A democracia está a precisar de obras
Patrizia tem hábitos pouco saudáveis, como por exemplo o de fumar
“Devias fazer sexo sozinha, masturbar-te com mais frequência”. Quando li esta sugestão de Berlusconi a Patrizia D’Addario, a primeira coisa que me veio à cabeça foi que o primeiro ministro italiano estava preocupado com a eventualidade desta sua fornecedora de serviços sexuais apanhar a Gripe A.
Como a generalidade das pessoas anda apavorada com o H1N, os jornais listam precauções a tomar, dando conselhos tão curiosos como afastarmo-nos das multidões nos transportes públicos e evitarmos accionar portas ou maçanetas – um luxo apenas ao alcance de magnatas como Américo Amorim, que emprega um cavalheiro simpático, que além de motorista e guarda costas, o poupa a tarefas tão desagradáveis como abrir portas ou fazer telefonemas.
Afinal a recomendação do uso e abuso da masturbação não tinha nada a ver com as preocupações sanitárias que levam as autoridades a aconselhar substituir os beijos “por uma frase de saudação, quando muito acompanhada por um aperto de mão”.
A leitura das transcrições dos suculentos telefonemas de Berlusconi permitiu-me saber que ele propôs que a Patrizia se deixasse lamber por uma amiga, uma prática perigosa, pois ela podia estar infectada sem o saber, porque o vírus da Gripe A tem sete dias de incubação.
Além de tudo, seria altamente ruinoso para Patrizia se ela acatasse o conselho de fazer sexo sozinha, pois ela cobra cinco mil euros ao cliente, de cada vez que faz sexo acompanhada.
Os devaneios eróticos deste septuagenário - que apesar do seu curriculum de trafulhices logrou ser reeleito líder de um dos sete país mais ricos do Mundo pelos descendentes de Leonardo, Galileu e Dante – suscitam-me interrogações sérias sobre o quão desadequada e gasta está a democracia ocidental.
A sensação de que expirou o prazo de validade da velha frase batida de Churchill - “A democracia é o pior de todos os sistemas políticos, com excepção de todos os outros” - reforçou-se quando soube que o presidente francês e a sua esposa pop gastaram, em 2008, 760 euros por dia em flores – ou seja mais do que 80% dos portugueses ganham num mês.
Olho para o espectáculo da elaboração das listas de deputados, ouço o que se disse e fez no Chão da Lagoa, vejo o Porto a apagar-se e sem voz - apesar de ter gerado os dois mais notáveis empresários do país (Américo e Belmiro) e vibrantes e indiscutíveis pólos de excelência, como Serralves, a Universidade, o FC Porto e a Casa da Música - , e mais me convenço de que o edifício democrático, construído quando não havia nem telefone, nem televisão, nem Net, nem aviões, está a precisar de profundas obras de restauro.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias