Tentar vender pentes a carecas
Tenho lá em casa uma adolescente que passa os tempos livres (que nesta altura excluem apenas as horas em que dorme) sentada no sofá, com o portátil aberto no colo, o telemóvel ao lado, o televisor à frente – e os fones nos ouvidos. Ouve música enquanto petisca, no Fox ou no AXN, uma episódio repetido do House ou do Lie to me, actualiza o perfil no Facebook, conversa no Messenger, espreita um vídeo no YouTube, recebe e envia SMS – tudo ao mesmo tempo. É brutal ver em acção uma adolescente tipo da geração multitasking.
Eu sou do tempo em que o telefone estava preso à parede por um fio, mas estou convertido às vantagens do telemóvel, que uso não só para fazer e receber chamadas, mas também trocar SMS e ainda como despertador, lista telefónica, agenda – e ocasionalmente para fazer uma fotografia. Planeio aproveitar as férias para fazer a migração do meu velho Nokia 6680 para o TMN com sistema operativo Android (sou fã do Google) apesar de saber que isso terá com óbvia consequência o agravamento do vício de estar sempre a ir ver o correio electrónico, que está a atingir uma fase doentia, pois já tenho de me esforçar para não estar sempre a interromper com visitas ao gmail a redacção de um texto. E está fora de questão deixar que o meu novo smartphone torne obsoletos o iPod e a máquina fotográfica Sony.
O desenvolvimento descontrolado da tecnologia está a alterar de forma radical os comportamentos sociais e é tão contagiante que não conhece idades: noutro dia, durante um jantar, um amigo meu surpreendeu Pinto da Costa, 72 anos, a trocar SMS com a sua namorada Fernanda, 23 anos, de um lado para o outro da mesma mesa de restaurante.
O telemóvel serve para actualizar as contas no Twitter e no FB, para consultar o mail, enviar SMS, fazer fotos, ouvir música, etc, mas é cada vez menos usado na vocação original de fazer e receber chamadas telefónicas, o que começa a preocupar as operadoras, já que em 2009, o tráfego de SMS cresceu 50%, mas os minutos de voz entraram na curva descendente.
O desenvolvimento descontrolado da tecnologia está a alterar de forma radical o cérebro dos adolescentes, com consequências ao nível da fragmentação de raciocínio, bem como da elevação dos níveis de ansiedade e da incapacidade em distinguir o que é ou não relevante. É por essas e por outras que, sempre que ouço colegas meus a discutir o que fazer para tornar os jornais apetecíveis para os nativos digitais, eu abano a cabeça, explico-lhes que estão a tentar vender pentes a carecas – e recomendo-lhes que concentrem os esforços a fazer um produto bom para quem gosta e está habituada a ler jornais.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias