Relvas e o anticiclone dos Açores
Quando era miúdo, sentir a voz dos nossos egrégios avós não me chegava. As glórias do passado sabiam a pouco. Queria motivos contemporâneos, mas o presente era avarento em razões para me orgulhar de ser português.
Éramos o maior produtor mundial de cortiça, tínhamos a Amália, o Eusébio e o anticiclone dos Açores, mas quem nos levava à vitória eram os Adriões, Rendeiros e Livramentos, que, de stick na mão, conquistavam torneios de Montreux, Europeus e Mundiais, levantando de novo o esplendor de Portugal em duelos apaixonantes com a Espanha, novas Aljubarrotas transmitidas em direto em emocionantes relatos feitos por grandes vozes da rádio, como Artur Agostinho.
À ilusão alimentada pela glória nos rinques sucedeu a desilusão quando percebi que o hóquei em patins é uma coisa de trazer por casa, com muito menos impacto internacional que o curling, que é um desporto olímpico.
O interesse pelo hóquei resume-se a Portugal, Espanha, Itália, parte da Argentina e o Sertãozinho, no Brasil. Para o resto do mundo está ao nível do carolo em pista coberta.
O joelho traiu Eusébio, a voz traiu Amália e o mundo não estremecia de admiração perante as nossas vitórias no hóquei. De desilusão em desilusão, temi que a importância que o anticiclone dos Açores tinha no Boletim Meteorológico tivesse sido hiperbolizada pelo Anthímio de Azevedo e o Olavo Rasquinho.
Mas não. O anticiclone dos Açores, na sua qualidade de grande centro de altas pressões, influencia benignamente o tempo e o clima em vastas regiões do Norte de África, Europa e América, ao contrariar a ação nefasta do ciclone da Islândia.
As pressões, sejam altas, médias ou modestas, não existem só na atmosfera e podem ser virtuosas. Eu, por exemplo, pressiono o meu filho João a estudar, para ser melhor aluno. E a tática da pressão alta, introduzida por Mourinho, deu excelentes resultados no FC Porto.
Os empreiteiros e banqueiros pressionaram os governos para obterem contratos ultravantajosos nas PPP. O mal não está em terem feito pressão, mas sim em os terem conseguido, porque o dinheiro de que os governantes tão facilmente abdicaram não era deles, mas nosso - dinheiros públicos que deviam ser sagrados e foram desbaratados em contratos suspeitos.
Políticos, empresários, dirigentes desportivos, agentes culturais e profissionais de comunicação pressionam jornalistas para colocarem as suas ações e ideias sob uma luz mais favorável nos media. Estão no papel deles. E nós, jornalistas, estamos no papel de não ceder a pressões que contrariem o interesse do público que nos lê ou ouve.
Pressões podem acarretar consumições (o Relvas que o diga), mas não são necessariamente más ações. Ponham os olhos no anticiclone dos Açores, que é um centro de altas pressões e é geralmente sinónimo de bom tempo, céu limpo, calor ameno e nada de chuva - e é disso mesmo que nós, heróis do mar e nobre povo, estamos mesmo a precisar.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias