Ontem foi um dia triste para os boavisteiros – oito anos depois de terem sido campeões, caíram na terceira divisão emuito provavelmente não lhes resta alternativa senão a de imitar o Salgueiros e trilhar o caminho do calvário.
Impedido, pelas dívidas, de inscrever jogadores no escalão sénior de futebol, o Salgueiral arranjou um irmão gémeo, o Salgueiros 08, que começou este ano tudo de novo, a partir do último escalão, a II Divisão Distrital da Associação de Futebol do Porto.
Ontem foi um dia alegre para o FC Porto, que comemorou o tetra, pela noite dentro, com o autocarro que transportava os campeões a passar ao lado os Paços do Concelho, de fachada limpa e iluminada, mas de porta fechada (para o ano, se tudo correr bem, o penta será festejado outra vez da varanda).
Ontem foi um dia alegre para o Salgueiros 08, que se sagrou campeão da II Divisão da AF Porto ao derrotar uma vez mais o Aliança da Gandra.
Ontem foi um dia triste para o Boavista. Mas como tristezas não pagam dívidas, ‘bora aí Bessa, vamos levantar essa cabeça que o futebol precisa das vossas camisolas "esquisitas”.
Ontem foi um dia igual a muitos outros, nos últimos oito anos, no Porto, porque o presidente da Câmara não esteve no Bessa, a dar força ao seu clube no momento mais difícil da sua vida – nem esteve nos Paços do Concelho a receber os tetracampeões nacionais, nem na Senhora da Hora a festejar a subida do Salgueiros 08.
Da primeira vez que foi presidente, o Salgueiros estava na I Divisão e a filha, de sete anos, perguntou-lhe porque é que ele não contratava o Maradona – e não se ficando com a desculpa dele (“Não temos dinheiro”), sugeriu-lhe a solução: “Passa um cheque!”.
Para Carlos Abreu, a deplorável situação de haver clubes da I Liga sem dinheiro para pagar aos jogadores, é culpa de dirigentes que adoptaram a atitude infantil de passarem cheques, mesmo sabendo que nunca teriam cobertura.
“Os clubes habituaram-se a viver acima das suas possibilidades”, afirma Carlos Abreu, 52 anos, que optou pelo creme de cenoura e courgette como entrada para o nosso almoço na varanda do Terra.
Em 1985, quando foi eleito presidente, o Salgueiros ameaçava naufragar, com um passivo de 50 mil contos que crescia à razão de mais 20 mil por ano. Mas ele não era um maçarico. Aos 18 anos comprara, com dinheiro emprestado e pelo preço das dívidas, o MGC, um clube de futebol amador do Porto, onde jogaram Zé Pedro Aguiar Branco (ex-ministro da Justiça) e Zé Guilherme Aguiar (ex-presidente da Liga de Clubes).
Apesar de ter reduzido o orçamento, conseguiu, durante o seu primeiro consulado (85-95), um recorde de permanências na I Divisão, um 5º lugar e uma inédita presença na Taça UEFA, onde o Salgueiros foi eliminado nos penaltis por um Cannes liderado pela jovem estrela Zidane.
“É preciso resistir à tentação de passar o cheque e ter a coragem de dizer aos jogadores que não podemos pagar mais – e se eles querem mais que vão para outro clube!”, afirma este jurista que há 14 anos trocou a barra pelo imobiliário.
Deixou o Salgueiros em 95, por o presidente da Câmara (Fernando Gomes) não ter viabilizado o seu projecto de construção, na Arca de Água, de um novo estádio, com seis mil lugares, e um centro de estágio - enquanto que o velho Vidal Pinheiro daria lugar a habitações.
“Deixei de ter cenoura à frente para me fazer correr. Vim-me embora. Não queria ficar a comer palha”, explica. Nos dez anos seguintes, o Salgueiros - fundado em 1911 por um grupo de miúdos de dez anos, onde se contava o futuro pintor Henrique Medina, que se reuniam junto ao lampião 1047 da rua da Constituição - desceu aos infernos por obra e graça da gestão pouco honesta e despesista do sucessor de Abreu. Em 2004, extinguiu o futebol profissional, em virtude de 1,5 milhões de dívidas a antigos jogadores.
No sítio do campo Vidal Pinheiro, onde Norton de Matos fez o maior comício da sua campanha presidencial (o que valeu ao Salgueiros ser olhado de lado pelo regime salazarista), passou a estar uma estação de metro – e as dívidas do clube ascendiam a 20 milhões de euros.
Este cenário dantesco não assustou Abreu, que regressou à presidência prometendo pagar tudo (“não vai ser fácil mas temos de o conseguir”). Ou seja, tem uma cenoura à frente. Com a ajuda dos três mil sócios, já abateu quatro milhões ao passivo e mantém 300 atletas em actividade. No pólo aquático é campeão nacional (e já ganhou 12 títulos seguidos). No futebol, os juniores subiram e os juvenis estão quase.
Nos seniores, Abreu teve de inventar. Fundou o Salgueiros 08, que disputa II Distrital da AF Porto com uma equipa de velhos (jogadores dos tempos da I Divisão, como Renato, Cao e Fernando Almeida) e crianças (ex-juniores), treinada por Pedro, o antigo capitão que tem uma empresa de gestão de condomínios.
Todos jogam por carolice (só ganham 50 euros de prémio de jogo) e apesar de estar na última das divisões, o Salgueiros orgulha-se de ter uma assistência média de 4 000 espectadores, que o coloca em 13º lugar de todos os campeonatos, à frente de clubes da Liga Sagres. Para o ano, o Porto Canal vai dar em directo os jogos, o que vai facilitar a angariação de um patrocinador.
Hoje é um dia duplamente importante para Carlos Abreu. No Estoril, ao volante de um Alfa Romeu Sprint amarelo,de 81, ele vai tentar terminar a sua primeira prova do Nacional de Clássicos. E em Paredes, o Salgueiros 08 defronta o Aliança da Gandra no primeiro jogo do play off de apuramento do campeão da II Distrital da AFP. Estou a fazer figas por eles.
Menu
Restaurante Terra
R. do Padrão 103, Porto
2 Menu Primavera ... 30,00 euros
Creme de cenoura e courgette
Falsos raviolis de bresaola, ricotta e ervas
2 Lulas recheadas com puré de ervilhas
4 copos de Silverlake, Sauvigon Blanc neozelandês… 16 euros
O Salgueiros acabou com o futebol profissional há uns anos - foi forçado a isso por não ter dinheiro para pagar a ninguém.
(O mesmo aconteceu ao Alverca mas isso são contas de outro rosário). O Salgueiros ficou sem estádio e quase sem nada, sem a Câmara do Porto deitar uma lágrima. Que diabo, o "Salgueiral" era uma instituição antiga da cidade e merecia alguma atenção. Quenão teve.
O Boavista corre um risco sério também no futebol profissional. Aliás, creio que a diferença que se criou entre o Boavista e o Salgueiros nos últimos 40 anos teve como causa a família Loureiro - se por acaso Valentim tivesse optado pelo Salgueiros, o clube de Paranhos ainda hoje teria estádio, equipa e muito mais.
Não sei o que vai acontecer ao Boavista, que não tem hoje nem liderança, nem dinheiro, mas tem um número de adeptos já não negligenciável e tem activos (o estádio, nomeadamente) e já tem identidade. Os 40 anos da família Loureiro podem ter acabado mal, mas é injusto não reconhecer tudo o que conseguiram para o clube "de uma rotunda".
Acho que a cidade do Porto precisa de um segundo clube na I Liga, muito embora o Porto hoje possa ser uma unidade que compreende Matosinhos, Vila do Conde, Póvoa, Penafiel - ou Trofa (saravá Trofense!). É uma questão de unidade citadina ou metropolitana.
Do que o Boavista precisa é de encontrar uma nova família que tenha capacidade de liderança para perceber que o clube até pode passar uns tempos difíceis nos próximos anos - os clubes são como a economia, têm ciclos bons e maus - mas tem futuro.