Tenho-me divertido imenso com o folhetim em exibição sobre as Secretas e o Superespião, um enredo cómico, adequado a uma ópera bufa e povoado por uma rica galeria de personagens, onde abundam malandros (não necessariamente dos bons), descarados e cretinos pomposos, que têm em comum uma noção de ética tão firme como uma teia de aranha cansada.
A história está a ganhar velocidade e pressinto que nos próximos capítulos a trama vai ser condimentada com o picante das sempre sumarentas cenas de sexo e traição.
Ao que nos é dado a conhecer, os desgraçados dos agentes que era suposto serem secretos - mas todos os leitores de jornais já conhecem pelo nome e apelido - elaboravam relatórios tão exclusivos como um modelo da Zara ou uma casa de banho pública.
Num desses relatórios, encomendado pelo Superespião - o Jorge Silva Carvalho deve delirar que o tratem por este cognome que o transporta para o exclusivo universo dos Superheróis povoado pelo Super Homem, o Hulk e o Homem Aranha, entre outros - , figura, por exemplo, a misteriosa informação de que alegadamente Francisco Balsemão "até na cama é preguiçoso".
Fiquei intrigado. Tenho dado voltas à cabeça para tentar perceber o que pretendem significar com esta insinuação da suposta preguiça de Balsemão na cama.
Os cientistas que estudam o comportamento humano durante o sono concluíram que, em média, nós mudamos de posição 30 vezes por noite. Será que Balsemão se vira apenas umas 20 vezes e é por isso que impende sobre ele a acusação de até na cama ser preguiçoso?
Uma sondagem da revista Esquire, recentemente divulgada, revela que a posição da amazona, em que ela fica por cima, ultrapassou nas preferências dos homens norte-americanos, a tradicional posição do missionário. Será que Balsemão está sintonizado com a nova moda dominante nos States e é por isso perfidamente insinuam que até na cama ele é preguiçoso?
O relatório sobre o Balsemão não passa de uma torpe recolha de boatos e mexericos misturados com factos do domínio público. A grande revelação que faz é sobre o caráter de quem o redigiu e encomendou - tudo almas perdidas em que há muita a sombra triunfou sobre a luz.
A lição que se deve extrair deste deplorável e ridículo folhetim em curso (ou ongoing, como se diz em inglês) é que Oscar Wilde estava cheio de razão quando, no longínquo século XIX, escreveu que "dado o caráter do jornalismo atual, a profissão de espião deixou de fazer sentido". Agora, que temos o Google e o Facebook, ainda é mais anacrónico estar a gastar dinheiro em agentes secretos falsificados. O bom senso e a profilaxia aconselham ao encerramento de todos os SIS, SIED e ofícios correlativos.
PS. O ministro Relvas tinha a obrigação de saber que um político queixar-se dos Media é tão ridículo como uma marinheiro queixar-se do tempo.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Ficamos a saber, pelo "Expresso", que os serviços públicos de espionagem, pagos por todos nós, andam a fazer concorrência desleal aos pobres dos detectives privados
Fanático por livros policiais, sempre tive uma enorme admiração pelos detectives privados. Por todo o tipo de detectives privados, desde o pioneiro Sherlock Holmes até aos clássicos Hercule Poirot e Philip Marlowe, passando pelo menos convencional Pepe Carvalho e a imbatível dupla Nero Wolfe/Archie Goodwin. Todos estes, mais uma data deles, ocupam um lugar de destaque no meu panteão privado de heróis.
Tenho para mim que ao contrário do que acontece nos outros géneros literários, em que a imensa imaginação e enorme talento dos autores raramente conseguem superar a surpreendente riqueza da vida quotidiana, no caso da literatura policial a ficção costuma ser muito mais sexy que a realidade.
Na minha geração, as miúdas sonhavam ser hospedeiras da TAP ou veterinárias e os miúdos queriam ser astronautas ou futebolistas. Apesar de lermos de um só fôlego todos os livrinhos da colecção Vampiro (com maravilhosas capas de Lima de Freitas) que nos apareciam pela frente, não me lembro de ter tropeçado em alguém que aspirasse ser detective privado.
Nunca chegaram para encher sequer 1/4 de coluna de jornal os anúncios de detectives privados a oferecerem os préstimos a uma clientela estreita, que presumo se resumia a maridos ciumentos e a mulheres convencidas de que as provas de infidelidade recolhidas renderiam, em termos de pensão de divórcio, o suficiente para darem o dinheiro como bem gasto.
A vida real dos detectives privados nunca foi fácil. Com o abuso das SMS e vídeos para o YouTube, e as inconfidências feitas no Facebook e no Twitter, a privacidade foi sacrificada no altar do progresso tecnológico - e os detectives privados passaram a ser tão procurados como as dactilógrafas.
Como se isso não bastasse, ficamos ontem a saber, pelo "Expresso", que os serviços públicos de espionagem, pagos por todos nós, andam a fazer concorrência desleal aos pobres dos detectives privados.
Por razões não explicadas (mas que não custam a adivinhar), o camarada Paulo Santos, gestor da Ongoing África, precisava de obter umas informaçõezinhas sobre o passado e os negócios do ex-marido da sua mulher. Pôs os pés ao caminho, navegando furiosamente na Internet? Não! Contratou um detective privado? Não.
Em vez disso, pediu ajuda ao irmão da Loja Mozart (que, ao contrário do que possa pensar-se, é uma estrutura da Maçonaria e não uma loja de bombons ou instrumentos musicais) que até há bem pouco tempo foi chefe da Secreta.
Como os amigos são para as ocasiões, Jorge Silva Carvalho accionou a carteira de contactos nos serviços de informação para satisfazer a curiosidade do colega, irmão e amigo.
Todas as histórias têm uma moral. É só encontrá-la. Nesta história, não é preciso ser o comissário Maigret para a descobrir.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias