Homer, o dr Pangloss e as privatizações
Há um episódio dos Simpsons em que Homer dá dois preciosos conselhos ao seu filho Bart; que nunca de se canse de repetir a frase “Boa ideia chefe!” e de responder “Mas quando eu cá cheguei isto já era assim”, sempre que questionado sobre a sua responsabilidade em algo que correu mal.
O abuso de graxa aos chefes e a recusa absoluta em assumir a culpa por um erro cometido têm sido o cimento de muitas carreiras de betão nas empresas e nos partidos, apesar de, já uns bons 250 anos, o bom do dr Pangloss nos ter provado, usando a metafísico-teológico-cosmonologia, que não há efeito sem causa.
Apenas discordo do mestre de Cândido, inventado pelo genial Voltaire, quando ele sustenta que as coisas não poderiam ser diferentes do que foram. A maneira como as privatizações foram geridas em Portugal desmente o optimismo do dr. Pangloss.
Se não tivesse entregue o BPA ao BCP, decapitando o Norte da sua cabeça financeira, o Estado português ter-se-ia poupado a maçada de assistir impotente à disputa por três grupos brasileiros do controlo na nossa multinacional cimenteira. Para premiar, com dinheiro que não era dele, o genro que mais netos lhe deu e uma família que professa a mesma obediência religiosa, Jardim Gonçalves montou uma operação, abençoada pelo Estado, que permitiu à Teixeira Duarte controlar a Cimpor sem ter músculo financeiro para tamanha cavalgada.
Pior ainda. Para entregar a Cimpor ao BCP/Teixeira Duarte, o Governo prejudicou o candidato à compra que mais credenciais tinha (Pedro Queirós Pereira) e, para o compensar, num trágico efeito dominó, vendeu-lhe a Portucel, penalizando a Sonae, grupo nascido e desenvolvido na fileira florestal e um dos lideres mundiais nos aglomerados de madeira.
Como Belmiro nunca disse ámen com um Governo, o primeiro ministro benzeu todas as manobras, feitas por debaixo da mesa, para frustrar a OPA sobre a PT que a Sonae lançou em campo aberto e by the book. Sócrates cuspiu para o ar e agora o cuspo cai-lhe em cima.
Os nossos cimentos passarem para mãos brasileiras é o efeito 2010 que tem como causa a catastrófica política de privatizações, de Cavaco a Sócrates, passando por Guterres e Durão, todos eles enormes especialistas na organização de derrotas.
Em 2011, quando os distraídos do costume estiveram a carpir a passagem da Galp para mãos angolanas (ou brasileiras), estarei aqui de novo a lembrar que o dr Pangloss se esqueceu de que o problema das causas e efeitos é que os efeitos também são causas - e que não podemos deixar impunes os governantes que seguem a doutrina de irresponsabilidade que o pai Homer pregou ao seu filho Bart.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias