A história não é nova, mas é exemplar. O Teatro Art’Imagem perdeu o direito a receber um subsídio camarário de 20 mil euros por se ter recusado a assinar um contrato que tinha uma cláusula que inibia o grupo de produzir a mínima crítica à acção de Rui Rio.
O episódio diz tudo sobre a coragem e independência do grupo de teatro e sobre o autoritarismo que marca o pensamento e a acção de uma gestão autárquica que julgava poder comprar com um pequeno monte de notas a dignidade e silêncio alheios.
Não foi para isto que se fez o 25 de Abril.
O Provedor de Justiça deu o primeiro passo ao declarar inconstitucional a cláusula que impõe a mordaça em troca do subsídio.
Compete agora ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (para onde o Teatro Art’Imagem recorreu, exigindo da Câmara uma indemnização de 20 mil euros pelos danos causados) confirmar que a democracia portuguesa está equipada com mecanismos legais capazes de rejeitar a prepotência de quem não sabe conviver com a crítica.
PS. Terça feira à noite, encontrei Rui Moreira na Marisqueira do Miguel, em Matosinhos. No intervalo do Manchester-FC Porto, ele esclareceu-me que a empresa que vendeu não era a da família (a fábrica de colchões Molaflex), mas antes um negócio que tinha sido criado por ele próprio. Aqui fica a rectificação acompanhada das minhas desculpas pelo erro - e da minha satisfação por ele ter recusado encabeçar a lista do CDS/PP para as europeias.
Tenho uma excelente opinião do Rui Moreira. Sobre a questão nortenha, tem ideias claras e desassombradas (com as quais eu geralmente estou de acordo), que sabe expor com clareza e paixão.
Rui Moreira tem sido um dos poucos oásis que sobressaem no meio do árido deserto de líderes que o Norte atravessa desde que o Porto matou o pai (Fernando Gomes) – no sentido freudiano da acção.
Como agravante, à solidez e justeza das ideias, Rui acrescenta um já muito razoável índice de popularidade, boa imprensa e uma belíssima imagem televisiva – factor não negligenciável nestes tempos em que passar mal televisão pode ser letal para um líder com ambições.
O único calcanhar de Aquiles (a falta de espessura do seu curriculum, já que não tem tido actividade empresarial relevante desde que vendeu o negócio da família) é muito atenuado pelo seu bom desempenho na presidência da Associação Comercial do Porto.
A única coisa que me inquieta no momento é desconhecer o que ele se prepara para fazer com o capital político que reuniu – e que já desperta cobiças, como se vê pelo namoro descarado que Rui Rio lhe anda a fazer e pelo convite que Paulo Portas lhe dirigiu para encabeçar a lista do CDS ao Parlamento Europeu.
É natural que Rui Moreira prefira manter o máximo de hipóteses em aberto, entre as quais se contam as mais desejadas presidências do Porto (a do clube e a da cidade).
Mas, mais tarde ou mais cedo (se calhar mais cedo…), ele terá de decidir se o que mais lhe interessa é a liderança desportiva ou política da região – ou se prefere ir viver calmamente para as margens de um lago suíço (já que não me acredito que Bruxelas faça parte do seu mapa de opções).
Muito refrescante a entrevista de Rui Moreira na edição de ontem do “Sol”.
Tantas vezes acusado de “excesso de disponibilidade” e de se colocar acima da instituição a que preside, Rui Moreira mostrou que o que verdadeiramente não lhe falta é frontalidade e sentido de serviço perante a sua região e o País.
Depois do “mea culpa” feito acerca da posição no último referendo de regionalização (hoje tal como eu, concorda que pior do que uma má regionalização, só mesmo não haver nenhuma), Rui Moreira faz severas críticas ao sistema político e à forma como não tem sabido integrar o Porto e o Norte num projecto e desígnio de um Portugal europeu.
No que se refere aos investimentos públicos Rui Moreira põe o dedo na ferida da crise, para justificar (e bem!) a insistência na alternativa “Portela mais um” e desmistificar a necessidade da ligação ferroviária Lisboa-Madrid por TGV.
Para não falar deste “novo-riquismo” de continuar a expandir a sumptuosa rede rodoviária que já hoje temos, num País onde existem cada vez mais pessoas no limiar da indigência.
Enfim, com coragem e racionalidade, Rui Moreira falou da “portofia”, essa doença de sobranceria e arrogância, que os construtores da capital cortesã têm perante o resto do País, a que chamam desdenhosamente de província. O ponto mais alto desse referencial provinciano é o Porto e os portuenses.Por isso só nos resta, como diz Rui Moreira, resistir - ser uma espécie de gauleses que se sentem obrigados a defender, com bravura, o seu terreiro e as suas tradições.
Parabéns ao Rui e recomendações a todos para a atenta leitura desta tão interessante entrevista.
Por último a referência à morte da mais velha Blogger do Mundo, Olive Riley, uma australiana com 108 anos de idade que granjeou o respeito e admiração de toda a blogosfera.
Aqui fica a nossa modesta homenagem, nós que como ela somos escrevinhadores voluntários de palavras e de ideias. Tal como Olive Riley - com rosto, com nome e a singela vontade de ajudar a reflectir.
Há coisa de uma semana, participei num debate sobre a Comunicação Social, inserido na 5ª edição do ciclo Olhares Cruzados sobre o Porto promovido pelo Público.
Foi com enorme prazer que aceitei o convite do meu amigo Manuel Carvalho para comentar, a meias com o Rui Moreira, a apresentação sobre a matéria feita pelo ministro Augusto Santos Silva.
O tema era interessante e importante. E a companhia era de primeira.
Eu penso sempre no presidente da Associação Comercial do Porto sempre que ouço falar que o Norte está órfão de um líder forte desde o suicídio político de Fernando Gomes.
A velha amizade que me liga a Santos Silva e a distância que me separa deste Governo não chegam para toldar o juízo que faço dele como um político e portuense de sólida a formação e muito carácter.
É com menos prazer que faço este relato, em que estou tentado a concluir que é nossa (sendo que a primeira pessoa do plural refere-se ao nós, portuenses) a principal fatia da responsabilidade pelo declínio da importância e peso da Comunicação Social com sede no Porto.
A apresentação do ministro foi segura e vaga qb, a roçar o inócuo.
Conheço bem Santos Silva, pois fomos colegas de curso e camaradas de lutas passadas. Posteriormente partilhamos o primeiro turno das piscinas do «healths» do Ipanema Park (primeiro) e dos Pinhais da Foz (depois), o que nos permitia diariamente actualizar a conversa e trocar opiniões.
Há três pequenas histórias que, no meu entender, chegam para retratar o Augusto.
Quando ainda fumava, houve uma altura em que decidiu que passaria a fumar apenas um cigarro por dia. Assim, todos os dias, com um rigor religioso, às cinco horas em ponto da tarde, sentava-se no átrio da Faculdade de Economia (onde é professor) a consumir o seu cigarro diário.
Em determinado fase da sua vida, o Augusto tinha de passar diariamente uma hora num café perto das Condominhas, enquanto esperava que uma das filhas recebesse a lição de ballet. Pois levava sempre na pasta três coisas: um livro, um «paper» e o Público. Só no local, e dependendo do grau de barulho que se fazia sentir no café, ele escolheria o que iria ler.
Sempre que recebia os amigos em casa, mal chegava a meia noite, ele recolhia à cama, tipo Cinderela, deixando a mulher, Isabel Margarida, a fazer as honras da casa.
Acho que estas três pequenos episódios chegam para traçar o perfil do ministro e a perceber que a sua apresentação no debate sobre aComunicação Social tinha a qualidade derivada do intelectual sério que ele é mas estava em absoluto desprovida de material susceptível de provocar polémica.
Agora que está reformado, Greenspan, o antigo e mítico presidente da Reserva Federal norte-americana, explicou o truque que usava quando era chamado ao Congresso para prestar contas e lhe faziam perguntas incómodas.
O truque de Greenspan consistia em responder usando uma salada de palavras, que baptizou com «discurso da sintaxe caduca», onde os principais ingredientes eram conceitos densos e vocábulos técnicos.
Os congressistas não percebiam nada do que ele dizia, mas tinham vergonha de o evidenciar em público, com medo de fazer má figura em frente aos seus pares, e assim Greenspan atravessava incólume mais um escrutínio incómodo escondido atrás dum nevoeiro de palavras.
Confesso que me lembrei do truque do «discurso da sintaxe caduca» enquanto ouvia a apresentação do ministro dos Assuntos Parlamentares, na noite de 5ª feira da semana passada, no auditório da Católica.
No debate, apenas uma vez Santos Silva saiu dos carris que tinha definido para esta sua intervenção.
A determinada altura, Rui Moreira deu um exemplo feliz dos tiques do centralismo ao falar da maneira como foi recebido, pelos panditas da capital, o estudo sobre a localização do novo aeroporto internacional de Lisboa, promovido pela Associação Comercial do Porto.
A reacção generalizada na capital ao estudo veio sob a forma da pergunta enfadada: «E o que é que esses tipos do Porto têm a ver com isso?», como se por alguma lei secreta estivéssemos inibidos de nos pronunciar sobre tudo quanto se passa no resto do país e circunscritos a opinar sobre as coisas da nossa região.
Embalado por esta denúncia, o ministro falou da existência em Lisboa de um «racismo» (foi esta a palavra usada por ele) contra as pessoas do Porto, detalhando que ele próprio e a ex-ministra da Cultura tinham sido vítimas desse «racismo».
No final do debate, Augusto Santos Silva foi cercado por uma dúzia de jornalistas, equipados com blocos de notas, microfones e câmaras de filmar. Fizeram-lhe muitas perguntas.
Presumo que traziam as perguntas feitas de casa e que elas versavam sobre os temas da actualidade, tão palpitantes como o concurso para a TDT, o quinto canal, a nova administração da RTP, o centro de gravidade geográfico da RTPN, a ERC, etc.
Na sexta e no sábado, não li, não vi, nem ouvi ninguém referir-se ao facto do ministro dos Assuntos Parlamentares ter dito ser vítima de racismo por ser do Porto.
E fiquei, por isso, a pensar que se calhar é muito por culpa nossa (e neste caso a primeira pessoa do plural refere-se ao nós, jornalistas do Porto) que a voz da Comunicação Social do Porto não é ouvida em Lisboa.