O cabelo tornou-se um bem escasso. O nariz é torto, ao ponto de só respirar de uma narina. Não perdia nada se as orelhas fossem mais pequenas. A cara dá a impressão de nunca ter sido barbeada. A barriga é três vezes mais volumosa que o necessário. As mangas ficam sempre muito curtas. Resumindo: tenho um sério problema de imagem. O que é grave, pois, ainda por cima, já não sou um rapaz novo.
Foipor causa do substancial debate que se seguiu à entrevista de Sócrates à Sic que fiz este duro exercício de auto-análise. Já agora, e a propósito da entrevista. Ainda estou para perceber como é que ninguém teve a genial ideia de perguntar a Sócrates se ele meteu um Xanax antes de ir conversar com a Ana Lourenço.
Sabemos que ele entrou na Sic às 20h34, com um ar cansado, e que às 20h42, à saída da maquilhagem, já estava sorridente, com melhor aspecto, gel na cabeça, e “estranhamente mais calmo do que o costume”. O que se passou durante aqueles oito minutos na maquilhagem?
Apesar de ido à televisão com o mesmo fato azul-cinza e gravata vermelha que usara à tarde no parlamento, os comentadores concordam que a entrevista foi o momento fundador de um novo Sócrates, com uma imagem mais doce, simpática, contida e humilde.
Foi tal e qual como nos jogos de futebol, em que os comentadores preferem discutir a arbitragem ao jogo propriamente dito. TGV, BPN, política fiscal e BPP são pormenores para os comentadores políticos, que preferem gastar o tempo de antena a analisar os prós e contras da mudança de imagem. O sucesso desta operação parece ser mais importante do que a eficácia das medidas anti crise do governo.
O grave é que os eles têm razão. O sociólogo Jean-François Amadieu, que estuda há 30 anos a interferência e influência do aspecto físico na vida social das pessoas, garante que na política, trabalho ou escola, a imagem é mais importante do que a competência quando se trata de conquistar votos, arranjar um bom emprego ou ter boas notas.
Daniel Hammermesh, da Universidade do Texas, concluiu, após um estudo de campo de dez anos, que o salário dos feios é 9% abaixo da média e que os bonitos ganham 5% acima.
Este mundo não está para os feios, velhos e gordos. Donde concluo que estou tramado - e não sou o único.
Deste ponto de vista, para mim e para Manuela Ferreira Leite, uma pequena centelha de esperança foi acesa pela vitória nas europeias do Paulo Rangel, um rapaz que não é anoréctico nem tem pinta de basquetebolista.
Será mesmo verdade que quem o feio amo bonito lhe parece, que é como o povo resume a tese da subjectividade da beleza, que garante que ela está nos olhos de quem vê?
Na sua imensa sabedoria, Winston Churchill ensinou-nos que a democracia é a pior sistema de governo, exceptuando todos os outros que foram ensaiados até agora.
O Boletim da Primavera da Comissão Europeia, divulgado esta semana, veio mais uma vez demonstrar quão certo estava Churchill nesta sua dura avaliação do sistema político em que vivemos.
A Comissão Europeia analisa com alguma frieza e detalhe a redução do défice orçamental, que é o principal troféu do Governo Sócrates na área económica, e chama a atenção para duas coisas.
Primo, a redução do défice para 2,2% do PIB foi conseguida à custa do aumento da receita do Estado (impostos) e não da compressão da despesa.
Secondo, em 2009, ano de eleições legislativas, o Governo vai deixar derrapar o défice para 2,6% de um aumento da despesa e da diminuição da receita -o que não acontecia desde 2005.
Ou seja, a acreditarmos em Bruxelas, perseguindo objectivos eleitoralistas, Sócrates vai aliviar a pressão fiscal sobre os contribuintes e aumentar as despesas.
Esta atitude relativamente ao défice vem na linha dos recuos do Governo nas reformas em sectores nucleares (Saúde e Ensino).
A lição deste recuo é a que os quatro anos de uma legislatura dividem-se em dois períodos distintos. Durante os primeiros três anos, o Governo faz o que pensa que é melhor para o país. No último ano entra em campanha eleitoral e faz o que pensa que é melhor para ganhar as legislativas e manter-se no poder.
O feriado de hoje já pouco ou nenhuma relação tem com o primeiro dia de Maio de 1886, celebrizado pelas lutas sindicais dos operários de Chicago pela redução a oito horas da jornada de trabalho, que três anos depois a Internacional Socialista consagrou como Dia do Trabalhador.
Um século e meio depois o Mundo mudou tanto que se Karl Marx arriscaria um ataque cardíaco se ressuscitasse e visse os seus compatriotas operários da Volkswagen abrirem mão da semana de trabalho de 35 horas em troca da promessa da administração da empresa em não deslocalizar fábricas da Alemanha para a vizinha República Checa.
Em Portugal, o sinal mais importante a ler neste 1º de Maio de 2008 é a surpreendente e inédita decisão da UGT de aproveitar o dia para descer a Avenida da Liberdade, em Lisboa, desfraldando bandeirolas contra a precaridade do emprego e a favor da redução do IRS.
Até agora, a central sindical socialista encarou sempre o 1º de Maio como um dia de festa,normalmente comemorado nas imediações da Torre de Belém, uma espécie de piquenicão abrilhantado musicalmente por cantores populares.
Pois foi neste ano pré-eleitoral, e com um Governo de maioria socialista instalado em S. Bento, quer a UGT decidiu por trocar o farnel pelo megafone e alinhar no endurecimento da luta contra o Governo Sócrates, retirando à sua concorrente CGTP (que às mesma hora estará na Alameda) o exclusivo do protagonismo anti-governamental.
O primeiro ministro deve reflectir muito seriamente neste sinal que hoje lhe está a ser enviado pelo seu camarada de partido João Proença, secretário geral da UGT.
Faltavam 20 minutos para a meia noite de 14 de Abril de 1912 quando o Titanic chocou com um iceberg a 640 km da Terra Nova. Em menos de três horas, o paquete estava no fundo do Atlântico e 1500 dos seus passageiros tinham morrido.
Uma das coisas que mais me impressionou no filme da James Cameron sobre o naufrágio do Titanic foi o facto (histórico) de o embate fatal não ter impedido a orquestra de ter continuado a tocar e os passageiros a dançar no luxuoso salão de baile da primeira classe.
Nesta Primavera de 2008, o nosso país assemelha-se perigosamente ao Titanic. No painel de bordo, só se vêem luzinhas vermelhas a piscar.
Nos últimos seis meses, 13 mil PME fecharam as portas, estranguladas pelo aumento do preço do dinheiro – entre 2005 e 2007, a taxa de juro bancária, para os empréstimos superiores a um milhão de euros, subiu 44,8%.E a Associação Nacional das PME prevê que até Dezembro mais de 60 mil empresas vão cessar a actividade.
Em Janeiro, a carteira de encomendas externas afundou 10%, acumulando seis meses consecutivos de perdas. Nesse mesmo mês, o indicador coincidente da actividade económica do Banco de Portugal registou o mais acentuado recuo desde 1973 – e em Fevereiro a queda ainda foi mais significativa.
O incumprimento no crédito à habitação titularizado duplicou em dois anos, atingindo os 704 milhões de euros, fruto directo da subida das taxas média de juro, que, em Janeiro, já iam nos 5.55%.
O investimento e as exportações estão a abrandar e todos os indicadores gritam que esta tendência de forte desaceleração veio para ficar. As nossas vendas no mercado espanhol deverão cair 20% este ano, o que é grave pois o país vizinho é o destino de quase 1/3 das nossas exportações.
A coisa aqui está preta, mas o maestro Sócrates assobia para o lado, a orquestra que ele dirige continua a tocar, indiferente à crise, e os passageiros continuam dançar, como se nada de grave se estivesse a passar no paquete Portugal. Em Janeiro, o consumo das famílias cresceu 2,3% e os empréstimos para a compra de habitação subiram 8,4%.
A palavra crise foi banida do vocabulário do primeiro ministro, que demonstra assim ser tão supersticioso como aquelas pessoas que se recusam a falar no mau – e que se o fazem tocam logo a seguir em madeira com os nós dos dedos.
Não acredito que Sócrates acredite que uma pequena economia aberta como a nossa possa escapar ao vendaval que atira os Estados Unidos para a recessão, deixa a Europa a roer as unhas e pôs ponto final a um formidável período expansionista espanhol.
Sócrates sabe que a nossa economia está a ficar doente, mas convenceu-se que falar na doença pioraria o estado do paciente.O problema é que ele não é mágico - e o simples facto de não falar na crise não vai, infelizmente, fazê-la desaparecer.
O país ganhava se o primeiro ministro resolvesse falar-lhe verdade, explicando que há uma crise, que a nossa economia está pior que o chapéu de um trolha - e que todos temos de trabalhar mais e melhor para conseguirmos manter a cabeça fora de água.
Sem o envolvimento activo dos professores é impossível reformar o sistema educativo
Tenho para mim que uma pessoa tem de se agarrar a sólidas normas orientadoras para se desembrulhar nesta vida, que está cada vez mais complicada.
Um dos princípios que sempre me norteou, sintetiza-se numa pequena frase: «Se queres ganhar ao Boris Becker não vás jogar ténis com ele».
Esta frase orientadora é filha directa da filosofia fundadora da guerrilha. Devemos evitar entrar em batalhas que à partida sabemos que vamos perder e, em alternativa, esforçar-nos por atrair o adversário para um terreno que nos seja favorável.
Vem esta história a propósito do braço de ferro entre professores e Governo, que a mega manifestação de sábado atirou para um beco que aparentemente não tem saída.
A peregrina ideia do PS de responder à impressionante demonstração de força e unidade dos professores através de um comício nacional de apoio a Sócrates, sábado, no Porto, equivale a uma vâ tentativa de ganhar ao Boris Becker desafiando-o para a medir forças num court de ténis. É uma atitude estúpida e suicidária.
Domingo, cem mil professores (a grande maioria num universo total de 140 mil) inundaram o centro de Lisboa, desfilando do Marquês até ao Terreiro do Paço.
É patético que o PS, que governa com maioria absoluta, escolha responder na rua à revolta dos professores. Não é preciso ser um Einstein para adivinhar que o Governo ser goleado na comparação.
Alguém no aparelho do PS já deve ter percebido isso e , prudentemente, ordenou a transferência do local da manifestação da praça D. João I para o mais aconchegado pavilhão do Académico, que não será difícil de lotar pois é uma sala à medida da capacidade de mobilização do Bloco de Esquerda.
É à mesa e não na rua que o Governo pode ultrapassar esta crise. Mas para vencer, Sócrates tem de ter a humildade de perceber que não lhe basta ter razão e que avaliou mal a situação quando em Outubro declarou que não confundia professores com sindicatos.
O gigantesco esforço de democratização do ensino que se seguiu ao 25 de Abril já deu alguns frutos. Prova disso é o facto de, em 20 anos, a taxa de escolarização no secundário ter aumentado 50%. Mas ainda há muito longo caminho a percorrer . Os 17% de alunos repetentes no secundário estão dramaticamente longe demais dos aceitáveis 3,9% que constituem a média de repetentes neste escalão de ensino nos países da OCDE.
Os 120 mil alunos que chumbam anualmente no básicoe os 46% que abandonam a escola no 12º ano são números que gritam por uma urgente reforma do nosso sistema educativo.
Sócrates tem razão quando diz que não se pode adiar por muito mais tempo esta reforma. Mas tem de ter a lucidez de perceber que não a pode fazer contra a vontade dos professores, que são os principais intérpretes e a peça chave do sistema educativo.
A pífia remodelação de 29 de Janeiro retirou ao primeiro ministro a margem de manobra para deixar cair Maria de Lurdes Rodrigues. A única bóia de salvação que ele tem ao alcance é agarrar-se à proposta de mediação apresentada por João Lobo Antunes, o ex-mandatário nacional de Cavaco.
A Comissão Europeia tem os seus requintes e um deles é o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização (FEG), criado pelo nosso Durão Barroso e apetrechado com um orçamento de 500 milhões de euros.
Nós já começamos a petiscar na mesa do FEG. O Governo de Lisboa pediu e Bruxelas deferiu um envelope de 2,4 milhões de euros para ajudar os 1549 trabalhadores portugueses despedidos da indústria automóvel a arranjar emprego.
O grosso dos beneficiados pelos 2,4 milhões do Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização são os ex-trabalhadores suicídas da General Motors da Azambuja, que fizeram greve contra a proposta de acordo de empresa, depois da multinacional norte-americana ter anunciado publicamente que ia fechar fábricas na Europa.
O pelotão dos 1549 é completado com ex-trabalhadores da Alcoa (Seixal) e da Johnson Control (Nelas e Portalegre).
Fico satisfeito pela ajuda conseguida em Buxelas, especialmente se esses dinheiros foram transformados em subsidios de deslocação que ajudem os 1549 a mudarem-se para Valença, onde o presidente da Cãmara está desesperado porque várias multinacionais fornecedoras de componentes à PSA de Vigo querem instalar fábricas no parque industrial do concelho e só ainda não o fizeram apenas porque não encontram mão de obra especializada.
Só não compreendo porque é que o o Governo de Lisboa ainda não pediu Bruxelas a intervenção do FEG para ajudar a dolorosa reestruturação das nossas indústrias têxtil e de calçado, vítimas da globalização.
Há apenas duas explicações para este esquecimento.
Ou Sócrates e o seu impagável ministro da Economia andam a comer muito queijo.
Ou Orwell tinha razão quando escreveu que somos todos iguais, mas uns são mais iguais que outros.
A confirmar-se esta última hipótese, sou obrigado a concluir que os porcos triunfaram em Portugal.
A Portela pode deitar foguetes e fazer a festa porque vai estar a uso bem mais tempo do que previsto
Tive uma fase na vida, presumo todos passamos por ela, em que instalei três prateleiras metálicas (também as há em plástico) em cima da secretária.
A imensa papelada que diariamente desaguava na minha mesa de trabalho era meticulosamente dividida pelas três gavetas. A de cima arquivava os papéis para despachar com urgência, a do meio guardava os assuntos pendentes, enquanto à prateleira de baixo iam parar os casos já resolvidos.
Cedo verifiquei que a prateleira do meio era uma espécie de cemitério onde eu deixava ficar a morrer os assuntos - na esmagadora maioria dos casos «curriculuns» de candidatos a estagiários, convites para participar almoços colectivos, ou assistir a seminários ou conferências, e propostas de trabalho que não se revelaram sedutoras ao primeiro olhar.
A prateleira dos Assuntos Pendentes, conclui eu mais tarde, era uma maneira de me enganar a mim próprio, de cobardemente deixar o tempo decidir por mim.
Quando forçado pela falta de espaço (a prateleira do meio era a quase sempre a primeira a encher), passava em revista os Assuntos Pendentes, a maior parte dos papéis tinham ultrapassado o prazo de validade e iam parar ao cesto do lixo.
Finalmente assumi uma política de verdade. Ofereci as prateleiras metálicas a um colega, decidi eliminar da minha vida os Assuntos Pendentes e perseguir o objectivo de chegar ao fim do dia com a secretária limpa de papéis (como é óbvio falhei, mas isso não é chamado ao caso).
Antes do Verão e da presidência da UE, com a opção Ota encostada à parede por um ofensiva crítica e sem precedentes da opinião pública e publicada, o governo pediu uma contagem de protecção.
O precioso tempo comprado foi pago com a promessa de que aceitaria a opinião técnica sobre a melhor localização para o novo aeroporto de Lisboa. Através desta sábia atitude, Sócrates evitou que a batalha perdida da Ota se transformasse na sua Alcácer Quibir.
Agora que o LNEC vai que Alcochete é mais atraente que a Ota porque comporta espaço para ampliações futuras, o Governo terá de arrumar na prateleira dos Assuntos Pendentes a questão do novo aeroporto.
Este parecer técnico obriga a Governo a encomendar os estudos e projectos para Alcochete - que já estavam feitos para a Ota – o que significa o óbito do sonho inicial de fazer da Ota e do TGV as alavancas para um vigoroso relançamento do nosso crescimento económico.
As obras de construção do novo aeroporto, que Sócrates queria começar nesta legislatura, só com muito optimismo poderão estar no terreno, no deserto márioliniano da Margem Sul, na próxima legislatura.
A boa notícia é que o arquivar nos Assuntos Pendentes desta questão deverá equivaler na prática à opção por aquela que me parece a melhor solução: Portela + 1.
Jorge Fiel
(www.lavandaria.blogs.sapo.pt)
PS. O Governo revelaria um notável sentido político se aproveitasse a oportunidade aberta pelo parecer do LNEC para embrulhar o revés Alcochete numa decisão corajosa, justificada pelas novas condições: a de resgatar o ruinoso contrato feito pelo Governo laranja com a Lusoponte.
PS2: Esta crónica foi hoje publicada no diário económico Oje (www.oje.pt)
Sherlock Holmes era viciado em ópio, que era legal na Inglaterra vitoriana.
D. João IV restaurou a independência de Portugal mas nunca na vida tomou banho.
Mao Tse Tungposava para a fotografia, no Palácio do Povo em Pequim, com os dignatários estrangeiros que recebia, confortavelmente instalado num sofá ladeado por um escarrador – que não tinha funções decorativas...
Na Roma Antiga, os patrícios sodomizavam alegremente os seus jovens discípulos, prática a que apenas punham termo (por passar a ser publicamente mal vista) quando lhes começavam a crescer pelos.
Na Europa Central, durante a Idade Média, os senhores feudais tinham o direito de pernada sobre as mulheres dos seus vassalos – ou seja, estavam legal e moralmente habilitados a usufruir sexualmente delas sempre que tal lhes aprouvesse.
A expressão «água vai» tem a sua origem no grito de advertência aos transeuntes lançado pelas donas de casa antes de despejaram pela janela os penicos para a via pública.
O relativamente recente movimento de importação das casas de banho para o interior das residências enfrentou uma feroz resistência de fundamentalistas que clamavam ser pouco higiénico colocar debaixo de um mesmo tecto as divisões onde se come, dorme e defeca.
Esta mão cheia de exemplos está aí a demonstrar a enorme amplitude das mudanças de cânone em questões de higiene e comportamento social e é citada a propósito da legislação anti-tabaco que finalmente vai ser posta em prática.
Em primeiro lugar, devo declarar que já não era sem tempo. Os franceses, que nestas coisas de costumes são bem mais tolerantes do que nós, já a têm em vigor desde 1 de Fevereiro uma legislação anti-tabaco bem mais dura que a nossa.
Neste dossiê, revelou-se a costela guterrista de Sócrates, que durante três anos manteve em «banho Maria« a legislação que herdou de Durão, só lhe mexendo para a amaciar. Ou será que o primeiro-ministro demorou este tempo todo porque esteve a arranjar coragem para deixar de fumar?
Em segundo lugar, saúdo a repressão do consumo de tabaco. Hoje é claro para todos que o tabaco é pernicioso para a saúde, não só dos fumadores activos mas também dos passivos.
Não percebe o banzé e constestação que alguns tentam atear a este propósito. Não demorará muito até que um fumador de tabaco seja olhado da mesma maneira que opiónamo detective de Conan Doyle - e que os cinzeiros malcheirosos e cheios de beatas merecem o mesmo olhar reprovador que o escarrador do presidente Mao.
Espero que o Governo tenha a coragem de usar a repressão para fazer cumprir a lei, seguindo o exemplo de Paris que enviou para o terreno 175 mil para fazer respeitar a interdição de fumar em lugares públicos.
Espero, também, que nos aviões fretados pelo Governo para visitas oficiais as leis da República passem a ser integralmente observadas.
Espero, por último, que as acções das tabaqueiras deixem de ser um valor refúgio nos tempos de crise e passem a ter um desempenho inferior ao mercado.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no diário económico Oje (www.Oje.pt)
Presenciei um momento mágico na única vez que fui a Luanda, no final do anos 80. Viajava com o Nicolau Santos, que, 15 anos depois, retornava pela primeira vez ao país onde nasceu e se fez homem.
Deixamos as malas por abrir no Hotel Presidente e fomos logo passear. A primeira escala foi a casa onde o Nicolau cresceu. À janela estava um negro idoso, que após um momento inicial de hesitação, soltou uma frase curta, dita com a voz a tremer: «Menino Nicolau!!!».
Caíram emocionados nos braços um do outro. A antiga casa do Nicolau tinha ficado para o empregado da família - e o meu amigo estava feliz por assim ter acontecido.
Mais de 15 anos volvidos sobre este momento, a Angola sem esperança e destroçada pela guerra que visitei já não existe mais. Agora é o país do Mundo que mais cresce – 23,4% este ano, 26,6% no próximo.
O petróleo é a locomotiva deste fantástico crescimento que permite a Luanda ter em curso um plano de investimento de 21,5 mil milhões de USD em infra-estruturas.
São já muitas as empresas portuguesas que têm sabido surfar em cima desta onda. De Janeiro a Setembro, as nossas exportações para Angola aumentaram 41% face ao mesmo período de 2006.
Portugal é o principal fornecedor de Angola, que é o nosso 2º maior mercado fora da UEO GES, PT, Américo Amorim, BPI e as principais construtoras já lá estabeleceram sólidas bases. E está na linha de partida uma vaga de investimentos industriais de produtoras de bens de consumo, como a Unicer, Compal, Tintas Barbot, Fogões Meireles e Aerosoles.
Os dois países estão a cair nos braços um do outro, tal como aconteceu com o Nicolau e o antigo serviçal da família Santos.
Angola é uma janela aberta que deixa entrar ar fresco na nossa economia estagnada e sociedade sufocada por uma taxa de desemprego recorde.
Atendendo à importância estratégica de Angola e ao facto de, pela primeira vez em 30 anos, as economias dos países subsaharianos estarem a crescer ao mesmo ritmo que o resto do Mundo, o Governo Sócrates brilhou a grande altura ao colocar África na agenda internacional.
Mas para garantir o sucesso da cimeira UE-África, Sócrates tem de tornar evidente perante a opinião pública internacional a enorme hipocrisia do seu amigo Gordon Brown ao invocar o pretexto da presença do ditador Mugabe para tentar boicotar a reunião.
Devemos fazer nossa a lição de pragmatismo dada pelo antigo primeiro ministro inglês Disraeli: «Não temos nem aliados eternos, nem inimigos perpétuos. O que temos é interesses eternos e perpétuos».
E os interesses de Portugal implicam que 45 anos depois, volte a estar actual o «soundbyte» de Salazar: «Para Angola, rapidamente e em força».
Só que desta vez não vamos de barco fardados e de Mauser ou G3 na mão. Também não vamos como pais que usam a força para tentar meter na ordem um filho rebelde.
Desta vez, vamos de avião, com mercadorias e contratos de investimento na mão. E já não nos relacionamos como pai e filho, mas antes como primos, que sabem que são diferentes mas se respeitam e sabem que aquilo que nos une é muito maior do que o nos divide.
Jorge Fiel
PS. Esta crónica foi publicada hoje no diário económico Oje (www.oje.pt)