O meu Mini não é de confiança
O problema era na caixa de velocidades, mas isso só foi apurado três dias depois do final desta história, que, no seu essencial, se passou há cinco anos na A1, na tarde quente de uma sexta-feira de maio, e foi protagonizada pelo Mini Clubman branco, de 1974, que comprei no início do século, na segunda vez que tive de emigrar para Lisboa.
Já há um par de meses que o carro se queixava. E para o fim era o cabo dos trabalhos para ele vencer, em primeira!, a ligeira rampa da garagem do edifício da Impresa, em Paço de Arcos.
Decidi esperar, porque o meu regresso ao Porto, que eu acreditava ser o definitivo, estava por semanas e preferia entregar o carro aos cuidados do António Santos, o mecânico de Arcozelo que é provavelmente o maior especialista vivo em Minis.
Sexta acordei mais cedo, atulhei o carro com roupa, livros e CD, acondicionados naquelas caixas vermelhas dos CTT. Ao início da tarde, após ter fechado pela última vez o caderno de Economia do "Expresso", guiei devagar pela Marginal até Santa Apolónia.
Fiquei para a minha vida e sem saber o que fazer depois de ter sido informado por um papelinho, colado no portão do serviço auto, que o transporte ferroviário de viaturas tinha sido descontinuado em abril.
Apesar de estar careca de saber que o Mini não estava com saúde para a grande viagem, não havia outra solução senão fazer-me à estrada. Não o podia deixar ficar para trás, abandonado numa rua em Lisboa, com a tralha acumulada durante três anos e meio à vista dos olhares gulosos dos amigos do alheio.
Aguentou com garbo até à Serra dos Candeeiros. Ao km 104 claudicou. O motor trabalhava, as velocidades entravam, mas o Mini não se mexia. O reboque demorou apenas mais uns minutos que a meia hora prometida pela menina da Assistência em Viagem. Estava eu a começar a fazer conversa com o condutor do reboque, que julgava me iria levar ao Porto, quando ele virou para a área de repouso de Fátima, onde deixou parte da carga (eu e as caixas) e me disse para esperar por um táxi que me viria buscar - e avisou que o Mini só na segunda estaria em Arcozelo.
O taxista, que demorou uns 20 minutos a chegar, era uma tagarela que me alarmou logo de entrada, ao dizer que estava com problemas nos travões, e me surpreendeu ao sair da autoestrada em direção a Leiria. "Tenho instruções para o levar a uma rent-a-car", respondeu quando eu protestei dizendo que o meu destino era o Porto.
Foi ao volante de um carro coreano (talvez tão pequeno como o meu Mini mas que tinha a enorme vantagem de tratar as subidas por tu) que fiz a última etapa desta atribulada viagem, que recordo a propósito desta edição do nosso JN em que o verbo confiar é conjugado em todas as secções. O moral que tiro desta aventura é duplo. Apesar de não ser simples, o serviço de Assistência em Viagem revelou-se confiável. Apesar de não ser de confiança, eu continuo a gostar muito do meu Mini Clubman, fabricado no ano da Revolução dos Cravos.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias