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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

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A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

A cafrealização de Vara e outras histórias

No tempo das notas verdes de 20 escudos com a fronha do Stº António, fui vítima de uma daquelas injustiças em que a nossa Justiça é fértil - e tive de pagar uma multa de 20 contos.

Foi assim. A audiência estava marcada para as 9h30 nos Juízos Criminais, na rua do Bolhão. Respeitador e obediente, uns minutos antes da hora já lá estava, junto à 3ª secção do 2º juízo, à espera da chamada, prevenido com um jornal pois, como todos sabemos, tribunais e hospitais são catedrais da espera.

Seriam umas dez horas quando estranhei a ausência de acção. “Mas este processo não é aqui!”, respondeu-me a menina do guichet, abanando a cabeça enquanto me apontava no papel: era na 2ª Secção do 3º Juízo e não a 3ª Secção do 2º Juízo.

Era tarde e Inês estava morta! Quando me apresentei no juízo certo, já a chamada fora feita, o julgamento adiado – e eu constava da lista dos faltosos. Contei ao oficial de justiça a triste história da minha confusão de juízos. Ao fim e ao cabo eu tinha estado à hora, só que no sítio errado. Com a capa negra pelos ombros, ele ouviu-me, com condescendência. Não prometia nada. Eu que esperasse a ver o que o juiz dizia.

Nada feito - anunciou-me 20 minutos depois. O juiz tinha-o mandado dizer-me que arranjasse um atestado. Como além de amigos médicos também tenho vergonha na cara, preferi pagar os 20 contos.

Não sei se foi para dar seguimento a idêntica sugestão de um juiz da Face Oculta que na 5ª feira passada o camarada Armando Vara irrompeu num Centro de Saúde de Lisboa, passou à frente de toda a gente e pediu a uma médica que lhe passasse um atestado, respondendo que estava com pressa, pois corria o risco de perder o avião, quando ela o criticou por ter entrado no seu gabinete sem ser chamado.

A directora do Centro de Saúde censurou o comportamento de Vara, classificando-o de “situação de abuso inconfundível”. Eu estou de acordo, apesar do ex-ministro poder invocar, como atenuante das péssimas maneiras evidenciadas, o facto de estar exposto a um processo acelerado de cafrealização, já que após ter sido obrigado a deixar a administração do BCP arranjou emprego como lóbista dos negócios africanos da brasileira Camargo Corrêa – a coisa está a correr bem, acaba de ganhar a empreitada, no valor de 1,75 mil milhões de euros, de uma barragem no Zambeze (se calhar era para Maputo o avião que Vara não queria perder)

Todas as histórias têm uma moral. Esta tem várias. A cafrealização não chega para justificar o seu lamentável comportamento de Vara. A médica devia ter-se recusado a passar o atestado. Mas a principal moral é que pior que viver acima das nossas possibilidades é vivermos abaixo das mais elementares regras de educação e civismo.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

Salto à Vara para a riqueza

A audiência correu bem. O senhor, de idade avançada, expôs o seu drama ao ministro, que logo lhe deu razão e instruiu o chefe de gabinete a pôr em marcha a resolução do problema.

À despedida, o idoso estava encantado. Desdobrava-se em vénias e repetia protestos de eterna gratidão, agarrado à mão do ministro, quando pronunciou a frase fatal: “Dou por muito bem empregues os 500 contos que paguei para conseguir esta audiência”.

O ministro estremeceu e pediu-lhe para repetir o que acabava de dizer. Afinal tinha ouvido bem à primeira. “Foi ao senhor deputado x”, respondeu o cidadão, quando perguntado sobre quem lhe solicitara os 500 contos. 

Como o ministro tinha sido tão atencioso, o idoso não podia dizer não quando ele lhe pediu escrever o que acabara de contar - e assinar por baixo. Cópias deste manuscrito seguiram para a direcção do partido e do grupo parlamentar. “O deputado ainda está lá, na Assembleia da República” é o final triste desta história contada pelo ex-ministro.

Já se passaram alguns anos sobre este episódio, e pelo andar da carruagem, a Transparency International tem a razão quando põe Portugal em queda livre no ranking dos países menos corruptos do mundo. Em 2001, estávamos em 25º. No ano passado, íamos em 32º. Cravinho, ex-ministro das Obras Públicas, já nos avisara que “a grande corrupção de Estado é uma situação muito complicada e em crescendo”.

É triste constatar que Balzac estava cheio de razão quando escreveu que por de trás de cada fortuna há um crime, pois não me lembro de ter tropeçado em alguém que tivesse enriquecido à custa do seu salário.

É muito triste reparar que continuam por esclarecer o negócio dos submarinos, o Freeport, o caso Portucale e a Operação Furacão – a que agora se junta a Face Oculta, em que tudo leva a crer que um sucateiro de Ovar conseguiu comprar, a dinheiro ou em Mercedes, responsáveis pela nata das blue chips do PSI 20 (Millennium, REN, Galp e EDP). 

Não podemos assobiar para o lado e fazer de conta que não vemos o degradante espectáculo de haver gentalha, que era suposto ser honesta, a abusar da sua posição para nos roubar.

Há duas emoções que comandam o pensamento e acção dos ladrões de colarinho branco: o medo e a ganância. Para pôr um travão aos desmandos provocados pela ganância é urgente implantar um regime de tolerância zero para quem rouba o nosso dinheiro.

O Governo que estabeleceu um regime de terror fiscal para amedrontar os pequenos contribuintes, tem obrigação de saber criar um regime de terror, que atemorize os corruptos. Se não o fizer, todos nós nos sentiremos incentivados a dedicar-nos à prática do salto à Vara para a riqueza.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

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