Lembram-se de Romário, aquele brasileiro baixinho que fazia golos tão simples como se estivesse a passar a bola para um colega que estava no fundo da baliza? Pois no dobrar dos anos 80 para os 90, entre sair do Vasco da Gama e brilhar no Barcelona, ele passou pelo PSV, e foi entrevistado em Eindhoven por um amigo meu jornalista que, a título de aquecimento, abriu a conversa perguntando-lhe como é que ele estava a dar-se na Holanda e obteve como resposta um longo rol de lamentações.
Romário queixou-se do clima, da comida, da língua e dos hábitos - na verdade, não deve ser fácil um latino habituar-se a uma sociedade em que o convite para ir jantar a casa de alguém é acompanhado da pergunta sobre quantas batatas vamos comer -, antes de entrar nas questões profissionais, ou seja, no futebol.
Depois de se assegurar de que o meu amigo não iria publicar o seu desabafo, o brasileiro queixou-se dos colegas, que nunca lhe serviam a bola em condições: "A princípio, até pensei que era de propósito, para me queimar. Mas não. Já entendi que se não passam bem é porque não conseguem. Não é por mal que não fazem melhor. É porque não sabem".
Converti esta frase numa espécie de mantra, que me tem ajudado muito a ter paciência quando confrontado com exasperantes situações de falta de profissionalismo ou de pornográfica incompetência.
Se pressinto que vou levantar a voz e estou prestes a explodir, repito mentalmente, as vezes que for preciso, o mantra -"Não é por mal que não fazem melhor. É porque não sabem" -, até me acalmar.
Quando, há coisa de ano e meio, nos apercebemos de que as nossas finanças públicas estavam em pior estado que o chapéu de um trolha, foi claro para quase todos nós que até endireitarmos as contas iria ser preciso apertar o cinto e aguentar com abnegação o fel da austeridade.
Estou até convencido de que, em nome do sucesso do milagre regenerador do grande sacrifício nacional, aceitaríamos com estoicismo que Passos Coelho sublinhasse a sua chegada a S. Bento com o anúncio de que os subsídios de férias e de Natal ficavam sine die por conta do esforço de consolidação orçamental.
O problema é que, ao longo destes quase 16 meses, contrariando a sábia recomendação de Maquiavel (o mal deve ser feito todo de uma vez, ao contrário do bem, que deve ser administrado em prestações), o Governo não para de anunciar a conta- -gotas mais medidas de austeridade - e são cada vez mais as vozes de economistas (como João Duque e Augusto Mateus) a avisar que daqui a um ano, quando estivermos a discutir o OE de 2014, vamos estar na mesma (ou seja, pior) porque os remédios amargos que estamos a tomar não estão a atacar o mal de que padecemos, mas antes a aliviar alguns dos seus sintomas.
O drama é que se estas vozes estiverem certas, repetir o meu mantra - "Não é por mal que não fazem melhor. É porque não sabem" - não só não me acalmará como ainda por cima vai fazer subir mais a minha tensão arterial
Via com alguma regularidade "O elo mais fraco" até uma qualquer luminária da RTP ter tido a infeliz ideia de substituir, na apresentação do concurso, o Malato pelo Pedro Granger - nada contra o rapaz, sucede apenas que, como ficou demonstrado, até metia dó pois era absolutamente desprovido de jeito para o assunto.
Uma das coisas que apreciava em "O elo mais fraco" era o facto de proporcionar um momento agradável de convívio familiar, em que nos divertíamos a testar a rapidez e estado da nossa memória, bem como a profundidade dos nossos conhecimentos.
A outra das coisas que me atraíam muito no concurso era analisar as razões que estavam por trás do processo de eliminação de um concorrente no final de cada ronda de perguntas.
Nem sempre era afastado o elo mais fraco, ou seja o que tinha errado mais respostas. E nem sempre me pareciam inocentes os motivos que levavam os outros concorrentes a mandar um colega pela borda fora.
Estar em frente às câmaras da televisão, pressionado pelo tempo e picado pelo apresentador, cheio de vontade de ganhar dinheiro e fazer boa figura perante centenas de milhares de pessoas e cheio de medo de fazer figura de urso inculto, é uma situação altamente geradora de stress e acredito que muitos concorrentes estejam de tal maneira concentrados na sua prestação que percam por completo a noção da performance dos outros - e por isso votem a expulsão de um colega que por algum motivo inconsciente lhe desagradava e até podia ter sido o elo mais forte.
Mas não raro, em particular quando já só restavam em jogo três ou quatro concorrentes, acontecia ser claro que dois ou três dos mais fracos se coligavam para afastar o mais forte da final. Acho isso uma pulhice, uma entorse à moral (não à letra) das regras do jogo, mas a vida também é assim - um jogo em que temos de estar prevenidos para contornar pulhices e evitar que nos cravem facas nas costas.
A Grécia é o elo mais fraco da Zona Euro. Mal seja afastada - e, dizem os oráculos, a pergunta não é se vai abandonar o euro mas sim quando e como- , nós passamos a ser olhados como o elo mais fraco.
Empenhados em evitar que a saída da Grécia inicie uma espiral que leve à desintegração da moeda única, as sumidades que governam a UE têm--se desdobrado em esforços para construir firewalls , ou seja a empilhar montanhas absurdas de dinheiro que evitem o contágio desta tuberculose financeira da periferia até ao centro.
No meu entender, o coro de rumores preparatórios do resgate da Espanha e Itália deve ser lido como uma boa notícia para Portugal, pois tira-nos da berlinda e abre uma séria possibilidade de passarmos no intervalo da chuva - e de que a notícia de que vamos poder relaxar a austeridade, porque a troika decidiu finalmente dar-nos mais tempo e mais dinheiro, irá parar a um discreto fundo de uma página par do "Financial Times". À luz da minha teoria dos jogos, elaborada a partir de "O elo mais fraco", estou satisfeitíssimo por sairmos da primeira página.
JorgeFiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Como detesto secar-me, guardo para depois do duche as outras tarefas que medeiam entre o acordar e a saída de casa, como escovar os dentes, fazer e tomar o pequeno almoço, espreitar o email e assegurar-me que levo no meu saco de carteiro, tudo quanto suspeito que vou precisar durante o dia.
Enquanto me desembrulho das pequenas obrigações quotidianas, o roupão turco vai-se encarregando de me secar, alimentando a minha preguiça.
Atendendo à impressionante quantidade de decisões que temos de tomar durante um dia de trabalho, é inteligente apetrecharmo-nos de rotinas formatadas que nos poupam a escolhas que podemos antecipar.
Sei perfeitamente que, às vezes, quando tenho em cima da mesa um assunto importante para decidir, faço batota e tento enganar-me, sobrevalorizando escolhas menores num esforço para me convencer que sou decisor impiedoso, que não hesita, recua ou adia quando lhe surge pela frente uma opção dolorosa e prenhe em consequências.
É muito mais fácil optar por almoçar uma americana no Big Ben ou um chao min de lulas e legumes no chinês do largo Tito Fontes, do que decidir se o Jornal de Notícias deve continuar a publicar diariamente a programação de todos os cinemas das regiões Norte e Centro.
A amostra de quatro meses de Governo Passos deixa-me moderadamente satisfeito. Trata-se de gente competente e bem intencionada, empenhada em tirar o país do buraco em que nos meteram e romper com uma tradição de favorecimento de interesses privados que durava desde 2º Governo Cavaco.
Só temo que Passos esteja a engonhar, enganando-se e enganando-nos com a tomada de pequenas decisões relativamente indolores, como a fusão de freguesias, quando se impõe uma grande reforma administrativa, que logo à partida exige um processo bem mais doloroso de fusão de municípios,
No caminho de regresso a casa, chegar ao semáforo da praça da Galiza, vindo da D. Manuel II, e decidir se sigo em frente até à Rotunda ou viro para o Campo Alegre, é bem mais simples de tomar do que marcar uma reunião com a troika para explicar-lhes que precisamos de mais 25 mil milhões de euros - e talvez também de aliviar um pouco o calendário do ajustamento.
O problema é que precisamos mesmo de mais dinheiro porque as empresas públicas de transportes não se conseguem financiar lá fora e estão a usar todo o crédito que a banca pode disponibilizar, o que está a asfixiar a economia e a atirar para a falência empresas com bom produto e encomendas - mas sem fundo de maneio e privadas do crédito dos fornecedores, que passaram a exigir pagamento à cabeça.
Apesar de não ser religioso, rezo para que Passos e Gaspar tenham coragem para tomar a dificil mas inadiável decisão de pedir aos credores um reforço do pacote de resgate que impeça a morte da nossa economia.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias