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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Como espalhar um boato

A repressão funciona. Custa-me reconhecê-lo, mas é verdade. Enquanto me lembrar dos 120 euros que paguei de multa, sempre que estiver ao volante e o telemóvel tocar, ele fica a ladrar sozinho. Eu não atendo.

Se, em 1992, não tivesse sido obrigado a viver durante uma semana num sítio (uma enfermaria do Hospital de St.º António) onde o tabaco era proibido, o mais certo era ter acontecido uma de duas coisas: ou continuava a fumar dois maços de SG Filtro por dia, ou já estava a fazer tijolo - o tabagismo é a principal causa de morte prematura.

Vinte anos depois, estou muito satisfeito por ter deixado de fumar. Economizei dinheiro e pulmões. Passei a respirar e a dormir melhor - e a acordar mais feliz. Confesso que nas primeiras semanas senti a falta do cigarro quando tomava café no final de uma boa refeição, mas essa carência era compensada pela redescoberta de sabores e aromas.

Aplaudi a legislação antitabágica de 2006, cujo impacto positivo já é mensurável: o contingente de fumadores minguou 5% e 22% dos viciados reduziram o consumo, que apesar de ter caído de 12 para 11 biliões (entre 2011 e 2010) de cigarros ainda garante ao Estado uma confortável receita fiscal de 1,35 mil milhões de euros, oito vezes superior à proporcionada pelo vício do álcool (175 milhões).

Apoio o provável endurecimento da lei do tabaco e sigo com curiosidade as consequências do proibicionismo, em particular desde que li um artigo do New York Times que salientava duas tendências curiosas: a satisfação dos donos dos restaurantes (as receitas tinham aumentado porque a diminuição da venda de digestivos, cujo consumo está associado ao cigarro, fora compensado pelo aumento da rotação das mesas) e o anormal crescimento dos divórcios nos casais mistos (um fumador e outro não), recenseado por estatísticas e sociólogos: no final da refeição, vai lá fora fumar um cigarrito, à porta do restaurante trava conhecimento com outros fumadores, começam a conversar e, já se sabe, muitas vezes é mesmo a ocasião que faz o ladrão.

Esta última consequência será muito mitigada se, como tudo indica, for para a frente a intenção já anunciada de ilegalizar as concentrações de fumadores à porta de restaurantes e bares.

No nosso país, a proibição teve o excelente efeito secundário de desencadear o ressurgimento das esplanadas e de alterar de uma forma profunda o relacionamento nos locais de trabalho.

Os não fumadores passam o dia sem levantar o cu da cadeira, interagindo pessoalmente cada vez menos com os colegas - quando têm algo a dizer, usam o telefone interno, o mail ou o Messenger. Os fumadores encontram-se cá fora, várias vezes ao dia, nas pausas para fumar um cigarro, que aproveitam para pôr a má língua em dia. Hoje, para pôr a circular um boato numa empresa, é preciso escolher um fumador para o espalhar.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Um povo viciado em adrenalina

O meu pior vicio foi o tabaco. Comecei tarde, já na faculdade, mas recuperei rapidamente o atraso em nicotina, pois nos dias em que o trabalho seguia pela noite dentro cheguei a fumar três maços de SG Filtro.

Ter passado cinco dias num sítio onde era proibido o consumo de tabaco (o hospital) por causa de um problema de coração (sempre fui precoce) ajudou-me muito a deixar de fumar, em 1992.

Por medo de uma recaída, nunca mais peguei num cigarro, cigarrilha ou charuto. Curei-me do terrível vício do tabaco, mas tenho outras dependências, que classifico de menores (somos sempre muito indulgentes connosco) como ver séries de televisão, ler thrillers e policiais, comer queijos e enchidos ou enrolar o papel dos pacotes de açúcar - mania que não é tão simples de alimentar porque tomo o café sem açúcar.

Se me perguntassem, assim de repente, qual o vício de que eu gostaria de me livrar, não hesitaria em responder: a adrenalina.

Partilho com a imensa maioria dos meus compatriotas o mau hábito de deixar para amanhã o que podemos fazer hoje, em que nos viciamos ainda catraios (pagando com pingas nas cuecas o pecado de deixar para a última a ida à casa de banho) e depois transportamos pela vida fora, estudando só nas vésperas dos exames e fazendo noitadas para cumprir os prazos.

Nós, os portugueses, somos todos viciados em adrenalina. Deixamos as coisas andar alegremente até o stresse obrigar as glândulas supra-renais a bombar para a corrente sanguínea enormes quantidades de adrenalina, um doping natural que dilata a nossa performance para além do normal.

Somos um povo de viciados em adrenalina, que se agiganta em momentos de grande stresse nacional, principalmente se conduzidos por uma liderança esclarecida e mobilizadora (como na época das Descobertas) ou reunidos em torno da prossecução de um grande objectivo mobilizador - vejam-se os casos recentes da Expo 98 e do Euro 2004.

Estamos a começar a tentar contornar a mais difícil esquina da História do Portugal que encontrámos durante as nossas vidas. Para se sustentar , o país precisa de mil milhões de euros por semana. Já todos percebemos que vai haver menos rendimento para gastar e pagar dívidas, que acabou o crédito fácil e barato, que vai haver muito menos investimento público, mais desemprego com menos subsidio, que vamos ter serviços (electricidade, transportes, saúde e educação ) mais caros e impostos mais altos.

Neste dia em que Governo comemora 100 dias e a crise pôs a adrenalina a circular-nos nas veias, só nos resta acreditar que Passos Coelho vai ser capaz levar este bom povo católico e viciado em adrenalina a acreditar no milagre regenerador do grande sacrifício nacional.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Fumador é o novo vector do boato

A minha experiência pessoal de ex-fumador (deixei há 18 anos) é mais uma prova dos nove da veracidade daquela história da borboleta que bate as asas em Pequim e provoca uma tempestade na Marmeleira, se esta parábola quer dizer, como eu penso, que as consequências de um simples acto são muito mais complexas e profundas do que nós imaginámos à partida.

Deixar de fumar dois maços de SG filtro por dia permitiu-me economizar dinheiro e pulmões. Passei a respirar e a dormir melhor. A acordar mais feliz. Até agora só vantagens. Confesso que nas primeiras semanas senti a falta do cigarro quando tomava café no final de uma boa refeição mas essa carência era compensada pela redescoberta de sabores e aromas.

Mas não demorei muito a perceber que o esplêndido redespertar de sentidos outrora embotados também tinha as suas consequências negativas. Como a comida me passou a saber incrivelmente melhor, ganhei peso e os níveis de colesterol no sangue subiram. Mais. O cheiro do tabaco passou a incomodar-me. Nunca fui fedorento ao ponto de responder que sim  quando alguém ao meu lado perguntava se o fumo me incomodava, mas chateava-me chegar a casa com a roupa a tresandar a tabaco.

Saudei a legislação anti-tabágica de 2006, apoio o seu previsível endurecimento e sigo com curiosidade as consequências do proibicionismo, em particular desde que li um artigo do New York Times sobre o assunto que salientava duas tendências curiosas: a satisfação dos donos dos restaurantes (as receitas tinham aumentado porque diminuição da venda de digestivos, cujo consumo está associado ao cigarro, fora compensado pelo aumento da rotação das mesas) e o anormal crescimento dos divórcios nos casais mistos (um fumador e outro não), recenseado por estatísticas e sociólogos : no final da refeição, vai-se lá fora fumar um cigarrito e, à porta do restaurante, trava conhecimento com outros fumadores, começam a conversar e, já se sabe, muitas vezes é mesmo a ocasião que faz o ladrão.

Em Portugal, a proibição teve o excelente efeito secundário de desencadear o ressurgimento das esplanadas e de estar a alterar de uma forma profunda o relacionamento nos locais de trabalho. Os não fumadores passam o dia sem levantar o cu da cadeira, interagindo pessoalmente cada vez menos com os colegas -  quando têm algo a dizer, usam o telefone interno, o mail ou o Messenger. Os fumadores encontram-se cá fora, várias vezes ao dia, nas pausas para fumar um cigarro, que aproveitam para pôr a má língua em dia. Hoje, para pôr a circular um boato numa empresa, é preciso escolher um fumador para o espalhar.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

O escarrador do presidente Mao

 

Sherlock Holmes era viciado em ópio, que era legal na Inglaterra vitoriana.

D. João IV restaurou a independência de Portugal mas nunca na vida tomou banho.

 

Mao Tse Tung  posava para a fotografia, no Palácio do Povo em Pequim, com os dignatários estrangeiros que recebia, confortavelmente instalado num sofá ladeado por um escarrador – que não tinha funções decorativas... 

 

Na Roma Antiga, os patrícios sodomizavam alegremente os seus jovens discípulos, prática a que apenas punham termo (por passar a ser publicamente mal vista) quando lhes começavam a crescer pelos.

 

Na Europa Central, durante a Idade Média, os senhores feudais tinham o direito de pernada sobre as mulheres dos seus vassalos – ou seja, estavam legal e moralmente habilitados a usufruir sexualmente delas sempre que tal lhes aprouvesse.

 

A expressão «água vai» tem a sua origem no grito de advertência aos transeuntes lançado pelas donas de casa antes de despejaram pela janela os penicos para a via pública.

 

O relativamente recente movimento de importação das casas de banho para o interior das residências enfrentou uma feroz resistência de fundamentalistas que clamavam ser pouco higiénico colocar debaixo de um mesmo tecto as divisões onde se come, dorme e defeca.

 

Esta mão cheia de exemplos está aí a demonstrar a enorme amplitude das mudanças de cânone em questões de higiene e comportamento social e é citada a propósito da legislação anti-tabaco que finalmente vai ser posta em prática.

 

Em primeiro lugar, devo declarar que já não era sem tempo. Os franceses, que nestas coisas de costumes são bem mais tolerantes do que nós, já a têm em vigor desde 1 de Fevereiro uma legislação anti-tabaco bem mais dura que a nossa.

 

Neste dossiê, revelou-se a costela guterrista de Sócrates, que durante três anos manteve em «banho Maria« a legislação que herdou de Durão, só lhe mexendo para a amaciar. Ou será que o primeiro-ministro demorou este tempo todo porque esteve a arranjar coragem para deixar de fumar?

 

Em segundo lugar, saúdo a repressão do consumo de tabaco. Hoje é claro para todos que o tabaco é pernicioso para a saúde, não só dos fumadores activos mas também dos passivos.

 

Não percebe o banzé e constestação que alguns tentam atear a este propósito. Não demorará muito até que um fumador de tabaco seja olhado da mesma maneira que opiónamo detective de Conan Doyle - e que os cinzeiros malcheirosos e cheios de beatas merecem o mesmo olhar reprovador que o escarrador do presidente Mao.

 

Espero que o Governo tenha a coragem de usar a repressão para fazer cumprir a lei, seguindo o exemplo de Paris que enviou para o terreno 175 mil para fazer respeitar a interdição de fumar em lugares públicos.

 

Espero, também, que nos aviões fretados pelo Governo para visitas oficiais as leis da República passem a ser integralmente observadas.

 

Espero, por último, que as acções das tabaqueiras deixem de ser um valor refúgio nos tempos de crise e passem a ter um desempenho inferior ao mercado.

 

Jorge Fiel

 

Esta crónica foi hoje publicada no diário económico Oje (www.Oje.pt)

 

 

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