Antigamente, os bófias usavam bigode e farda cinzenta, eram gordos, velhos, broncos e partilhavam o patamar social das sopeiras, nome depreciativo atribuído às criadas internas que desaguavam nas cidades para servir nas casas de quase todas as classes, até mesmo as da mais pobre pequena burguesia.
Ser casada ou filha de um polícia não era motivo de orgulho. A democracia e a europeização do país beneficiaram muito a classe, que ganhou prestígio e subiu na escala social à medida que se alargava a mulheres e era fornecida com gente mais formada, educada - e vestida com fardas azuis de bom corte.
Começar a ser frequente tratar com polícias mais jovens foi o primeiro sinal de que eu estava a envelhecer. O segundo e mais alarmante, que me fez perceber que já tinha mais passado do que futuro, foi a chegada de Obama à Casa Branca, histórica pois pela primeira vez os EUA elegiam um presidente mais novo do que eu.
Nunca mais parou de crescer o meu respeito pelas 23 109 mulheres e homens que integram a PSP e que apesar de não terem um salário por aí além (em média ganham por mês apenas 1458 euros brutos, menos 884 euros que os colegas da GNR) garantem a segurança nos 6% do território habitado por 50% da população.
É por isso que fiquei incomodado com a manchete de ontem do "Expresso", um ataque baixo à capacidade e brio profissional da PSP, acusada de ser incapaz de proteger o PR de um bando alegre de adolescentes de uma escola artística.
Apesar de Cavaco ter ao seu dispor 30 elementos do Corpo de Segurança Pessoal da PSP, segundo o "Expresso" apurou, "junto de três fontes distintas", os quatro agentes da equipa de segurança avançada deste corpo, presentes no local da manifestação juvenil, declararam-se incapazes de evitar que o presidente fosse agredido "mal saísse do carro" e como "não estavam reunidas as condições mínimas para fazer a visita" recomendaram que ela fosse anulada.
A ser verdade que a PSP não consegue garantir a segurança do PR durante o dia, num bairro sossegado e de classe média de Lisboa, está achada a serventia para os seis blindados encomendados para Cimeira da Nato mas só entregues bem depois dela ter terminado. Cavaco vai deslocar-se no interior de um desses blindados de sete toneladas quando tiver de passar perto de Chelas e da Damaia ou de outros bairros problemáticos, como o Lagarteiro e a Bela Vista (Setúbal).
Mas, aqui cá para nós, desconfio que atribuir à Polícia a responsabilidade pelo impedimento de Cavaco não passa de uma história inventada à pressa e colada com cuspe para proteger a depauperada imagem do PR - à custa da da PSP.
Sei que a vida é mesmo assim, mas não me conformo. Queremos mentiras novas e mais bem contadas. Contratem um guionista bom. Ou então mudem de agência de comunicação.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
O meu falecido rádio não valia um chavo. Era uma espécie de eutanásia de auto-rádio. Só sintonizava uma estação (a M80) e mesmo assim cheia de ruídos de fundo. De certeza foi fabricado muito antes do meu Mini Clubman, que saiu da linha de montagem no já longínquo mas feliz ano de 1974.
Foi-me oferecido pelo meu mecânico, a título de brinde por ir lá regularmente mudar o óleo e afinar os travões. Um dia, o António Santos fez-me uma surpresa: «Olhe, senhor Jorge, como não tinha rádio, eu instalei-lhe um. E lhe não levo nada pelo trabalho…».
Estou a marimbar-me para o rádio. A única chatice é que o palerma que o roubou assassinou uma das mais frases mais bonitas que tinha guardado para a minha autobiografia: «Ao longo de toda a vida nunca tive problemas com ladrões - só com polícias».
Apesar deste episódio, ao minhas simpatias vão para os dois jovens de 20 anos que foram apanhados em Lordelo com 60 tampas de saneamento furtadas - e não para os GNR que os detiveram; e para a dupla que roubou 70 pães numa padaria em Marvila – e não para os agentes da PSP que os prenderam depois de terem atingido um deles a tiro.
O meu espírito Robin dos Bosques não me impede, no entanto, de sentir alguma pena dos polícias de Oliveira do Douro que pagam para dormir nas camaratas da esquadra e depois tomam banho frio. E fico chateado ao saber que a PSP de Faro não patrulha as escolas por falta de dinheiro para pagar os seguros dos automóveis, e que a Brigada de Investigação Criminal da PSP de Braga investiga a pé porque tem os quatro carros avariados e não há orçamento para os mandar consertar.
Faz-me impressão que os 120 agentes do Corpo de Intervenção da PSP façam um levantamento de rancho e que as 120 potentes Yahamas encomendadas para a Cimeira da Nato estejam encostadas a um canto, porque ainda não foram pagas.
Faz-me espécie que a direcção nacional da PSP recomende às esquadras que só liguem a televisão à hora do noticiário (para pouparem na electricidade) e gaste 200 euros/dia a manter os quatro blindados que o ministro mandou devolver por não chegarem a tempo da cimeira.
E já não me consigo divertir ao ver o comando da PSP a accionar judicialmente os oficiais da GNR que disseram não valia a pena comprar blindados novos, porque eles tinham disponíveis equipamentos idênticos, testados no Afeganistão.
É por essas e por outras que vou subscrever a petição pública por uma polícia única. Não vivemos tempos para desperdícios. Unir PSP,GNR, SEF e Polícia Marítima numa única polícia nacional evita a duplicação de meios e induz poupanças em dinheiro e disparates.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
A minha admiração por Banksy não mais parou de crescer desde que me apercebi da sua existência quando ele, há coisa de cinco anos, expôs obras nos mais prestigiados museus de Nova Iorque - à revelia das respectivas direcções.
Disfarçado de reformado, gabardina e chapéu, nariz e barba postiças, plantou no MoMa uma tela pintada com uma lata de sopa da Tesco e enriqueceu durante três dias (o tempo que demorou até ser notada pelos responsáveis do museu) a exposição permanente do Metropolitan com um retrato de um almirante colonial com um spray na mão e slogans anti-guerra no fundo do quadro.
Esta genial e subversiva inversão do clássico golpe do roubo do quadro no museu, foi fotograficamente documentada por um cúmplice de Banksy, o nome de guerra de um artista britânico, de identidade e aparência desconhecidas.
O anonimato permite-lhe protagonizar acções espectaculares como a de atirar ao ar, no meio do desfile de Carnaval de Notting Hill, centenas de notas falsas de 10 libras, com a cara de Lady Di no lugar da da rainha, que são vendidas no ebay a 200 libras cada – ou a substituição, em 43 lojas londrinas, de 500 CDs de Paris Hilton por outros em que ela está em top less na capa e as músicas foram remixadas por Danger Mouse.
Banksy, 35 anos, é um artista de rua, que apesar de ter sido reconhecido pelo sistema - um graffiti dele num quiosque de Tottenham Court Road foi vendido por meio milhão de libras - continua a espalhar gratuitamente o perfume do seu talento por paredes que não lhe pertencem. Representa para a arte o mesmo que Picasso no início do século XX. É o ícone da transgressão, o símbolo da arte urbana que alguns dos novos donos das cidades já compreenderam e outros teimam em rejeitar.
Antonio Costa percebeu, e a Câmara de Lisboa apoia não só o projecto Crono, que decorou com grafittis gigantes prédios devolutos no centro da cidade, mas também a recuperação, com o patrocínio da CIN, de quatro murais degradados, pintados no pós 25 de Abril.
Rui Rio não percebeu e ordenou à polícia municipal do Porto que detenha e acuse de vandalismo quem ousar pintar as paredes da cidade com mensagens políticas ou graffitis artísticos.
Os agentes da esquadra da PSP da Olaias também não perceberam e não se limitaram a prender cinco jovens comunistas que pichavam um slogan partidário no muro da sua escola - também submeteram as duas raparigas do grupo à humilhação de se despirem à sua frente, sob o pretexto de que procuravam droga e armas dissimuladas.
Era com escândalos como estes que o MAI Rui Pereira se devia preocupar – e não em conceder audiências ao presidente do seu clube para debaterem a segurança do autocarro do Benfica na deslocação ao Porto.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
A eleição de Barack Obama foi, até agora, o mais grave sinal da minha transformação em antepassado. Pela primeira vez na sua História, os Estados Unidos têm um presidente mais novo do que eu, o que até pode ser muito bom do ponto de vista do interesse geral da humanidade (até simpatizo com o homem!) mas a mim preocupa-me bastante.
Outro perigoso sintoma do meu envelhecimento é o facto de 37,9% dos polícias (estimativa pessoal e aproximada) serem raparigas e rapazes com aspecto razoável e idade para serem meus filhos, e não aqueles bófias velhos, gordos, parolos e de bigode a que me fartei de pregar partidas quando era adolescente.
Vem esta inútil reflexão a propósito do mega-acampamento que os sindicatos da polícia ameaçam montar hoje em frente ao edifício do Ministério da Administração Interna, que, mais ano, menos ano, vai ser reconvertido em Pousada de Portugal (excelente ideia!).
Seis mil polícias estão há mais de seis anos à espera de promoções (ou seja de mais dinheiro na conta ao fim do mês) e como já começam a desesperar resolveram mediatizar a sua luta. A ideia de acamparem, sine die, no Terreiro do Paço é fantástica. As televisões e os fotógrafos das agências internacionais vão adorar. E o timing não podia ser melhor, pois já começou a contagem decrescente para a cimeira da Nato que trará Obama a Lisboa.
Dito por outras palavras, se os camaradas Rui Pereira e Sócrates não querem passar pela vergonha do Obama dar de caras com um bivaque reivindicativo da polícia montado na principal praça do país, o melhor que têm a fazer é apressarem-se a descalçar esta bota.
Não posso deixar de felicitar os dirigentes sindicais da polícia, dando-lhes 20 valores em estratégia e agitprop. Eles, que recentemente viram um membro da sua corporação ser agredido à dentada por um assessor do Isaltino, sabem melhor do que ninguém que notícia é o assessor do Isaltino morder no polícia – e não o polícia passar uma multa ao assessor do Isaltino.
O único ponto fraco que detecto na organização desta luta é a dureza do piso do Terreiro do Paço, pelo que antevejo dificuldades nos trabalhos de fixar as espias das tendas e aconselho um reforço dos colchões para evitar que o pessoal do turno da noite acorde com as costas desfeitas.
Estou bastante satisfeito e solidário com a luta dos polícias. É mais um sinal de que se está a esgotar o tempo para os dirigentes incompetentes (barrete que deve ser enfiado pelos políticos de todos do arco governamental e pelas elites que controlam o mundo dos negócios) que atiraram o nosso país para o beco em que se encontra. Às vezes, as coisas são mais claras quando pioram. O mundo está em mudança - e eu quero acompanhar essa mudança.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias