim com esta lama e nevoeiro”, acrescentou. Estava enganado.

“Claro que era possível. Quando chegamos ao controlo, colados à traseira do Meireles, estavam lá quatro carros a recolher o carimbo. Foi nessa noite que aprendi a andar na terra”, garante Joaquim Moutinho. À chegada a Santa Luzia, reinava o entusiasmo e optimismo geral entre a maioria das cerca de 50 equipas participantes. Os tempos de penalização que declaravam deixaram-no apreensivo. “Por este andar, o último lugar é nosso”, comentou com Edgar.

No dia a seguir, domingo, foi fazer companhia ao pai que foi de carro para Lisboa. “Não correu lá muito bem”, respondeu quando o pai lhe perguntou que tal tinha corrido o rali. À chegada à capital, telefonou para Edgar e ficou surpreendido quando soube que tinham ficado em 4º na geral, apesar de serem estreantes, e competirem contra Porsches num carro de 60 cavalos e com a suspensão preparada para provas de velocidade. Afinal no alto de Santa Luzia, os outros navegadores tinham-se enganado nas contas de somar.

Na longa de viagem de regresso ao Porto, pela EN1, o pai perguntou o material de que precisava para poderem competir em pé de igualdade com os outros. E ofereceu-lhe dois amortecedores e molas. “O 4º lugar deu-me a sensação de que podia ganhar. Mas fiquei com vontade de provar o sabor da vitória com alguma rapidez”, explica. Não precisou de esperar muito. No rali, seguinte, o de S. Mamede, foi o primeiro na geral com o seu Datsun 1200 castanho metalizado. Era o início de uma bela carreira, que prosseguiria em todos os pisos, desde a terra dos ralis até ao asfalto quente das pistas.

Tinha sete anos quando pregou um enorme susto à mãe que o surpreendeu a manobrar o seu carro, um Fagst igualzinho ao Fiat 600. “Chegava aos pedais porque era grande para a idade e puxava o banco todo à frente”, conta Moutinho, que mede 1m85. O pai alimentou-lhe desde cedo esta paixão. Em 1960, quando ele acabou a primária no Colégio Italiano da rua da Restauração, ofereceu-lhe um kart MC 10  - e nas férias e fins de semana levava-o, a bordo do seu Lancia APP, até ao circuito de São Caetano, em Vilar do Paraíso (Gaia) onde ele demonstrava a suas habilidades precoces competindo taco a taco com pilotos bem mais velhos.

Os 15 anos em que foi piloto deram-lhe muitas alegrias e afinaram-lhe o carácter, mas obrigaram-no a desistir a meio do curso de Economia e a começar a ganhar a vida a trabalhar na empresa do pai, até que um dia, em 1986, sentiu que casado e  com 35 anos, tinha de fazer alguma coisa por ele próprio. Meteu-se num Mercedes 280E de 6 cilindros a gasolina e conduziu até Metzingen, na Alemanha, com o objectivo de ganhar a representação da Hugo Boss. Apesar de haver 92 candidatos, a reunião correu tão bem que no final o contrato estava apalavrado e ele foi ao armazém encomendar roupa.

A volta canhão de 2m05,45seg que fez no autódromo do Estoril (e que ainda é recorde do circuito) na primeira vez que se sentou no Opel Commodore GS/E e permanece é uma das boas recordações que guarda dos gloriosos tempos das corridas, até pelo sacrifício que implicou a compra do carro. “Como os patrocínios não abundavam, para comprar o Commodore ao meu amigo e grande piloto Carlos Santos tive de vender dois carros - um Datsun 1200 GX e um Alfa Romeu 2000 GTV com os quais cheguei a participar em várias provas - juntei todas as minhas economias, e ainda fiquei a pagar 12 prestações de 3.500 escudos, que era uma pipa de massa. E fiquei a andar a pé. Ia para a Faculdade de Economia de autocarro, o que até deu jeito porque naquela época os “burgueses” que tinham carro estavam sujeitos ao ódio revolucionário”, recorda.

A vitória no Troféu Datsun, em 1972, os triunfos no Nacional de Ralis (85 e 86), ao volante do seu mítico Renault GT Turbo, e no Nacional de Velocidade (81) com o não menos mítico Porsche Aurora preparado por Eduardo na sua célebre garagem na Foz, são os momentos Kodak de uma carreira a que pôs termo em 1986.

Abandonou por várias razões. O negócio de representação ocupava-lhe a semana e ao fim de semana tinha as provas, pelo ficava sem tempo para as três filhas que tinha (uma de sete e as gémeas, com cinco, a que se viria a juntar, nove anos depois a mais nova, que tem agora 15 anos) – uma das quais é casada com o filho de Rui Moreira, o presidente da Associação Comercial do Porto. E, last but not the least, o ano da despedida ficou marcado por dois acidentes muito graves. No Rali da Rota do Sol o susto foi tão grande que quando saiu do carro não conseguia aguentar-se de pé. E nos Açores, saiu do R5 GT Turbo in extremis, imediatamente antes do carro começar a arder.

“Tomei a decisão de abandonar no dia do acidente dos Açores. O carro ficou totalmente destruído. Acabamos o campeonato no Alto Tâmega com um carro emprestado pela fábrica, que pesava menos 200 quilos que o nosso e tinha sido do Jean Ragnotti. Pediram-nos para ter muito cuidado com ele porque ia a seguir para o museu da Renault”, diz Moutinho, que questionado sobre os pilotos que mais admirou, nomeia Ayrton Senna , na velocidade, e Henri Toivonen, nos ralis, “dois supra sumos em termos de rapidez”, mas não esquece a inteligência fria de Alain Prost.

“A pista é muito diferente dos ralis. O fundamental é a análise detalhada dos pormenores que todos juntos fazem a diferença. O que conta é a constância e o rigor em todas as voltas. Não é nada fazer uma volta a 1m52, a seguinte a 1m50 e a terceira a 1m54. É fundamental saber gerir os pneus e perceber que uma corrida começa a ganhar-se nos treinos”, explica.

Na velocidade, está-se em confronto directo com os outros competidores, sabe-se sempre em que lugar se vai. Nos ralis já não é assim  - é um contra-relógio. “Cada um de nós anda sozinho, entregue a si e ao co-piloto, que é tão importante como o condutor. Há o inesperado, a lama, a chuva, a noite e o nevoeiro”, compara Joaquim, que agora conduz um BMW 7.30 D, com cinco anos “e não tem um barulho”.

O que é mais parecido com a vida? O rali ou a velocidade? “No princípio é uma mistura das duas coisas. É preciso aliar o rigor e consistência da pista com a capacidade de improviso e o instinto que leva a fazer as coisas certas e evitar as erradas, que se ganham nos ralis. Mas agora com o mundo em mutação rápida, a vida no mundos dos negócios é cada vez mais aparecida com um rali cheio de nevoeiro e lama, em que não vemos nada à frente e não sabemos o que vai acontecer a seguir”.

“Nas corridas aprendi a enfrentar as dificuldades, a não baixar os braços e a ir buscar forças que não sabia que tinha”, concluiu Joaquim Moutinho, que bem precisou dessa capacidade para, nos primeiros anos da sua vida empresarial, ultrapassar com sucesso duas crises bem graves: a dos incobráveis, em que perdeu 800 mil contos, e a cambial, que lhe levou meio milhão de contos.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

Serafim Ribeirinho Soares

Apesar de pilotar um Lotus, Jim Clark foi o seu primeiro ídolo. Mas Ferrari foi a marca que ele sempre venerou, numa admiração que se estendeu naturalmente aos pilotos que deram grande alegrias à escuderia de Maranello, como Nikki Lauda, Clay Regazzoni ou Michael Schumacher.

Foi preciso chegar aos 47 anos para ter bolsos suficientemente fundos para comprar o seu primeiro e único Ferrari, um 360 Modena, que comprou e vendeu pela mesma razão – e lhe proporcionou a mais estreita das ligações entre a sua paixão pela velocidade e profissão de cirurgião plástico.

“O Modena era um carro fantástico. Comprei-o pelo trabalhar do motor. Quando passava toda a gente virava a cabeça. E vendi-o pelo mesmo motivo. O trabalhar era muito bonito mas a partir de determinada altura não conseguia mais aguentar aquele barulho. Mas ainda o tive dois anos”, explica Serafim Ribeirinho Soares, 55 anos, dono da clínica Artlaser na Foz do Douro, Porto, um cirurgião plástico que não consegue deixar de ser infiel aos carros. Há um par de semanas, usa um Porsche Cayenne S Hybrid, que substituiu um Panamera que apesar de qualificar como “o melhor estradista que já guiei”, não durou mais de nove meses nas suas mãos.

Foi ao volante do seu Ferrari Modena que sofreu o único das largas dezenas de acidentes que pontuam a sua vida que o obrigaram a recorrer aos serviços de um colega cirurgião plástica. Foi algures em 2002, seguia calmamente pela Diogo Botelho, em frente à Católica, quando foi abalroado por um jipe que vinha a alta velocidade de uma transversal. “Tive culpa zero, mas no final acabei por ser eu a pagar a conta, que não foi pequena”, comenta Serafim, tenente coronel médico na reserva, que tem no seu gabinete um retrato seu assinado por Lanhas, que ele caracteriza como “um amigo e a pessoa mais interessante que conheci em toda a minha vida”.

Ao longo dos 28 anos que leva como cirurgião plástico, Serafim calcula lhe tenham passado pelas mãos mais de 14 mil pacientes, dos quais muitos passageiros frequentes da revistas sociais, cujo nome se escusa revelar, em obediência aos regras da deontologia médica. Limita-se a garantir que nunca tratou pessoalmente de José Castelo Branco apesar desta socialite por mais de uma vez ter afirmado publicamente que recebeu tratamento na sua clínica.

Serafim herdou do pai - um clínico geral homónimo que apesar de já contar com 85 anos mantém o consultório aberto (ele não tem outro hóbi senão a Medicina”, explica o filho) – o gosto pelos automóveis. Foi nos jardins da casa em que cresceu, na rua do Falcão, em campanha, que pela primeira vez agarrou num volante e engrenou uma velocidade no Volvo 444 “marreco” do pai, quando ainda tinha nove anos, mal chegava aos pedais e recebia a educação básica ao domicílio, leccionada por uma professora particular – regime também aos seus três irmãos mais novos, duas irmãs e Jorge (que é engenheiro agrónomo), seu companheiro de precoces aventuras e desventuras automobilísticas.

Quando a mãe tirou a carta, estava ele a entrar na adolescência e aproveitou a oportunidade para assistir às aulas de código e assim completar uma formação prática feita em regime autodidacta mas que implicou largos prejuízos às finanças domésticas. Lembra-se, entre outras coisas, de ter batido, nos jardins da casa de Campanhã, com o Fiat Sport do pai, pequena e involuntária patifaria, principalmente se comparada com as malfeitorias protagonizadas pelo irmão, que uma vez deu cabo da frente do Volvo paterno e noutra ocasião destruiu o Austin Maxi novinho em folha que um amigo da família deixara à entrada de casa. “O Volvo era muito alto e como ele estava a tirá-lo em marcha atrás não dava para ver que o outro carro estava em cima da rampa”, alega Serafim, como atenuante para as desgraças perpetradas pelo irmão mais novo.

“ O pai nunca nos bateu. Ficava muito zangado, tentava mostrar-nos o que estava certo e errado, e insistia muito para que não voltássemos a cometer os mesmos erros. Mas nunca nos levantou a mão”, recorda Serafim, que fez o secundário no Colégio Almeida Garrett (que fora fundado por um ti bisavô) e sempre pensou em ser médico, ambição que atribui à influência do pai, que acumulava o consultório com a prática de Medicina do Trabalho na Hidroeléctrica do Cávado (que viria a integrar-se na EDP).

Cresceu numa família que não ligava a futebol, mas estava consciente da importância do desporto na formação de um jovem. Fez equitação, na GNR, até o tempo livre começar a escassear após entrar para a exigente Faculdade de Medicina do Porto. E foi dos primeiros a aderir à moda do karaté, mal esta arte marcial se começou a instalar e popularizar no nosso país, durante os anos 60.

No Soshinkay, na rua Pinto Bessa, foi obrigado a fazer muita ginástica e educou a sua força de vontade. “Para se vencer no karaté é preciso ter uma concentração muito grande”, afirma, acrescentando que o hipismo lhe deu disciplina, rigor e equilíbrio: “Aos domingos, acordava às seis da manhã para ir para os cavalos, onde vigorava uma disciplina militar. O capitão Frazão tratava-nos como se fossemos recrutas”.

Serafim sublimava a montar em cavalos de carne e osso a impossibilidade de dar livre curso à sua paixão pelos motores com muitos cavalos. Como o pai não lhe dava o dinheiro que lhe permitisse concretizar o sonho de ser piloto de corridas, devorava o Motor e o Volante, deleitando-se com os feitos de Carlos Santos, um dos seus heróis.

Jura que só andou pela primeira vez com um carro na rua quando tirou a carta, com 18 anos, em 1972. “Antes do 25 de Abril a polícia era danada e ser apanhado a conduzir sem carta dava direito a prisão”, explica. Não foram muito auspiciosos os seus inícios ao volante do seu primeiro carro, um Fiat 850 Sport vermelho. Logo no primeiro acumulou 21 acidentes, boa parte deles nos descampados vizinhos do Hospital de S. João, quando testava os limites do carro e treinava algumas habilidades. Certo dia, à saída das aulas, com uma mão no volante e outra dependurada na janela, fez uma curva mais apertada, o Fiat bateu no passeio e capotou. A mão que ia de fora ficou tão maltratada que teve de fazer meia volta e dirigir-se à Urgência para receber tratamento. “Andava depressa demais”, reconhece.

Atendendo à sua mania das velocidades, no final da adolescência deixou-se seduzir pelos karts, a cuja prática teve acesso através de Luís Filipe Figueiredo e Silva, seu colega no Almeida Garrett, cujo pai, “que era engenheiro e uma pessoa fantástica”, tinha uma oficina por debaixo de casa onde morava, na rua de Bessa Leite.

No negócio da venda ao engº Figueiredo e Silva do Citroen DS do pai (que só gostava de Mercedes e apenas tinha comprado o carro francês, cuja suspensão era gabada, porque tinha acabado de ser operado às costas) Serafim arranjou maneira de ficar dono de uma kart Zip, com motor Comet, em que atingiu velocidades na ordem dos 100 km/hora em provas no circuito de S. Caetano, em Miramar, até que um dia sofreu o mais grave de todos os seus acidentes. “Não morri por acaso”.

Como não podia deixar de ser, ia de gás. Tinha acabado de entrar, fez uma ultrapassagem, desfez uma curva para a direita, ainda passou a parabólica, mas os pneus estavam frios e na curva seguinte saiu em frente contra um poste, o capacete, que estava mal apertado, voou e a sorte dele foi que não bateu com a cabeça, antes com as partes baixas, e ficou inconsciente. “Magoei-me a sério. O susto foi tão grande que deixei os karts”.

No final do curso, esteve dois anos a fazer a periferia em Boticas, antes de passar no exame para médico militar e corrigir o tiro quanto à especialidade. Ser cirurgião geral era o seu projecto até conhecer o cirurgião plástico Paralta de Figueiredo. Quando regressou às corridas em 97, já tinha participado na primeira lipo-aspiração realizada no nosso país (em 1983, no Hospital S. João) e na mais complicada operação da sua carreira, que demorou mais de 24 horas e teve lugar na Casa de Saúde da Boavista, e envolveu, entre outras coisas, o transplante de dedos dos pés para as mãos de um politraumatizado que tinha sofrido um grave acidente de viação.

Andou pelos troféus, primeiro pelo Fiesta, depois pelos Toyotas, até que um dia o Carlos Rodrigues, que era seu vizinho, lhe tentou vender um Escort, negócio que nunca se veio a concretizar, devido a uma irremediável diferença entre os preços pedido e oferecido, mas que acabaria por ser involuntariamente decisivo no ingresso de Ribeirinho Soares no Nacional de velocidade, na categoria de Clássicos.

As coisas passaram-se assim. Serafim e Carlos Rodrigues estavam a assistir ao Circuito de Vila do Conde, quando, após uma passagem de Mário Silva ao volante de um Chevron B19, o cirurgião plástico desabafou com o amigo e vizinho: “pelo preço que tu me pedes pelo Escort, eu compro em Chevron”. Tudo poderia ter ficado por aqui se não se desse o facto de Carlos Rodrigues não tivesse posto a circular no mercado que o Ribeirinho Soares estava interessado em comprar um Chevron.

O boato chegou aos ouvidos de Carlos Barbot, que pouco tempo depois ligou a Ribeirinho Soares, estava ele de férias a comunicar-lhe que tinha comprado uma barqueta para os dois e que em Setembro iam experimentá-la. Serafim não disse que não. E em Setembro, estava em Silverstone ao volante de um Lola T 212. “Apesar de estar a chover e de nunca ter guiado um carro daqueles, ajeitei-me. E fiz um tempo que todos consideraram fantástico”, relata. Fez negócio.

Logo na primeira prova do Nacional de Velocidade, no ano 2000, em Braga, fez um pódio (2º lugar). E com o Lola seria por das vezes consecutivas campeão nacional (2005 e 2006) que continua a disputar, agora com um Porsche 934.5 . “As corridas representam um escape da minha actividade profissional e obrigam-me a fazer diariamente preparação física”, diz Serafim, acrescentando que a sua melhor característica como piloto é “ser muito ousado e atirado para a frente” e o principal defeito a dificuldade que tem em afinar os carros, que deriva do facto de ter começado tarde.

“Há uma comparação perfeita entre ser cirurgião e piloto. Quando estou a disputar uma prova, tenho de estar super-concentrado, não posso pensar em mais nada, e estou sempre a tentar superar-me. Quando estou a fazer cirurgia passasse o mesmo. Tenho de estar super-concentrado e a superar-me”, concluiu.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada em O Jogo

 

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2012
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2011
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2010
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2009
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2008
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2007
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub