Este ano, a Maria não vai dar prenda de Natal ao Aníbal. Fiquei tão intrigado com isto que até me passaram duas explicações pela cabeça enquanto viajava do título de 1ª página do JN até à pág. 20 da Notícias Magazine, onde estava a notícia.
Será que ela ainda está chateada por o homem ter promulgado o casamento gay? A este primeiro pensamento sucedeu um outro. Na campanha para as presidenciais, em que tem a reeleição garantida mesmo que repita a graçola de encher a boca de bolo rei, Cavaco respondeu que até tinha ficha na Pide, quando Alegre puxou dos galões de antifascista .
Vai-se a ver e a ficha da Pide não passa de respostas anódinas a um questionário de rotina, em que a única curiosidade reside em saber que ele achou por bem acautelar que não privava com Maria Mendes Vieira, com quem o sogro se casara em segundas núpcias.
Mas não. Não é por causa do casamento gay, nem por o marido não ter engraçado com a madrasta dela, que Maria não lhe dá prenda. O motivo é a contenção. Este ano, no Possolo, os adultos ficam a seco e são aconselhados a mandar o dinheiro das prendas para uma instituição de solidariedade social.
Fiquei horrorizado com esta atitude miserabilista. Aníbal e Maria têm uma vida bonita, os filhos estão criados, não devem ao banco, já não têm aplicações nem acções do BPN, e entre reformas e vencimento ganham uns bons 15 mil euros limpos todos os meses. Chega para prendas e sobra para ser solidário. E, já agora, permitam-me um reparo a Maria: o bem deve praticar-se em silêncio e é preciso ter muito cuidado a distinguir a filantropia da responsabilidade social da bolorenta caridade do bodo aos pobres.
Dias depois, reparei que Passos Coelho foi contaminado pelo miserabilismo natalício da primeira dama e anunciou que só a mais nova das suas quatro filhas vai ter prenda no Natal. Já começo a acreditar no estudo da OMS que diz que um em cada cinco portugueses sofre de perturbações mentais – só estou preocupado pelos lugares ocupados pelos lelés da cuca …
“Um dos riscos da actual crise é que as pessoas deixem de gastar e isso seria muito mau”. Peço a Maria e Pedro para que, antes de abrirem mais a boca, reflictam nesta frase sábia dita por Vítor Bento, o economista que Aníbal nomeou para o Conselho de Estado, em substituição do seu antigo amigo Dias Loureiro.
No entretanto, fico a pensar se perco o amor a uns 40 euros e ainda hoje vou à Fnac comprar prendas para Cavaco (Utopia, de Thomas Moore, ou Morte em Veneza, de Tomas Mann) e a Passos Coelho - talvez o Ser e o Nada, de Sartre, porque aquele que ele gosta muito (A Fenomenologia do Ser) e até leu antes de Kafka vai ser muito difícil de encontrar, porque não existe.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
Natal não é só quando um homem quer, também é para a semana e, como de costume, estou atrasado na minha lista de prendas. Não deixa de ser irónico que Jesus Cristo, cujo nascimento vamos comemorar, tenha sido poupado a duas das coisas mais difíceis que um homem tem de fazer: viver com uma mulher e fazer a lista de compras de Natal.
Tudo é delicado, logo a começar pela delimitação do perímetro de beneficiários. Trata-se de uma troca de presentes, o que quer dizer que podemos embaraçar uma pessoa ao dar-lhe uma prenda, quando a ela nunca lhe passou pela cabeça dar-nos outra coisa senão o desejo de um bom Natal!
Para evitar ser eu a ficar enrascado, tenho sempre dois ou três presentes de reserva, com a etiqueta pronta a ser preenchida em caso de emergência. Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Quando, na noite dos Óscares, não se vê um lugar vazio no Kodak Theatre isso não quer dizer que os convidados apareceram todos e a horas, mas sim que a organização contratou figurantes vestidos a rigor e prontos a ocupar as cadeiras vagas um minuto antes das televisões entrarem em directo.
Elaborada a lista, há que escolher a prenda adequada ao gosto e necessidade de cada beneficiado e compatível com o dinheiro que estamos dispostos a gastar com ele. A dificuldade no cabal desempenho desta tarefa variaem função inversamente proporcional ao tamanho do nosso orçamento. Quanto maior ele foi mais fácil é. Não há quem não apreciereceber um Rolex verdadeiro ou uma caixa de robalos fresquinhos. E um Mercedes novo dá jeito a toda a gente.
Como os tempos não estão para brincadeiras, há que evitar o desperdício. O economista Joel Waldfogel estima em 25 mil milhões de euros o valor destruído no mundo com as prendas de Natal. Mais vale oferecer meias ou cuecas, mesmo correndo o risco de enfrentar um sorriso amarelo e ouvir a frase : “Estava mesmo a precisar…”.
Last, but not the least, há que valorizar as ofertas. Está provado que as pessoas avaliam as prendas que recebem em 20% menos do que custaram, um problema que não é de fácil ultrapassagem, pois não é educado deixar ir a etiqueta com o preço. Não é por acaso que no Natal 2008 o Tom Cruise gastou 4.900 euros só em papel de embrulho.
Com o seu nascimento, Jesus arranjou-nos uma data de chatices. Valha-nos que o inquérito da Deloitte revela que as famílias portuguesas encaram o futuro com optimismo e por isso, este Natal, vão gastar 620 euros mais que as inglesas (600) e as alemãs (485).
Eu aderi a esta onda positiva. Ao fim e ao cabo, o consumo natalício pode ser o Viagra de que a economia precisa para se endireitar. E, como avisa o Warren Buffet, “ter o dinheiro parado é como deixar o sexo para a velhice”.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
O meu filho mais novo tem oito anos e não acredita no Pai Natal.
O João acredita no Natal e acredita que o pai tem influência na quantidade e qualidade das prendas que vai receber no Natal - e ele tem um medo terrível de lhe calharem caixas vazias, ou seja de abrir os embrulhos e não estar nada lá dentro!
Mas não acredita na existência do Pai Natal, esse velho com 1600 anos que encabeça a lista dos mais ricos da Forbes, na categoria de milionários de ficção, atirando o Tio Patinhas para um vergonhoso quarto lugar.
O valor da fortuna do velho pançudo e de barbas brancas, que anda sempre vestido de vermelho, é considerado incalculável pela Forbes, o que até se compreende se levarmos em conta que é dono de um rentável fábrica no Pólo Norte, onde são produzidas as prendas que são distribuídas no Natal a crianças de todo o Mundo.
Eu sou como o João e sempre desconfiei de todos os Pais Natais,numa atitude cínica que o povo na sua sabedoria condensou numa frase: “Quando a esmola é grande, o pobre desconfio”.
Não acredito no Pai Natal, mas acredito no Natal, tal como o João, os comerciantes (que fazem nesta época 30% do seu negócio anual) e os industriais (que fornecem os comerciantes).
Quando se sabe que 40% dos livros são vendidos no Natal, dá pena ver a Byblos morrer quando a praia podia estar à vista.
Quando se sabe que 70% do dinheiro das prendas é gasto em roupa e sapatos, ficamos a fazer figas para que a quebra seja ligeira e não fustigue demasiado as indústrias de têxtil e de calçado.
Para já, o cenário de catástrofe parece afastado. A Deloitte calcula que vamos gastar menos que 4,8% do que no ano passado. Na primeira quinzena, os levantamentos no multibanco caíram 80 milhões de euros face ao mesmo período de 2007, mas as compras com cartão estão estacionárias. É capaz de ser o pior Natal desde a recessão de 2003. Mas esperemos que não seja o pior desde 1984.
A mais preocupante crise desde que vivemos em democracia (ministro das Finanças dixit)obrigou o primeiro ministro a vestir o fato vermelho e disfarçar-se de Pai Natal.
Para reanimar a economia, Sócrates promete gastar dois mil milhões de euros em prendas para as famílias e as empresas. É muito dinheiro (1,2% do PIB) e os embrulhos são vistosos – estradas, barragens, escolas, rede de banda larga, crédito fácil para as empresas, 100 mil empregos, menos IRC, descida do IMI, aumento deduções no IRS, etc.
Mas eu estou com um medo terrível, igual ao do João, de abrir estas prendas e deparar com caixas vazias .
Em Junho, no debate sobre o Estado da Nação, Sócrates anunciou uma bela prenda às famílias: a redução para metade do preço dos passes dos transportes públicos para os estudantes.
Abri a prenda e fiquei desiludido. Os 50% de desconto eram sobre o valor da assinatura (23 euros/mês, no caso do passe Cidade no Porto) e não sobre os 18 euros que o João paga, como menor. E a poupança de 6,5 euros tinha um custo elevado. O passe do Sócrates só dá para o percurso casa-escola-casa e não serve ao fim de semana.
Ontem fui à Baixa. O destino final era o Media Markt de Fernandes Tomás, mas o trânsito estava de tal maneira entupido que desisti de lá chegar com o automóvel. Deixei a minha carrinha Fiat Marea estacionada em frente ao Palácio da Justiça.
A propósito do Palácio da Justiça, abro um parêntesis para desabafar que não é feita a devida justiça ao mais lídimo exemplar portuense da arquitectura Estado Novo- prima direita das majestosas arquitecturas soviética e nazi/fascista.
Foi sábia a decisão de deixar o carro junto ao Jardim da Cordoaria. Por sugestão do João (o mais novo dos meus três filhos tem sete anos) embarcamos na roda gigante instalada na praça fronteira à Cadeia da Relação.
A roda gigante veio mais uma vez provar a justeza da opção dos arquitectos da Porto 2001 de deixar as praças da Baixa despedias de ornamentação supérflua, preferindo-as como uma folha de papel em branco que os cidadãos se vão encarregando de preencher.
É nas despojadas praças da cadeia da Relação e D. João I , e na não menos despida avenida dos Aliados que estão provisoriamente instalados equipamentos de diversão natalícia – a árvore, uma pista de patinagem e a roda.
Voltando à roda, há a referir três boas surpresas: o preço (a viagem de cinco voltas é de borla) , a formidável vista que proporciona – foi bonito ver ao entardecer a árvore de Natal e a Torre dos Clérigos – e a confirmação da beleza minimal da reconversão do Jardim da Cordoaria dirigida por Camilo Pinto, que devolveu aos habitantes da cidade um gueto nocturno outrora apenas usado por «gays» ao engate e era um santuário da prostituição masculina.
A árvore do Natal do Millennium inspira-me sentimentos contraditórios.
A favor, tem o facto de ser linda, atrair gente e animação – e ser adorada pela ganapada.
Contra, há a contabilizar o duplo desperdício energético – não só da energia que a iluminação que ela consome mas também os gastos que induz ao engordar (e de que maneira) os engarrafamentos natalícios.
O Media Markt é um óbvio e valoroso melhoramento para a Baixa. Já o Gran Plaza (o mais recente centro comercial do Porto de que o Media Markt é a âncora) foi para mim uma enorme decepção.
A inauguração do Gran Plaza foi no essencial boa para o seu vizinho e concorrente Via Catarina, que está a bater recordes de vendas, surfando em cima da curiosidade motivada pela dupla Media Markt/Gran Plaza.
Acabei a minha excursão à Baixa descendo Santa Catarina até à Batalha, onde lamentei uma vez mais a longa frequência (passa de meia em meia hora) e a estreiteza do horário (acaba às 19h00) do eléctrico da linha 22.
Eu e o João gostaríamos muito de ter tido a oportunidade de regressar de eléctrico até à zona dos Leões, onde tínhamos deixado a Fiat Marea.