Rui Oliveira
Lembram-se de Fernando Gomes, o célebre avançado portista que ganhou duas Botas de Ouro, ter dito que a sensação de marcar um golo era idêntica à de ter um orgasmo? Ora a ciência está aí a demonstrar que ele não disse um disparate …
Uma equipa do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) que mede as variações hormonais a partir de amostras da saliva de futebolistas e adeptos, recolhidas antes, depois e durante os jogos, prova que a alegria do golo coincide com um elevado pico de testosterona - não será exactamente um orgasmo mas anda lá por perto.
“No final de um jogo em que ganharam, as futebolistas também estão cheias de andrógenos”, afirma Rui Oliveira, 45 anos, o biólogo que é reitor do ISPA e tem a teoria (e a prática) de que uma escola do ensino superior não se pode limitar a transmitir conhecimento – tem também de o produzir.
O surf foi o caminho que levou Rui, nascido numa família da classe média (o pai negociava com Vinho do Porto) da avenida de Roma, a apaixonar-se pela biologia marítima. Os pais tinham uma casa em S. João da Caparica, onde ele passava as férias grandes a fazer surf e a aguçar a curiosidade sobre os mistérios de vida dos peixes.
Os cabozes, abundantes no parque da Arrábida , foram o primeiro objecto da sua curiosidade cientifica, ainda estudante universitário, numa altura em que dava aulas de mergulho em Sesimbra.
Com a ajuda de Vítor Almada (professor do ISPA) descobriu que os cabozes, que vivem na zona das marés, desenvolveram uma apreciável memória espacial, que lhes permite sobreviver na maré baixa, saltando de poça para poça quando sentem em perigo. O estudo do comportamento social dos cabozes permitiu-lhe ainda apurar que coexistem duas variedades de machos, sendo que a mais fraca, incapaz de se reproduzir, faz um travesti, disfarçando-se de fêmea.
“Somos menos únicos do que pensamos”, declara o reitor do ISPA, que após acabar o curso e a tropa (feita na artilharia, em Cascais), conseguiu uma bolsa de doutoramento para estudar a influência hormonal no comportamento dos tilápios, um peixe oriundo dos grandes lagos de África faz parte da gastronomia brasileira e africana.
Rui, que trabalha em laboratório com um cardume de 150 tilápias, só por uma vez comeu uma, no Brasil. Não gostou. O seu peixe preferido continua a ser o robalo ao sal, mas também aprecia as pataniscas de bacalhau com arroz de tomate, que almoçamos na esplanada do Lautasco, num pátio em Alfama que fica a cinco minutos do ISPA, numa refeição que empurrou com ice tea de limão (não bebe álcool) e rematou com mousse de chocolate e chá de cidreira.
“Os peixes, apesar de terem cérebros pequenos, são qualitativamente capazes de fazer quase tudo o que fazemos. Reconhecem-se e recolhem informações sobre os outros que depois usam em seu proveito. Comportam-se de maneira diferente consoante têm ou não audiência. E conseguem inferir que se A é maior que B e B é maior que C então A é maior que C, o que não é adquirido seja percebido pelas crianças como menos de três anos”, diz.
O estudo do comportamento social dos peixes permitiu a Rui encontrar a sua resposta à velha questão que divide a comunidade científica: É a socialização ou a genética?
“O mundo não é a preto e branco, mas não há fado genético. O ambiente social pode mudar a biologia. Não há determinismo biológico para o sucesso social.”, conclui Rui, que iniciou em 1994, como assistente convidado do ISPA uma carreira que o levaria, em 2010, ao cargo de reitor, principal responsável por uma escola com 200 professores (dos quais 62 exclusivos), mais de 20 cursos entre os três ciclos (um 1º ciclo em Biologia é a mais recente novidade) e 1700 alunos.
Apesar da curva demográfica e da crise estarem a reduzir a população universitária, o ISPA registou um aumento da procura, a que não são estranhos os bons indicadores de empregabilidade: um ano depois de concluírem o curso, 3/4 dos seus licenciados estão a trabalhar em Psicologia , um em cada quatro ficam ligados à instituição onde fazem o estágio e a taxa de desempregabilidade, medida a partir dos inscritos nos centros de emprego, é de apenas 4,1%. Nada mau.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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Lautasco
Beco do Azinhal, 7 e 7-A, Lisboa
Couvert …2,00
Salada mista … 5,90
Nestea de limão …. 1,75
Água … 1,60
2 pataniscas com arroz de tomate … 21,80
Copo de Borba tinto … 1,75
Mousse de chocolate … 3,40
1 chá de cidreira … 2,20
1 café ..0,95
Total … 41,35
Curiosidades
Há 28 escolas portuguesas que dão cursos de Psicologia, o que é considerado excessivo pelo reitor do ISPA que está à espera que uma entidade externa os avalie, acredite e elabore um ranking. “Fechar cursos será positivo, não para eliminar a concorrência, mas para elevar a qualidade do ensino”, defende
O peixe zebra (zebra fish), originário da India e Bangladesh, está substituir os tradicionais ratinhos como cobaias para as experiências nos laboratórios de Ciências Biomédicas. Estão à venda linhagens de zebra fish transgénicos especialmente preparados para linhas de investigação específicas, como a doença de Parkinson ou as insónias. São inúmeras as vantagens destes pequenos mas robustos peixes: são mais baratos, ocupam menos espaço, têm ninhadas muito maiores, e, ainda por cima, como as larvas são transparentes, permitem aos investigadores visualizar os circuitos do cérebro enquanto expressam comportamentos. Rui Oliveira já trabalha com peixes zebra
Costuma dizer-se que tudo que se sabe sobre comportamento se deve aos ratos e aos estudantes de Psicologia, as tradicionais cobaias nestes estudos, Há que acrescentar os peixes zebra e não esquecer os cães. Umas das experiências em curso no ISPA parte de uma selecção de cães optimistas e pessimistas, feita de uma maneira curiosa. Os cães são habituados a perceber que se a tigela é posta do lado direito é porque tem comida – e do lado esquerdo está vazia. Quando a tigela é colocada no meio, os cães optimistas são os que correm esperançados em que ela tenha comida. Os outros são os pessimistas que acham sempre que a garrafa está meia vazia…