Andei sempre de Alfa ou Intercidades entre o Porto e Lisboa. Veterano de meia dúzia de anos com idas à segunda de manhã e regressos na sexta ao final da tarde, não tenho a menor dúvida de que o comboio é meio de transporte ideal entre as duas cidades.
Relativamente ao carro, o que se perde em flexibilidade de horários é amplamente compensado pelo muito que se ganha em segurança, tempo de trabalho ou descanso (ao volante não é conveniente ir a ler ou a dormir), dinheiro e custos ambientais.
O tempo que se demora é apenas ligeiramente superior ao que se consegue de automóvel, uma desvantagem que fica a dever-se apenas ao desperdício de 1,3 mil milhões de euros torrados nas obras inacabadas de renovação da Linha do Norte.
O Alfa, com capacidade para velocidades médias na ordem dos 200 km/hora, precisa de 2.45 h para fazer 300 km porque anda numa linha ultracongestionada onde circulam diariamente 591 comboios!
Este país com mais autoestradas por km2 (e menos km de linha eletrificada) é resultado da conjugação do labor do lóbi do betão com a inépcia da nossa classe política.
Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite tiraram o TGV do fundo da gaveta em que Ferreira do Amaral arrumou um projeto que tinha sido colocado em cima da mesa por João Oliveira Martins, o primeiro ministro das Obras Públicas de Cavaco.
Antes de bazar para Bruxelas, Durão acordou com Aznar, numa cimeira ibérica, não uma, nem duas, nem três, mas cinco linhas de TGV: Lisboa-Madrid, Porto-Vigo, Porto--Lisboa, Aveiro-Salamanca e Évora-Faro-Huelva.
O TGV não foi uma maluquice de Sócrates, que ganhou a primeira maioria absoluta do PS prometendo TGV mais Ota e conseguiu a reeleição batendo Ferreira Leite que cometeu o erro de transformar as legislativas num referendo nacional sobre a alta velocidade.
Nos últimos 15 anos, os governos conseguiram a proeza de desperdiçar dinheiro, ao ponto de deixarem a economia do país em pior estado que o chapéu de um trolha, e não construíram um só km de TGV, que tiveram a arte de diabolizar e passou a ser sinónimo de luxo supérfluo - apesar de estar em fase adiantada de construção em Marrocos.
Não é preciso ser um Einstein para perceber que a escalada louca do preço do petróleo e os custos ambientais do transporte rodoviário e individual aconselham investimentos em transportes públicos e ferroviários, movidos a energias limpas e renováveis.
Não tem de se chamar TGV. Os espanhóis batizaram-no de AVE. Não tem de andar a 350 km/hora. Bastam os tais 200 km/h de que fala Álvaro para as Linhas de Alta Prestação - e podemos chamar-lhe isso mesmo: LAP.
Mas arranjem p.f., e o mais depressa possível, LAP que escoem rapidamente mercadorias e pessoas, de Sines e Aveiro para Badajoz e Salamanca, e cosendo o litoral, de Setúbal a Vigo, amarrando os nossos portos e centros urbanos à rede de alta velocidade espanhola.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Na sua peregrinação por 200 empresas, em busca de apoios para o próximo Fantasporto, o meu amigo Mário Dorminsky não arranjou novos patrocinadores, apesar de não ter ouvido um único “não”. “Vamos a ver” foi a resposta 200 vezes repetida.
“Vamos a ver” é um novo sinónimo do velho e brutal (mas esclarecedor) “não”, uma versão da mentira “amanhã telefono-te” dita pelos amantes de uma só noite quando se separaram à luz do dia seguinte.
O “não” parece estar em vias de extinção nesta sociedade contaminada pelo vírus guterrista do querer agradar a toda a gente, em que se prefere adoçar a negativa com uma falsa esperança a desenganar as pessoas com a crua verdade.
O “vamos a ver” é um refúgio dos cobardes sem coragem para dizer “não” e que mantêm, em vão, acesa uma esperança que só se extingue após a 5ª chamada não atendida, o 6º mail não respondido, ou a 7ª SMS ignorada. Uma cobardia cara em desperdício de tempo e frustração de expectativas de quem ainda desconhece que o “vamos a ver” quer dizer “não” traduzido para português vernáculo.
Odeio a cultura do rodeio, das palavras a abater acompanhadas de hipócritas palmadinhas nas costas, que entranhou na nossa sociedade, substituindo o saudável “pão pão queijo queijo” por um linguarejar apaneleirado, em que ao básico “gosto”/“não gosto” foi acrescentado o assexuado “não desgosto”.
Lamentavelmente, o Governo, que devia ser um exemplo de coragem e frontalidade, também adoptou a linguagem circular e descafeinada para camuflar a sua falta de coragem.
Sábado, fiquei com uma pulga atrás da orelha quando o ministro das Finanças, questionado pelo Expresso sobre a ausência de adjudicações para as linhas de TGV Lisboa-Porto e Porto-Vigo, respondeu fazendo recurso a uma barragem de 122 palavras, compondo frases redondas como “o TGV tem de ser adaptado à realidade orçamental”, “o calendário mantém-se, mas temos de fazer opções”, “não é dizer que está necessariamente comprometido”.
Segunda feira, percebi tudo ao ler a manchete do Jornal de Negócios: “Estudo das Finanças reconhece que o TGV subirá o endividamento /Linhas do Porto e Vigo são as que mais contribuem/O novo aeroporto de Lisboa terá efeitos económicos positivos na economia”. O Governo pôs em marcha uma campanha de preparação da opinião pública para deixar ficar no tinteiro o TGV para o Porto e Vigo – uma campanha iniciada com a resposta “vamos a ver” de Teixeira dos Santos, mais um homem do Norte a quem os ares de Lisboa lhe fizeram encolher os ditos. Às tantas, está à espera que seja uma vez mais o ministro espanhol a dar-nos a má notícia e oficializar o adiamento…
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
O coro de vozes pesadas que se levantam contra a construção do TGV é mais uma triste manifestação do reaccionarismo português.
Em todos os grandes e pequenos momentos da nossa História, esta corrente bolorenta tentou travar o progresso, abusando dos galões da “autoridade” e “experiência” para condenar a ambição empreendedora do que ousam arriscar.
Camões simbolizou esta corrente reaccionária numa personagem. Vale a pena reler o Canto IV dos Lusíadas para reencontrar os detractores do TGV na trágica figura do Velho do Restelo, que condenou a expedição de Gama, identificando a gesta dos Descobrimentos com a ambição desmedida do ser humano.
O Velho do Restelo reencarnou na tenebrosa figura de Salazar, que travou o desenvolvimento industrial do país, submeteu-o ao isolamentoe promoveu a cultura do pobretes mas alegretes, remendados mas não rotos, pobrezinhos mas honrados.
Mais recentemente, o Velho do Restelo falou pela voz dos que condenaram a Expo 98 e o Euro 2004, que mostraram ao mundo um Portugal moderno, ambicioso e empreendedor, apagando de vez a imagem do país com cheiro a chichi de gato, povoado por velhas com buço e vestidas de preto, e onde as pessoas andavam de burro.
Se os Velhos do Restelo mandassem, não havia CCB nem Casa da Música, e a zona oriental de Lisboa ainda era uma imunda sucateira.
Não é preciso ser um Einstein para perceber que temos de avançar para o TGV. Seria criminoso ficarmos de fora da rede europeia de alta velocidade, num momento em que os onze países mais prósperos da Europa têm ou estão a construir linhas de TGV.
A Linha do Norte está no limite da sua capacidade e o desenvolvimento do país exige a rápida redução da distância entre o Porto e Lisboa, e da Galiza ao porto de Leixões e aeroporto Sá Carneiro.
O reforço do investimento público para combater a crise não é uma receita socialista. Sarkozy anunciou um pacote de mil projectos, no valor de 25 mil milhões de euros, financiados pelo Estado e a concretizar em dois anos.
Ao contrário do que propalam os Velhos do Restelo, há um défice de investimento estatal. Este ano, seremos o 7º país, entre os 25 da UE, com menos investimento público em percentagem do PIB.
Durante o cavaquismo, éramos a quarta economia da UE com maior percentagem de investimento público, que nos últimos dez anos caiu para metade, de 4%, em 98, para 2,1%, em 08.
O TGV tem de avançar. Não podemos perder o comboio da Europa. Não devemos, em cada eleição, pôr em causa tudo quanto o Governo decide. Precisamos de uma injecção de adrenalina nas veias da nossa anémica economia.
Quando se tem de recuperar o tempo perdido, não se leva o pé ao travão, mas sim ao acelerador.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
O grupo Barraqueiro, dono da Fertagus (a empresa que explora o comboio na ponte 25 de Abril em Lisboa), anunciou que está a trabalhar há mais de um ano numa proposta para o concurso da segunda concessão do metro do Porto – que é a principal aposta da empresa para 2009.
A Barraqueiro acrescentou que vai analisar uma candidatura à operação de TGV entre Lisboa e o Porto, que, de acordo com o calendário do Governo, deve estar no terreno em 2015.
Perguntado pelo Jornal de Negócios sobre se estava também interessado no TGV Lisboa-Madrid, José Luís Catarino, administrador da Barraqueiro, respondeu singelamente: “Achamos que a ligação Lisboa-Madrid em Alta Velocidade vai ser difícil de rentabilizar”.
Estas declarações - feitas por quem aposta dinheiro no negócio e não deixa a política entrar na equação - são a prova dos nove da rentabilidade do Metro do Porto e da linha de TGV Porto-Lisboa. E uma bofetada na cara dos tolos centralistas que dizem, histericamente, que “TGV para Madrid sim senhor, mas para o Porto, não, que horror, nem pensar, porque vai dar imenso prejuízo…”.
Ana Paula Vitorino, a dinâmica Secretária de Estado dos Transportes, anunciou o encerramento da linha do Tua, depois de um descarrilamento de uma composição perto de Brunheda, de que resultou um morto confirmado e 5 feridos graves..
Ainda está por apurar se a causa do acidente advém de uma explosão na linha ou na carruagem que faz o serviço normal da linha do Tua. Num caso ou no outro dá que pensar.
Principalmente quando o País, a braços com uma crise internacional de contornos imprecisos, discute tranquilamente a arrojada aposta no TGV, em particular como forma de resolver a ligação Lisboa/Madrid (??), quando os próprios espanhóis parecem já ter desistido de o fazer.
Como é possível que um dos desígnios principais do País seja o de ter uma linha de alta velocidade (já obsoleta na Europa avançada) para a ligação de Lisboa a Madrid. Com que propósito? Para melhorar o quê? Para servir quem?
Por muito menos, seria possível melhorar a linha ferroviária existente, e transformá-la num elemento potenciador do turismo biológico e de natureza. Em vez disso a Refer faz concursos para o aproveitamento das magnificas estações de caminho de ferro da linha do Douro e do Tua.
Sem prejuízo da segurança das pessoas, não parece disparatado apostar em tecnologias limpas e tão interessantes, como instrumentos de atracção e descoberta do Douro Património Mundial da Humanidade.
Só não percebe isto quem nunca se deixou extasiar por um passeio na mágica linha do Tua que agora, por tempo indefinido, estamos impedidos de fazer.
Enquanto isso o País discute, com parolo deslumbramento, o mega investimento do TGV.
Talvez porque liga Lisboa a Madrid e não o Douro ao resto do Mundo.
Talvez pela (falta de) importância de o local do acidente se chamar Brunheda...
Quando na “roda da Bússola” dividimos os dias em que cada um deveria editar o seu post, achei perfeito que me tivesse calhado o Domingo porque, mais tranquilamente do que no meio do afogadilho da semana de trabalho, poderia dar o meu modesto contributo nesta determinada defesa do Norte,
Assim fiz, disciplinadamente, desde então, interrompendo o descanso que o Domingo sugere para este higiénico e estimulante exercício.
Assim me preparava, há pouco, para fazer aproveitando a pequena e abençoada fresca que se abriu nesta canícula dominical.
Hesitava em falar de Scolari que pelos vistos não nos enganou apenas um vez fingindo ser um treinador técnica e tacticamente dotado, mas antes duas vezes porque aparentemente, sempre teve boa técnica para fintar o Fisco português. Ou do TGV que se calhar não se fará para já, não porque Ferreira Leite protestou ou porque a crise é tamanha, mas porque a Espanha decidiu adiar a construção do troço Madrid-Badajoz. Ou ainda sobre a forma como um velho Senhor do Futebol chamado Luis Aragonés, construiu, ao contrário de Scolari, uma equipe campeã, em que o colectivo é ainda melhor que os bons jogadores que o constituem.
Mas no meio desta hesitação tropecei com a notícia da morte, aos 94 anos, do conhecido escritor egípcio Albert Cossery. O escritor que desprezava o trabalho, viveu em Paris desde os 32 anos e foi contemporâneo de Camus e Alberto Giacometti.
Foi um boémio a vida inteira e conseguiu ter uma existência digna num Hotel de Saint-German des Prés, escrevendo à estonteante velocidade de 2 frases por semana, o que resultou em 8 livros de dimensão mediana, escritos em 60 anos de actividade literária.
O Génio de “Mendigos e Altivos” não se limitava a elogiar a preguiça, era preguiçoso mesmo.
Por isso em Sua homenagem resolvi, neste quente domingo, fazer este "post preguiçoso".
No próximo Domingo, cá estarei, disciplinadamente, com o "post trabalhador" do costume.
Ontem o Semanário Expresso esclarecia os portugueses que Lisboa é a Região da Europa com mais auto-estradas constituindo-se pois, à míngua de outras lideranças, como a “capital europeia do betão”.
Mesmo com o habitual centralismo a verdade é que o País como um todo, também não deslustra, sendo um dos primeiros da Europa no que a Kms de Auto-Estrada diz respeito.
Este assunto, como o que nos entreteve nos últimos meses sobre a imperiosa necessidade de um novo aeroporto, em Lisboa, contrastam de forma arrepiante com as restrições impostas às empresas e às famílias por uma fiscalidade pesada e de aplicação arbitrária e tantas vezes iníqua.
O mesmo, se pensarmos noutras desproporcionadas comparações:
A obsessão por um TGV que quando existir será já obsoleto, em comparação com as restrições impostas na politica de educação.
O embuste da necessidade de uma nova Ponte sobre o Tejo que servirá apenas para congestionar a capital com mais 40.000 carros, quando comparada com as severas economias impostas em matéria de saúde, com urgências e maternidades a fecharem por todo o lado.
Enfim custa muito perceber esta inversão total de prioridades.
Principalmente num Governo que, na promessa de acabar com os lobbies, se ficou por uns quantas medidas dirigidas a pequenos retalhistas das Farmácias, assobiando para o ar nos “furacões” da Banca portuguesa e alimentando, em obras públicas faraónicas, o sector da construção civil.
Surpreendentemente (ou talvez não) dois dos sectores da actividade económica que mais empregos proporcionam à classe política, como ainda recentemente voltamos a constatar….
Melhorar o sistema de transporte ferroviário é necessário, mas essa decisão tem de ser ponderada quanto ao momento e quanto às alternativas. Apresentar grandes projectos foi sempre o nosso estilo, para embalar os portugueses.
O TGV tem uma dimensão que não é fácil de gerir e não nos vai ligar à Europa, mas a Espanha, o que acabará por fazer de Madrid a sede das empresas e levar de Portugal centros e empregos qualificados.
Em relação ao trajecto do TGV ,começam os episódios de "prejudicar" algumas populações ,como está acontecer no concelho de Pombal sem darem hipótese de outras alternativas.
A linha ferroviária de alta velocidade no concelho de Pombal está a gerar vários protestos da população que teme danos irreparáveis em vários locais e mesmo o «enterramento» de uma localidade, a Assanha da Paz,
Admitindo que o projecto em fase de execução contemple outras soluções técnicas, Humberto Lopes denuncia aquilo que considera ser «falta de resposta» da empresa RAVE sobre as dúvidas manifestadas da população.
«A linha (escolhida na avaliação de impacto ambiental) tem uma margem de erro de 25 metros e uma faixa de 400 metros» pelo que «ninguém sabe ao certo quais as casas que vão ser destruídas», acrescentou o autarca, que tem ouvido as queixas da população.
O facto da linha não poder ter grandes oscilações de curvas ou declives vai obrigar a «cortar a direito» por entre veredas e terras, dividindo comunidades locais de uma «forma definitiva»
A apoiar a luta das populações está a Câmara de Pombal, que vai reunir com juristas para impugnar o processo de escolha do corredor.
O TGV «vai ter um impacto terrível sobre a qualidade de vida das populações» e embora o concelho de Pombal admita a necessidade de vir a ser atravessado pela linha, o vice-presidente da autarquia, Diogo Mateus, quer que os estudos estejam «bem feitos. .
" Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, CCDRC, [um organismo governamental] terá pressionado dois técnicos superiores a mudarem um parecer que chumbava todos os traçados de TGV entre Alcobaça e Pombal. Segundo uma investigação da SIC, os técnicos não aceitaram a pressão e por isso foram afastados compulsivamente da Comissão de Avaliação do projecto. Já esta sexta-feira, a mesma estação televisiva avançou que a CCDRC chumbou o projecto de traçado do Governo, não obstante os técnicos terem sido afastados.
Segundo a SIC, o parecer desfavorável a todos os traçados para a ligação entre Alcobaça e Pombal foi aprovado por toda a hierarquia da CCDRC e enviado para Lisboa. Mas apenas cinco dias depois de terem aprovado o documento, os dirigentes da CCDRC mudaram de posição e queriam agora que o parecer indicasse qual era o traçado mais favorável".
«Foi a própria Comissão de Avaliação que nos colocou essa questão», disse à SIC o vice-presidente da CCDRC, Henrique Moura Maia, reconhecendo pressões superiores para alterar o conteúdo do parecer. Um parecer negativo desta comissão inviabilizaria inevitavelmente os traçados propostos pela Rede de Alta Velocidade (RAVE) para atravessamento da zona entre a Ota e Pombal.
Apontar um traçado como menos mau foi uma forma de contornar a situação. Na entrevista à SIC, o vice-presidente Henrique Moura Maia diz que «as alternativas podem ser todas más mas, decididamente, havia que hierarquizá-las» porque «quem vai ter que decidir, vai ter que saber qual é a menos má».
Com esta alteração no parecer, o Governo já poderia viabilizar um dos traçados, como de resto aconteceu a 21 de Dezembro quando o Ministério do Ambiente emitiu a Declaração de Impacto Ambiental favorável ao projecto.
No parecer antes emitido, e que tinha sido aprovado e enviado para a Agência Portuguesa de Ambiente explicava-se que «os impactes gerados em termos de socio-economia, do ordenamento do território e usos do solo são negativos, muito significativos, irreversíveis e não minimizáveis (residuais)», permanecendo mesmo depois das medidas de minimização prevista no Estudo de Impacto Ambiental promovido pela RAVE.
Segundo a SIC, a CCDRC mudou de posição no mesmo dia em que o estudo estava a ser discutido pela Comissão de Avaliação de impacto ambiental do projecto (Troço de Alta Velocidade C1, entre a Ota e Pombal). Uma hora depois de ter começado a reunião foi interrompida por um telefonema do vice-presidente e do presidente da CCDRC queriam que os técnicos superiores escolhessem uma das alternativas propostas.
Os técnicos não aceitaram a pressão, como explicam num relatório a que a SIC teve acesso e arquivado na CCDRC (está assinado pelos próprios técnicos): «Esta posição não pode ser aceite (...) dado que todas as alternativas apresentam impactes negativos muito significativos». O resultado foi a destituição pura e simples: «Perante as objecções levantadas (...) o sr. presidente da CCDRC retirou-lhes a confiança (...) tendo adiantado que iria proceder à nomeação de novos representantes» regionais na Comissão de Avaliação do projecto.
O vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro não nega que os técnicos tenha sido afastados por recusarem ceder a pressões do presidente da CCDRC (Alfredo Rodrigues Marques) e de si próprio. «Não lhe vou dizer porque é que eles foram mudados, isso é uma questão de gestão interna e isso aí não me vai perguntar», disse à SIC.
Se este episódo refere-se a uns 50 Km do trajecto do TGV o que nos esperará nos restantes?
Como puderam ler,e graças a um bom jornalismo de investigação,tudo o que se faça a nível de grandes investimentos neste país aparecem sempre os tentáculos das influências....das corrupções.
Tenho seguido com alguma atenção, redobrada curiosidade e indisfarçável divertimento a carreira do ministro das Obras Públicas, um reputado «aparatchik» que acompanha Sócrates desde os gloriosos tempos em que oactual primeiro ministro conspirou com sucesso para ser ministro do Ambiente no lugar da ministra do Ambiente (Elisa Ferreira).
Sorte idêntica não tem o mau grão-vizir Iznogoud (uma magnífica invenção de Goscinny, o pai do Astérix) que há uma data de anos conspira debalde para ser Califa no lugar no bom do Califa.
Não era preciso ser um Einstein para perceber a importância nuclear que o Ministério das Obras Públicas teria num Governo que acreditava (ainda acreditará?) piamente que a Ota e o TGV iam ser a locomotiva da recuperação económica e do suave milagre do regresso à convergência com a Europa – e que a chuva de dinheiro do QREN vai ser o Abre-te Sésamo de uma nova maioria absoluta.
Mário Lino partiu discreto. Mas tal como aqueles maratonistas que fazem a corrida de trás para a frente, sem esticões, o ministro das Obras Públicas, com uma passada certa e segura, soube ultrapassar o seu colega da Economia, destronando Manuel Pinho do lugar de primeiro palhaço do Governo Sócrates.
Data de Maio último o ponto de viragem, em que Pinho ficou irremediavelmente para trás no bem disputado campeonato interno do disparate. Lino passou por ele a correr, até parecia um foguetão, no dia em que proferiu a mais memorável das suas declarações, que nunca será demais recordar:
«Fazer um aeroporto na Margem Sul seria um projecto megalómano e faraónico, porque, além das questões ambientais, não há gente, não há hospitais, não há escolas, não há hotéis, não há comércio, pelo que será preciso levar para lá milhões de pessoas»
Foi por estas, e por outras como esta, que Sócrates teve de pôr a questão da Ota a hibernar durante seis meses.
Só que agora que chegou a hora de descongelar a Ota e há para resolver uma série de contrariedades surgidas no entretanto.
No interim em que o Governo mantinha a Ota agasalhada na gaveta, a CIP patrocinou um estudo, dirigido por um reputado especialista (José Manuel Viegas), que aponta Alcochete como a melhor e mais barata localização para o novo aeroporto de Lisboa.
Acresce que, no entretanto, engrossou o pelotão dos que defendem a solução Portela+1 e que se meteu na cabeça do PR Cavaco a ideia que tem uma palavra a dizer sobre a matéria.
Uma data de chatices! Os espíritos (nada a ver com o BES) andavam agitados, pelo que Mário Lino meteu mãos à obra de cortar o mal pela raiz.
Vai daí tratou de gizar um cuidado e pormenorizado plano de assassinato do estudo da CIP junto da opinião pública, com a ajuda voluntária da Rave (empresa sob a sua tutela e convenientemente guarnecida de boys rosa) e de especialistas em «spin» - e involuntária de uns crédulos equipados com carteira profissional de jornalistas mas que têm boa boca e estão habituados a comer e calar a ração que lhe põem à frente (os idiotas úteis, na fraseologia de Lenine).
«Comme il faut», a campanha foi inaugurada com estrondo no sábado, no jornal de referência por excelência (Expresso), onde fonte anónima da Rave jura que o estudo da CIP faz disparar em 1700 milhões de euros o custo do novo aeroporto.
No dia do Senhor, a plantação de notícias abriu num movimento em tenaz.
No diário de referência por excelência (Público) denunciam-se os «erros crassos» do estudo da CIP e as suas consequências catastróficas para o TGV Porto-Lisboa: menos 1,5 milhões de passageiros/ano, menos 450 milhões de euros de receitas/ano, mais 15 minutos de duração do trajecto.
No diário com maior circulação (Correio da Manhã) um administrador da Rave denuncia o crime lesa-património que o estudo da CIP pretendia perpretar. A construção de uma ponte Beato-Montijo obrigaria o Convento do Beato a vir abaixo, o que, concordo, seria uma enorme maçada, tanto mais que o pessoal do Compromisso Portugal teria de espremer as meninges para arranjar um novo ponto de encontro para a sua reunião anual.
Vento corria de feição à campanha. O drama foi que logo no dia a seguir, na 2ª feira, o director do Público revelou, em editorial, os detalhes do plano de intoxicação traçado por Mário Lino, que passou a ser o macaco escondido que deixou o rabo de fora.
Lino teve de improvisar. E para cobrir a retirada pôs um porta voz da Rave a jurar que tem estudos favoráveis à solução Alcochete - e que o mal está apenas na soluções técnicas apresentadas pela CIP.
Mário Lino falhou no essencial. Foi apanhado com a mão na massa – com a boca na botija. O segredo do sucesso deste tipo de campanhas é serem silenciosas e ninguém dar por elas.
A regra número um é o maestro ficar na sombra, de luvas calçadas.Mas o ministro não conseguiu evitar deixar as impressões digitais espalhadas por todo o lado.
Lino, o ministro que não tem tempo para ler (e por isso o mais que pode fazer pelo estudo da CIP é, disse ele, «dar-lhe uma vista de olhos») é um amador. Um intoxicador de água doce.
Carolina Salgado, João Botelho e Margarida Vila Nova, na Adega Kais, em Lisboa, no jantar comemorativo do final da rodagem de «Corrupção». Na altura o filme tinha mais 17 minutos
Estávamos em Janeiro de 2005. O jogo com o Trofense era importante demais para ser encarado com ânimo leve. Por isso, o presidente do Lixa telefonou a Pedro Sanhudo logo que soube que ele tinha sido designado para arbitrar esse encontro do campeonato da II Divisão B.
Cantou-lhe a canção do bandido. Como o jogo era muito importante para o Lixa, será que ele, Sanhudo, poderia dar um jeitinho? E será que ele estava precisado de alguma coisa?
O árbitro embarcou. Disse que sim. Não ele, pessoalmente. Mas a Associação dos Árbitros do Baixo Tâmega, por ele presidida, não tinha frigorífico. O presidente do Lixa declarou o assunto resolvido. Teria todo o gosto em oferecer um frigorífico, com arca!, à associação. Jeito por jeito.
Chegou-se a domingo e o Trofense ganhou. O presidente do Lixa liga a Sanhudo, que, com voz comprometida, desdobra-se em explicações. «Como viu, ó presidente, eu não pude fazer nada. A sua equipa não ajudou. O que é que eu podia fazer?». O presidente não deu mostras de ter ficado lixado, Aceitou as explicações. E sossegou o árbitro. Não voltaria com a palavra atrás. A Associação dos Árbitros do Baixo Tâmega ia ter um frigorífico. Oferecido por ele.
Este episódio, documentado por escutas telefónicas, é a base de um das centenas de processos do Apito Dourado. Em Março, a procuradora Maria José Morgado deduziu a acusação contra o presidente do Lixa(um homem de palavra) e Pedro Sanhudo, o árbitro que não podia fazer mais do que o que fez.
Vem a história do frigorífico da Associação dos Árbitros do Baixo Tâmega a propósito da corrupção, um tema que tem andado entre as bocas do Mundo e as primeiras páginas dos jornais.
Ainda recentemente ficamos a saber que Portugal desceu dois lugares, de 26º para 28º num total de 180 países analisados, no Índice de Percepção da Corrupção, um ranking elaborado pela Transparency Internacional que classifica os países segundo o eventual grau de corrupção do sector público.
Não me custa a acreditar no crescimento da corrupção entre funcionários públicos e políticos em Portugal. É o preço que temos de pagar pelo inevitável processo de democratização do poder de decisão que eleva o número de pessoas susceptíveis de serem corrompidas.
O que nunca me tinha passado pela cabeça é que esta democratização do poder estivesse avançada ao ponto de um capitão de fragata e um sargento da Amada terem sido formalmente acusados de corrupção passiva por uma empresa que pretendia vender mísseis Seasparrow e Harpoon para as fragatas da classe Vasco da Gama.
Nas vésperas das decisões políticas da atribuição de grandes obras (como o novo aeroporto de Lisboa e o TGV), decisivas para grupos económicos poderosos, convinha focarmos a vigilância na transparência destes processos, por forma a que não haja dúvidas de que ninguém usou a sua posição e/ou os recursos públicos em benefício pessoal ou do partido – em vez de dispersarmos a atenção por manobras de diversão e «faits divers» como o do frigorífico da Associação dos Árbitros do Baixo Tãmega.
Jorge Fiel
PS: Esta crónica foi redigida para o diário económico Oje, onde vai ser publicada e amanhã