Começar a Ibéria pelo futebol
Não é para me gabar, mas esta minha crónica foi publicada há três meses, a 25 de Setembro, ainda a Bússola era apenas um projecto, no diário económico Oje
Estou satisfeito como adepto mas alarmado como observador da evolução desta divisão da indústria portuguesa do entretenimento.
A hegemonia do Porto é perniciosa para o negócio.
A ausência de «suspense» não é boa para as audiências da Sportv e vendas do Record e da Bola (que se despenham sempre que o Benfica não ganha, como o seu director já confessou).
E as receitas da venda de camisolas e lugares na Luz e em Alvalade caem a pique a partir do momento em que sportinguistas e benfiquistas se convencem que o clube da sua paixão não será campeão.
Ganhar sempre o mesmo (e ainda para mais um clube antipático, periférico e minoritário) não só é mau para o negócio como, ainda por cima, aumenta a crispação na sociedade portuguesa, faz subir a tensão Norte/Sul e agrava os ódios regionais.
Tem ainda efeito secundário de conferir uma dimensão despropositada a epifenómenos como o Apito Dourado ou a atribulada vida sentimental do presidente portista – que não mereceriam 5% do espaço que os Media lhes concedem se o Benfica fosse bicampeão e liderasse a Liga com uns confortáveis seis pontos de avanço sobre o FC Porto.
Ainda recentemente, no consulado Schumacher, a Fórmula 1 sofreu na pele as mortíferas consequências para o negócio da ausência de surpresa quanto ao desfecho desportivo das provas. Reagiu, mudando as regras do jogo para garantir um maior equilíbrio competitivo.
Para combater o veneno do tédio, a NBA fundou-se sobre um conjunto keynesiano de regras, que compreendem um tecto salarial e um sistema de recrutamento de novos valores que concede a primazia na escolha aos piores classificados da época anterior.
As soluções inventadas pela NBA e Fórmula 1 não podem ser mecanicamente transpostas para o negócio do nosso futebol, condicionado à observância da gramática da UEFA.
Não é fácil a tarefa de impedir o longo bocejo dos adeptos e estimular a competição, tanto mais que a hegemonia portista é apenas um das faces do problema neste negócio centralista e que rola a duas velocidades.
Em 73 campeonatos, só por duas vezes a vitória escapou ao trio do costume: em 1946 (Belenenses) e o Boavista (2001). Em Portugal, só cinco clubes foram campeões. Em Espanha foram nove, em Inglaterra 23, em Itália 16, na França 19, na Holanda 26 e na Alemanha 28.
As consequências deste afunilamento estão à vista. O Porto teve mais adeptos no seu último jogo no Dragão (39.200 espectadores no jogo contra o Marítimo) do que o Paços de Ferreira em todos os 15 jogos da última época (32.392 espectadores).
A solução para este negócio desconchavado e sem suspense, ferido pelo centralismo, é começar a construir a Ibéria pelo futebol - e adicionar Porto, Benfica e Sporting à liga espanhola.
Jorge Fiel