Em 1987, quando Portugal tresandava a optimismo, deu-se o fenómeno curioso de aparecerem nos bancos clientes a pedirem para comprar chispe. Ao contrário do que à primeira vista pode parecer, eles dirigiram-se ao sítio certo. A confusão não era entre talho e banco, mas sim entre chispe e CISF - as iniciais da Companhia de Investimentos e Serviços Financeiros, que era uma das estrelas ascendentes na bolsa que subia a 5% ao dia.
Este episódio teve um enorme impacto na minha carreira profissional, pois levou-me a investir na educação financeira. Se toda a gente estava a comprar furiosamente acções, os jornais teriam de satisfazer a sua sede de notícias das empresas cotadas e dos mercados.
Jamais esquecerei a paciência que João Veiga Anjos, então presidente da Bolsa do Porto, teve para me explicar a diferença entre acção e obrigação, o que é uma blue chip e o cash flow, como calcular o PER e o PCF de uma acção, bem como o mecanismo das OPV à holandesa muito em voga è época.
Desde estes tempos, em que comecei a desvendar os mistériso do mercado de capitais, sempre que me sobra dinheiro depois de cumpridas as obrigações mensais, invisto em acções o que destino a poupança de longo prazo.
Há um misto de racionalidade e emoção na selecção das empresas em que invisto. Por isso, mesmo que a TAP já estivesse privatizada e cotada em bolsa, não compraria acções desta companhia.
Chateia-me solenemente continuar a alimentar, como contribuinte, uma companhia que se diz "de bandeira" (ou seja, ao serviço dos superiores interesses do país) para reivindicar protecção do Governo e da ANA - mas que deixa a bandeira cair sempre que isso lhe interessa.
Os superiores interesses de Portugal foram sacrificados no altar da estratégia da companhia quando a TAP desertou do Porto e abandonou Faro. "Volta e meia tenho muitos empresários zangados a dizerem que a TAP não faz nada pelo Algarve. Não vale a pena. "Levar um avião para o Algarve sai muito caro. Não temos dinheiro para isso", confessou, com candura, Luiz Mor, um dos administradores brasileiros da transportadora.
A TAP não é companhia de bandeira para o Porto nem para Faro. É só para Lisboa, onde apostou todas as suas fichas e quer manter uma situação de privilégio face à crescente concorrência das low cost, que alimentam o país com turistas.
Não quero continuar a ser accionista à força de uma companhia que quis matar o aeroporto do Porto, aumentou os custos operacionais no 1º semestre (fazendo orelhas moucas ao corte de 15% decretado pelo Governo), aumentou chefes e directores em 50%, apesar de ter perdido 137 milhões de euros - e agora vem pedir-nos uma recapitalização de 400 milhões de euros.
Lamento muito que o Governo esteja atrasado na venda da TAP, adiada para 2012, apesar de estar prevista para este ano no memorando da troika. E, como nortenho, sigo conselho de quem acha que as iniciais de TAP querem dizer Take Another Plane.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Ontem fui a Lisboa e vi o futuro. Embarcado em Campanhã no Alfa 120, cheguei a Stª Apolónia por volta das 10.45 horas. E, apesar de ateu, dei graças a Deus por não ter caído na tentação de sair na Gare do Oriente quando li no painel informativo do cais do metro que uma avaria estava a interromper a circulação da Linha Vermelha.
Segui na Linha Azul até ao Marquês de Pombal, onde mudei para a Linha Amarela.
Confesso que senti algum desalento quando vi que as escadas rolantes ascendentes estavam avariadas. A mala estava pesada, as minhas pernas e fôlego já não são o que eram - e a estação de metro que serve a sede nacional do PS fica num buraco bem distante da superfície (pior talvez só a Baixa Chiado).
No início da tarde a coisa piorou. Eram 14.30h quando desci ao cais de embarque do metro no Rato e constatei que estava seriamente comprometido o meu objectivo de chegar a horas a uma entrevista marcada para as 15h, junto à Casa da Moeda (metro Saldanha), pois o sistema sonoro e painel electrónico avisavam que, devido a problemas de circulação na Linha Amarela, tínhamos de estar preparados para intervalos superiores a 15 minutos entre a chegada dos comboios.
Finalmente, em StªApolónia, onde apanhei o Alfa 127 das 17 h com destino ao Porto, fiquei a saber através do eficaz sistema informativo do Metro de Lisboa que a partir das 21.30h em todas as linhas os comboios teriam doravante apenas três composições.
O futuro que vi quando ontem fui a Lisboa foi o da lamentável degradação do serviço das empresas públicas de transportes.
O futuro que vi quando ontem fui a Lisboa foi o de que os utentes é que irão sofrer com os inevitáveis cortes nas transferências do Estado para empresas descapitalizadas e mal geridas.
Opassado que nunca percebi foi por que é que teve de vir a troika para finalmente irmos deixar de ser accionistas à força de uma TAP (a única companhia aérea europeia totalmente detida pelo Estado), onde o sindicato dos tripulantes tem lata de reivindicar o aumento de quatro para 12 das viagens de borla a que têm direito por ano, para amigos e familiares - e não aceita o corte de um elemento nas tripulações, apesar de mesmo assim elas ficarem mais numerosas do que as da Iberia.
Portugal não precisa de gente, como os tripulantes da TAP, que apenas sabe olhar para o seu umbigo e faz gala em exibir uma enorme falta de consideração pelos interesses dos passageiros e do país.
As 600 mil garrafas de vinho que a TAP compra todos os anos a produtores portugueses são apenas uma das muitas boas razões para que o método a seguir na sua privatização não seja o de a entregar no regaço de quem der mais para abater ao monstruoso défice que o desespero do Governo triplicou em 2009. Da equação fazem ainda parte o meio milhão de euros de sumos comprados à Compal, os sete milhões de cafés adquiridos à Delta, os 220 mil euros que a Renova ganha ao abastecer os aviões de papel higiénico e guardanapos. Isto para já não falar dos 6,5 milhões de turistas/ano que nos trás e asseguram 23 milhões de dormidas.
A TAP já devia ter vendida há muito tempo e a única que explicação que arranjo para não ter sido é que a sua manutenção no sector público foi útil porque permitiu que governos de todas das cores a usassem para fazerem uns jeitos aos amigos. Estou a pensar, por exemplo, na dor de cabeça de que o GES se livrou quando a TAP lhe comprou a Portugália – a alternativa era fechar as portas, ou seja os Espíritos não só não metiam algum ao bolso como ainda por cima ficavam mal na fotografia.
O facto da TAP ser a maior exportadora nacional, com vendas ao exterior de 1,4 mil milhões de euros em 2009, aconselha a que se aproveite a operação de privatização para garantir que ela sobreviverá ao combate de morte que se trava nos céus da Europa. Para resistirem ao domínio da Lufthansa, a Air France casou com a KLM e a British Airways não teve outro remédio senão fundir-se com a Ibéria.
Da mesma maneira que se quisermos ganhar ao Roger Federer não o devemos desafiar para uma partida de ténis (talvez tenhamos sorte nos matrequilhos ou no xadrez, mas no court é certo e sabido que estamos feitos ao bife), a TAP para sobreviver tem aprofundar as suas posições no espaço vital que lhe permitiu fechar 2009 com um pequeno prejuízo (3,5 milhões de euros) e aspirar a escrever com tinta azul o resultado deste ano.
A nuvem de cinzas do Eyjafjallajorvll desenhou a área onde a TAP (que apenas viu 50% dos seus voos afectados) deve continuar a apostar para ter futuro e prosperar – as rotas africanas e atlânticas (em particular as do sul). A óbvia vocação da TAP é fazer de Lisboa uma placa giratória, entre a Europa, África e América Latina. Nas cinzas do vulcão islandês é possível ler que o Governo deve aproveitar a privatização da TAP para promover uma fusão estratégica com a angolana TAAG e a brasileira TAM, que crie um gigante aéreo que fale português e domine pelo ar as rotas que os nossos antepassadas outrora controlaram no mar.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
Há quatro anos, quando a TAP deitou as mãos ao pescoço do Sá Carneiro, desviando para Lisboa os voos directos do Porto, foi a Ryanair quem forneceu o essencial do oxigénio que evitou o nosso aeroporto de morrer asfixiado.
A Lufthansa também deu uma ajuda, ao aumentar a frequência de voos diários para Frankfurt. Os alemães foram rápidos a identificar a oportunidade de negócio aberta pela deserção da TAP – e a agir.
A companhia alemã não demorou a obter o retorno deste investimento. «Hub» por «hub», turistas e homens de negócios nortenhos preferem fazer escala em Frankfurt do que em Lisboa.
Mas foi a Ryanair quem salvou o nosso aeroporto da condenação à morte proferida pela TAP (nacionalizada nossa …?!), com a cumplicidade da ANA (nacionalizada nossa…?! ) a entidade gestora dos aeroportos.
Por muitos anos que viva, nunca esquecerei da conferência de imprensa que Michael O’Leary, presidente da Ryanair, deu no Porto, paramentado com a camisola azul e branca do FC Porto, que tinha acabado de conquistar a Liga dos Campeões em Gelsenkirchen.
A combinação entre o prestígio, no Reino Unido, do vinho do Porto e do FC Porto (que acabara de exportar José Mourinho para o Chelsea) convenceu o irlandês de que a sua aposta numa ligação «low cost» entre as cidades do Porto e Londres ia ser ganhadora - e que os seus aviões andariam cheios nos dois trajectos.
Os dois milhões de passageiros transportados, em menos de quatro anos, de e para Portugal, provam que O’Leary tinha razão. A sua Ryanair é a principal contribuinte para as taxas de crescimento da ordem dos 17% ao ano registadas pelo Sá Carneiro, de que já é a sua segunda principal cliente.
O ano passado, três milhões de passageiros usaram o aeroporto do Porto. Este ano, prevê-se que sejam quatro milhões. Mais um milhão.
Mas a monopolista e estatal ANA está a cortar as pernas à continuação deste espectacular crescimento ao boicotar, há quase um ano, um investimento de 220 milhões de euros no Sá Carneiro da Ryanair, que quer instalar no nosso aeroporto uma base de operações.
Entre outras coisas, esta base permitira que, no espaço de um ano, a Ryanair triplicasse o número de passageiros que transporta no Sá Carneiro.
É inadmissível que numa economia que se pretende de mercado, a TAP continue estatal e que através dela o Governo tenha nacionalizado uma companhia privada (a Portugália).
É inadmissível que numa economia que se pretende de mercado, haja uma entidade estatal a monopolizar a gestão dos nossos principais aeroportos, impedindo a concorrência entre eles e prejudicando o Sá Carneiro.
Não há uma entidade única a gerir os portos nacionais e os resultados transparentes deste saudável estado de concorrência estão à vista: o porto de Leixões é o único que dá lucros. Os outros todos, sem excepção, acumulam prejuízos.
A AEP e a Associação Comercial do Porto já se disponibilizaram por criar uma entidade que substitua a ANA na gestão do Sá Carneiro, onde reuniriam empresas exportadoras e operadores turísticos.
É urgente que a ANA tire as patas do Sá Carneiro para que o nosso aeroporto seja gerido pela sociedade civil e, assim, possa continuar a prosperar - e ser a porta de entrada e saída, por via aérea, do Noroeste Peninsular.
No dia 6 de Agosto, o comandante do voo TP 653 tomou uma decisão cujos danos para TAP ainda não são totalmente conhecidos, mas que espero sejam muito elevados.
Como partiu de Amesterdão com duas horas de atraso, o comandante achou por bem agir como um pirata do ar fardado e desviou do Porto para Lisboa o destino do voo TP 653, argumentando que assim evitaria à companhia o prejuízo da anulação de um voo Lisboa-Paris.
Como contribuinte, acho preocupante que a estatal TAP se tenha dado ao luxo de fazer ao GES o jeito de lhe comprar, por 140 milhões de euros, a Portugália, que não fosse nacionalizada teria de fechar as portas.
Como cidadão, acho ultrajante a cultura de falta de respeito pelos passageiros que leva um comandante da TAP a mudar uma rota para poupar uns cobres à companhia.
Como portuense, sinto-me insultado porque sei (sabemos todos), que nem sequer passaria pela cabeça do infeliz comandante desviar, por razões económicas, um voo de Lisboa para o Porto.
A suprema infelicidade do comandante residiu no facto da equipa do FC Porto seguir a bordo do TP 653 e de os dirigentes portistas não serem gente para se acanhar quando suspeitam que há motivo para protestos.
O voo TP 653, que era suposto aterrar no Sá Carneiro às 16h10, aterrou em Lisboa às 18h30, e os passageiros com destino ao Porto, deficientemente informados e muito justamente mal dispostos, acabaram transferidos para um avião com mais passageiros do que lugares.
E como se o caldo ainda não estivesse suficientemente entornado, o comandante caprichou aom mandar prender o chefe da comitiva portista, por este, no seu entender, se ter excedido nos protestos.
Este episódio é revelador da falta de respeito da companhia pelos seus clientes, em particular pelos nortenhos. O menosprezo da TAP pelo Porto já é antigo e manifestou-se por anos a fio de desinvestimento, acabando com voos directos a partir do Sá Caneiro para concentrar na Portela (o tal aeroporto que está saturado) o essencial das suas operações.
A TAP já começou a pagar por esta sua arrogância centralista. Quando não há voo directo para o seu destino, nove em cada dez homens de negócio do Norte preferem fazer a escala em Frankfurt (os alemães aproveitaram o espaço deixado livre pela TAP para aumentarem as suas ligações diárias ao Porto) do que em Lisboa.
Penalizada pelos lugares de destaque que alcançou nos rankings internacionais da perda de malas e atrasos, a TAP iniciou uma campanha de lavagem da sua imagem. Da cartola, ainda só conseguiu tirar dois coelhos, ambos anémicos.
Anunciou com foros de notícia de primeira página, a inauguração de ligações directas do Porto a Bruxelas e Roma. Esqueceu-se de acrescentar que estas rotas se destinam a aproveitar os Fokkers que herdou da Portugália.
Para se calibrar a importância destas duas novas, basta ver que só a Ryanair vai abrir até ao fim do ano cinco novo voos directos do Porto para Pisa, Estocolmo, Valência, Bristol e Milão.
As migalhas dos voos para Bruxelas e Roma não me comovem. Por isso apoio o boicote portista. Voar na TAP, só mesmo quando não tiver alternativa.